Faltando pouco mais de um mês para o julgamento do último réu do caso do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, ocorrido no dia 24 de março de 2003, o deputado estadual Danilo Bahiense Moreira, conhecido como Delegado Danilo Bahiense, entregou ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, um vasto material com mais de 1.600 páginas contendo, segundo ele, provas contra o juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira, denunciado pelo MPES como um dos mandantes do crime.
De imediato, o MPES apresentou as supostas provas ao juiz Marcelo Soares Cunha, da 4ª Vara Criminal de Vila Velha (Privativa do Júri). Os promotores de Justiça que atuam no caso queriam que as “provas” levadas por Danilo Bahiense fossem anexadas aos autos, para o julgamento que começaria na segunda-feira (08/11). O juiz Marcelo Cunha não só indeferiu o pleito do Ministério Público, como declarou ilícitas as provas. A decisão pela suspensão do julgamento foi tomada posteriormente pelo magistrado.
O que chama a atenção, no entanto, é o tempo com que o agora delegado de Polícia Civil aposentado e deputado de primeiro mandato Danilo Bahiense levou para apresentar as “provas” ao Ministério Público: 16 anos.
As “provas” seriam fruto de suposto interrogatório de Antônio Leopoldo, dado ao delegado Danilo Bahiense – que era o chefe da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoas à época – no dia 10 de junho de 2005 e de denúncias apócrifas. O interrogatório teria sido tomado nas dependências do Tribunal de Justiça, no âmbito do Inquérito Judicial que apurava a participação de Antônio Leopoldo – na ocasião ele era juiz de Direito – como suposto mandante da morte do juiz Alexandre Martins.
Resultado: o juiz Marcelo Cunha determinou o desentranhamento das folhas 15.920 a 16.174, onde constam as “provas”, com posterior devolução ao Ministério Público, “inclusive para provável apuração de responsabilidades” da Autoridade Policial.
A decisão do magistrado pelo indeferimento do pedido do MP ocorreu no dia 10 de setembro de 2021. A partir daí, sucedeu-se uma série de recursos apresentados pelo Ministério Público ao juiz-natural, ao Tribunal de Justiça e até um pedido de correição por parte da Corregedoria Geral de Justiça em desfavor do juiz Marcelo Cunha.
De acordo com especialistas ouvidos, o agora deputado estadual Danilo Bahiense deveria ter apresentado as provas nos autos do Inquérito Judicial, presidido por um desembargador-relator. Dezesseis anos depois, agora como delegado aposentado, Danilo não tem mais a prerrogativa de levar provas oficiais, tomadas em procedimento judicial, a nenhum órgão competente. Se fosse o caso, as supostas provas deveriam ser apresentadas pela Chefia da Polícia Civil diretamente ao juiz que preside o processo, Marcelo Cunha, e não ao MPES.
O juiz Marcelo Cunha analisou o primeiro pedido do Ministério Público, no processo nº 0023688-43.2007.8.08.0035. Segundo ele, trata-se de juntada promovida pelo Ministério Público, referente “a suposta oitiva do acusado (Antônio Leopoldo) pelo então Delegado de Polícia, Dr. Danilo Bahiense Moreira, hoje Deputado Estadual, que ao órgão acusatório encaminhou todo o material colhido, consistente numa mídia de gravação, sua correspondente degravação por laudo pericial e redução a termo das supostas declarações por aquele prestadas (fls. 15.920-16.174).
A defesa de Antônio Leopoldo, que tem à frente o advogado Flávio Fabiano, impugnou o material apresentado e requereu o desentranhamento, ao argumento, em síntese, de não haver ordem judicial para a realização do ato e sua gravação ambiental; a ocorrência de uma quebra do sistema acusatório, já que a iniciativa sequer partiu do Ministério Público, mas da própria testemunha (Danilo Bahiense); a ocultação do material por mais de dez anos, quando, então, fora feita a perícia e degravação sem informar a sua ordem originária; a quebra da garantia de paridade de armas em razão da juntada extemporânea de material colhido ao tempo da investigação policial e não submetido à ação penal que se desenvolveu; a ocorrência de simulacro de delação não formalizada nos autos, inclusive porque não assinado por qualquer dos envolvidos, inclusive o próprio acusado; em decorrência disso a falta da anuência expressa do acusado acerca da produção da mídia, das gravações, já que nada a respeito houvera sido registrado em áudio, estando ausentes os seus advogados e o representante da AMAGES; a ausência do registro da advertência ao direito ao silêncio e à presença de seu advogado, bem como possibilidade do material ser depois utilizado nas investigações policiais e provável ação penal decorrente, tudo resultando na quebra do princípio da não autoacusação; a ausência do Desembargador Relator ou juiz de direito por ele designado pata a tomada do depoimento; a disparidade entre o termo de oitiva com o material gravado, haja vista a existência de duas terminações em sua impressão.
“Analisando o material juntado, ouvi de forma atenta todos os áudios e fiz o respectivo acompanhamento do chamado laudo pericial de degravação, não identificando qualquer irregularidade ou inconsistência no que transcrito”, pontua o juiz Marcelo Cunha, que, no entanto, afirma: “Existem questões a serem analisadas acerca da legalidade, legitimidade, consensualidade, seriedade e prejuízo na produção e utilização em plenário de julgamento”.
O magistrado identifica ainda que, “quanto à necessidade de prévia ordem judicial de produção da gravação ambiental, de fato, na análise de todo o inquérito policial, nada foi identificado, nenhum movimento ou comando judicial, especificamente do eminente Desembargador Relator que conduziu as investigações”.
No entanto, prossegue Marcelo Cunha, “o ato foi realizado nas dependências do Tribunal de Justiça e por Delegado de Polícia que recebera a incumbência de colher depoimentos ao longo das investigações, havendo inclusive uma possível consensualidade do acusado na participação naquele ato, o que bastaria, talvez, à garantia de licitude da prova, conforme entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça”.
Mais adiante, salienta o juiz, “todo o material não foi colacionado ao inquérito que se desenvolvia, mas mantido em seu poder por aquela autoridade policial (Danilo Bahiense) que agora, 16 (dezesseis) anos depois, o remeteu ao Ministério Público, já nas proximidades do julgamento pelo Tribunal do Júri, e tal circunstância é grave”.
O juiz Marcelo Cunha ainda critica a atuação do então delegado Danilo Bahiense, dizendo que, “a despeito da desnecessidade de prévia ordem judicial para o ato, embora pareça tácita por aquela delegação investigativa, assim como as afirmações do acusado em seu interrogatório (fls. 2661-2665), de fato, confessando que aceitou a oitiva e até pediu para que fossem gravadas as suas declarações, tudo em ambiente de colaboração premiada, é certo que estava preso provisoriamente, portanto, sob evidente constrangimento e sem a formal ciência de seus advogados e familiares, o que se constata pela degravação de interceptação telefônica de fls. 2653/2654 e 2655-2659, ocorrida em 07/04/2005, dois dias depois da data consignada no termo de oitiva produzido”.
Prossegue o magistrado: “Foi requisitado sim, pelo Delegado de Polícia, conforme ofícios de fls. 1782-1784, nada sendo registrado acerca de suas garantias e prerrogativas, e nenhum depoimento ou termo de oitiva anexado em seguida, tudo parecendo, pelos autos, um grande vazio na investigação, que apenas agora foi trazido à tona”.
Marcelo Cunha sustenta mais: “É verdade que também afirmou (Leopoldo) que nas idas e vindas ao Tribunal de Justiça chegou a falar com familiares e advogados, depois de muita insistência deles em localizá-lo e saberem o que estava acontecendo, sendo até tranquilizados dizendo que estava tudo bem. Mas em momento algum houve o registro da participação de qualquer deles no ato, orientações prévias ao acusado ou, ainda, com certeza, a necessária cientificação quanto ao seu direito ao silêncio e a possibilidade do material ser utilizado nas investigações, até porque se tratava, ao que parece, de uma suposta proposta de colaboração premiada e saída para outro país após a aplicação de pena decorrente de omissão e aposentadoria compulsória”.
Para Marcelo Cunha, não se trata de mera gravação ambiental, mas de material que haveria de ser considerado ao tempo da investigação policial, provavelmente dispensado naquela época por razões que apenas os envolvidos na produção poderiam esclarecer, “mas é certo que a juntada neste momento promove grave quebra da paridade de armas e da lealdade processual, que devem ser preservadas à garantia da perene transparência, seriedade e equilíbrio no julgamento. Não me refiro aos ilustres Promotores de Justiça que promoveram o pedido de juntada, mas sim, àqueles que guardaram tais registros por tanto tempo, degravaram a mídia doze anos depois e, ainda assim, no limiar do julgamento, remeteram ao Ministério Público, no mínimo, causando-lhe o constrangimento com tal novidade”.
O juiz conclui dizendo que “a pretensa prova (levada ao Ministério Público pelo deputado Delegado Danilo Bahiense) é ilícita na sua origem, no seu momento, na sua estrutura, na duvidosa consensualidade, no seu extemporâneo surgimento e causa sério prejuízo ao acusado em seu direito de defesa”.
Marcelo Cunha indeferiu o pedido do MPES e determinou o desentranhamento das folhas 15920 a 16174, com posterior devolução ao Ministério Público, para apurar possível responsabilidades por parte do então delegado Danilo Bahiense.
A defesa de Antônio Leopoldo quer que o julgamento seja realizado logo, pois tem certeza da absolvição do réu: “A defesa entende que as supostas provas apresentadas agora, 16 anos depois, pelo delegado-deputado Danilo Bahiense são ilícitas. Já o juiz Marcelo Soares Cunha declarou que as tais provas são ilícitas. O Ministério Público sequer deveria ter juntado as provas aos autos. Logo, a responsabilidade por esse novo atraso no julgamento não é da defesa; é do Ministério Público e do deputado Danilo Bahiense”, pontuou o advogado Flávio Fabiano.
A resposta do deputado Delegado Danilo Bahiense
O Blog do Elimar Côrtes enviou à Assessoria de Imprensa do deputado Delegado Bahiense questionamentos importantes acerca de sua atitude de levar ao Ministério Público as supostas provas contra o juiz Antônio Leopoldo 16 anos depois do fim do Inquérito Judicial. Foram enviadas à Assessoria as seguintes perguntas:
1) Por que ele demorou 16 anos para entregar as provas ao Ministério Público?
2) Por que essas provas ficaram guardadas durante todo este tempo?
3) Em que elas vão incriminar o juiz Leopoldo?
Resposta do deputado:
“Inquérito judicial, de crimes com suposta participação de juízes, é presidido por um (a) desembargador (a), sendo de responsabilidade deste membro do Tribunal de Justiça a condução do caso. Havendo necessidade, quaisquer esclarecimentos a respeito do processo serão prestados para a Justiça.”