Depois de se livrar de uma pena no âmbito criminal – por conta da prescrição –, o coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar Antônio Carlos Rocha Loureiro foi condenado a indenizar o ex-soldado e comerciante Lino Siqueira Pinto, 70 anos, em R$ 40 mil. Há 19 anos, o coronel Loureiro deu três tiros de pistola em Siqueira.
O crime ocorreu num terreno onde hoje funciona um grande comércio, na rotatória da Avenida Paulo Pereira Gomes com Avenida Copacabana, no bairro Solar de Laranjeiras, na Serra. No local, funcionam o Auto Posto Morada, Bar Conteiner e Loja de Pneus e Balanceamento Supertyre, todos de propriedade de Siqueira, que estão locados para terceiros. Na época, Loureiro era o comandante do Regimento de Polícia Montada (RPMont), em Carapina, na Serra. Até 1978, ele e o então soldado Siqueira trabalhavam na mesma unidade.
Lino Siqueira pediu baixa da PM em 1978. Saiu da corporação para se dedicar ao empreendedorismo. Ele e o coronel Loureiro eram amigos pessoais desde quando Siqueira entrou na Polícia Militar. Uma amizade que durou 20 anos.
Em 78, quando Siqueira saiu da PM, Loureiro era tenente. Continuaram amigos até 2002, quando Siqueira foi baleado pelo então coronel Loureiro. A amizade dos dois era tão grande que Loureiro levou Siqueira para a Polícia Montada, onde o soldado ganhou o apelido de ‘Siqueira da Cavalaria’.
A vitória na Justiça se deu graças ao trabalho da advogada Dione De Nadai, que, aliás, é tenente da Reserva Não Remunerada da PMES. Nos autos da ação civil ex delicto que impetrou em favor do soldado Siqueira, a advogada lamentou em trecho da Inicial que a administração da Policia Militar não instaurou nenhum procedimento para apurar a conduta do coronel Loureiro em relação ao episódio.
Ela demonstrou ao Juízo Cível que pelas gravíssimas lesões praticadas pelo coronel contra o soldado, a condenação à pena de indenização pecuniária seria a única forma do oficial reparar o dano que causou. Loureiro somente sentou no banco dos réus graças ao trabalho da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que o indiciou o coronel pelo atentado contra o soldado Siqueira. Posteriormente, o coronel foi denunciado pelo Ministério Público Estadual. Nunca respondeu pelo crime na esfera administrativa, justamente por falta de ação da administração da Polícia Militar na época.
De acordo com a sentença proferida pelo juiz Dejairo Xavier Cordeiro, da 5ª Vara Cível da Serra, nos autos de número 0028535-39.2013.8.08.0048, o fato ocorreu no dia 4 de setembro de 2002, “ocasião em que em razão de questionamentos acerca da propriedade de uma ‘gaiola para gado’, o réu (coronel Loureiro) se dirigiu a sua caminhonete F250 e retornou empunhando uma pistola, efetuando vários disparos, tendo, então, o requerente (Siqueira) tentado desarmá-lo no intuito de fazer cessar a injusta agressão, no entanto, o réu continuou a efetuar disparos com a pistola”.
Consta nos autos que o soldado Siqueira foi atingido por três tiros efetuados por Loureiro. O PM Siqueira foi socorrido por policiais civis e levado a um hospital. Entretanto, ele sofreu sequelas, como incapacidade laborativa. O coronel Loureiro fugiu do flagrante. A defesa do coronel Loureiro alegou prejudicial de mérito de prescrição. Arguiu a possibilidade de utilizar de prova emprestada e que a dinâmica dos fatos não ocorrera nos termos narrados pelo soldado Siqueira, considerando que o coronel agira em legítima defesa.

A defesa narrou ainda que a prescrição retroativa reconhecida nos autos da ação penal afasta a autoria e materialidade do crime e também impugnou os pedidos formulados na ação. Ao analisar a ação, o juiz Dejairo Xavier Cordeiro afirma que o reconhecimento da prescrição não exclui a responsabilidade civil, “pois o fato poderá ser civilmente ilícito”. Portanto, no caso dos autos, prossegue o magistrado, “o ajuizamento da ação de responsabilidade civil não se subordina ao resultado do julgamento da ação penal, nem atenta contra a coisa julgada”.
Segundo ele, “a responsabilidade civil independe da penal, sendo incontroversa a ocorrência de confronto entre o autor, ora vítima, e o réu, o qual teria desferido três disparos de arma de fogo, que culminaram por atingir o demandante, sendo a medida de sua culpabilidade atinente ao processo crime, cabendo analisar, neste feito, a existência de danos”.
Para o juiz Dejairo Xavier Cordeiro, não se pode dispensar que a sentença que culminou com o reconhecimento da prescrição na esfera criminal não tem o condão de afastar os efeitos pretendidos.
“Certo é que até mesmo uma sentença absolutória só surtiria os efeitos pretendidos pelo réu nos presentes autos caso fosse declarada a inexistência do fato ou considerado que não concorreu para a infração penal. Vale dizer, somente nos casos em que houver a comprovação de que não houve o fato criminoso ou que o acusado não foi o seu autor, é que a vítima ficaria impedida de propor ação civil ex delicto (conforme art. 66 do Código de Processo Penal), o que não é caso dos autos, considerando que ANTONIO CARLOS ROCHA LOUREIRO fora condenado pela prática do delito previsto no art. 129, § 1º, I, do Código Penal, ff. 364/367”. Segundo o magistrado, “as provas amealhadas nos autos da ação penal, portanto, foram hábeis a comprovação de prática de crime da parte do requerido, tendo, inclusive, concluído pela inexistência da alegada legítima defesa. Com efeito, o conjunto probatório é seguro ao indicar o requerido (coronel Loureiro) como autor das agressões que atingiram o requerente, causando-lhe lesões corporais. Apesar de o requerido alegar que a agressão física fora iniciada pelo autor, tal fato não restou comprovado, repise-se, nos autos da ação penal, e, igualmente, neste caderno processual”.
Na audiência para colher os depoimentos das testemunhas na ação civil ex delicto foi esclarecido com muita propriedade que o coronel Loureiro não agiu em legítima defesa, diante do alto grau de amizade havida entre ele e o soldado Siqueira, fato que jamais ensejaria o final daquela amizade com uma tentativa de homicídio.
Registrou o juiz Dejairo Cordeiro que a defesa do coronel Loureiro não logrou êxito em comprovar que o oficial teria agido em legítima defesa, “cujo fato, inclusive, restou bem observado em esfera criminal pelo r. sentença que foi categórico ao narrar que: ‘Não podemos banalizar a legítima defesa para absolver aqueles atos que resultam da ira e não da necessidade de proteger bem jurídico de forma proporcional, do contrário vamos legitimar os atos daqueles que matam por causa de uma discussão de trânsito, uma desavença de bar, condutas que, ao contrário daquelas que estão sob o manto da excludente de ilicitude, chocam a sociedade pela violência banal e gratuita. É de se esperar que o policial material habilitado para usar arma de fogo tenha o necessário controle emocional para somente fazer uso de armas letais quando tal se mostrar necessário. Assim, tenho certo que, dolosamente, sem amparo de excludente de ilicitude, o réu desferiu vários tiros contra a vítima causando-lhe as lesões descritas no Laudo de Lesões Corporais de f. 36, que comprova que houve ofensa a integridade física da vítima, causada por projétil de arma de fogo, que a vítima ficou incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias”.
Ainda na sentença, o magistrado pontua que “vislumbra-se que o autor foi vítima de brutal, desproporcional e desnecessária agressão física perpetrada pelo réu, respaldando a conclusão dos presentes autos a configuração dos pressupostos do dever de indenizar. O reconhecimento desse dever pressupõe a conjugação entre os elementos que expressam a conduta culposa, o dano e o nexo causal…Assim, estão presentes todos os requisitos necessários para o surgimento do dever de indenizar os danos sofridos pelo autor em razão da lesão corporal sofrida”.
Os dispositivos da sentença civil, que ao final foi quem condenou o coronel Loureiro, assim registrou:
“Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por LINO SIQUEIRA PINTO para condenar o réu ANTONIO CARLOS ROCHA LOUREIRO, ao pagamento de: a) Danos materiais decorrentes do tratamento a que fora submetido o autor, em razão dos disparos de arma de fogo, quantia esta, contudo, que fica condicionada a comprovação, por parte do requerente, de seu desembolso, ou ainda, sua integral reversão ao pagamento dos valores apurados na ação de nº 0019308-83.2002.8.08.0024; b) Lucros cessantes pelos 30 (trinta) dias posteriores ao fato, a ser objeto de liquidação, com correção monetária a partir do ato ilícito e juros de mora a contar da citação; c) Danos morais no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), atualizado monetariamente desde o arbitramento (STJ, Súmula 362), acrescido de juros de mora à razão de 1% ao mês a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ).
Tribunal do Júri chegou a condenar o coronel, mas processo foi arquivado por prescrição
No dia 4 de dezembro de 2009, o coronel Loureiro foi condenado pelo Tribunal do Júri da Serra. Pegou pena de um ano e 11 meses de reclusão em regime aberto. Foi condenado nas iras do artigo 129, parágrafo 1° do Código Penal Brasileiro (lesão corporal).
Para a advogada do ex-soldado Siqueira, Dione De Nadai, o Ministério Público Estadual agiu corretamente ao pedir a desclassificação do crime de tentativa de homicídio para lesão corporal. Segundo ela, o coronel Loureiro é um exímio atirador e poderia alegar, em júri, que, se tivesse intenção de matar o soldado Siqueira, teria dado tiros mortais. E, assim, seria absolvido.
A defesa do coronel Loureiro recorreu em outras instâncias e o caso acabou arquivado por prescrição. O trânsito em julgado da
prescrição da pretensão punitiva que extinguiu a punibilidade do coronel Loureiro, devido a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, ocorreu em 14 de outubro de 2010.



