O Ministério Público do Estado do Espírito Santo ingressou com uma Ação Civil Pública, com pedido de tutela de urgência incidental em face da Prefeitura Municipal de Fundão por ter encontrado, por meio de fiscalização feita também por outros órgãos, uma série de irregularidades na Unidade de Saúde Mista Dr. Cesar Agostini, denominada “Pronto Atendimento Dr. César Agostini”.
A unidade é objeto específico da demanda judicial, que já tramita na Vara Única da Comarca de Fundão, por constituir o principal aparelho público de oferta de serviços de saúde no Município e aquele que se encontra em condição atual mais precária. Na ação, a Promotoria de Justiça de Fundão enumera 19 itens que fazem parte do pedido liminar que, se acolhidos, têm que ser colocados em prática em seis meses.
De acordo com o MPES, o feito extrajudicial foi deflagrado em razão de fiscalizações promovidas por conselhos profissionais (CRF/ES, COREN/ES e CRM/ES), nas quais foram constatadas diversas irregularidades nas unidades públicas de saúde mantidas pelo Município de Fundão.
“Em suma, os relatórios de fiscalização indicavam problemas relevantes na estrutura e no funcionamento dos serviços de saúde prestados no Pronto Atendimento de Fundão”, explica ação.
A título de exemplificação, o Conselho Regional de Farmácia pontuou que o Pronto Atendimento não dispunha de registro perante o órgão. Foi constatada a presença de medicamentos abertos e de medicamentos vencidos; a falta de medicamentos componentes da farmácia básica; a ausência de climatização adequada de ambiente de depósito; o acondicionamento indevido de medicamentos; a falta de equipamentos e medicamentos mínimos para o atendimento de intercorrências, dentre outras irregularidades.
A ação proposta pelo Ministério Público Estadual diz que, conforme consignado em relatório de fiscalização nº 12/2018, elaborado pelo Conselho Regional de Enfermagem do Espírito Santo e confirmado pelo MPES no decorrer do acompanhamento do caso, “a vigilância sanitária municipal atua de forma leniente e totalmente omissa perante a fiscalização das unidades municipais de saúde, configurada pelas inúmeras irregularidades sanitárias, encontradas em todas as unidades visitadas, tanto do ponto de vista de processo de trabalho, quando pelo constante cruzamento de procedimentos limpos com contaminados, perante o acúmulo de atividades, procedimentos e serviços disponibilizados em ambientes totalmente inadequados e incompatíveis com a prestação de assistência à saúde”.
Já o setor de fiscalização do COREN/ES mencionou “a falta, quase absoluta, de diversos materiais básicos para assistência à saúde. Dentre os quais, e como símbolo da falência da rede, destaco a falta de luvas em látex para proteção de profissionais e pacientes, na ministração de cuidado”.
Foi consignado, ainda, que “a fiscalização encontrou a atenção básica à saúde em estado caótico. Diversos outros problemas poderiam ser pontuados acerca da inspeção, mais que poderiam extrapolar a competência e abordagem do Coren-ES, tais como desestruturas físicas nas unidades, com dimensões insuficientes para demanda de assistência prestada, irregularidades sanitárias nos processos de trabalho de esterilização, acúmulo de procedimentos em ambientes e espaços minimamente adequados (…). Todas as unidades de saúde visitadas promovem a guarda, controle, fracionamento e dispensação de medicamentos de forma equivocada, sem garantia algum de segurança e qualidade, vulnerabilizando por completo a terapêutica medicamentosa, sobretudo pela ausência de assistência farmacêutica, que é promovida pela equipe de enfermagem, em condições que contrariam normas sanitárias e de segurança.”
O Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo foi instado a se manifestar e realizou vistoria no PA de Fundão, conforme relatório de vistoria 129/2019/ES. O citado documento do CRM/ES aponta, dentre outras questões, a falta de medicamentos da farmácia básica; a ausência de equipamentos obrigatórios e básicos de emergência, tais como desfibrilador, bomba de infusão, kit de punção profunda, kit de dreno de tórax, martelo para exame neurológico, oftalmoscópio e negatoscópio.
Foi apontada a ausência de diretor técnico; queixas por demora de atendimento e remoção de pacientes; a constatação de que o laboratório de análises clínicas funciona apenas em horário comercial nos dias de semana. Escreve o promotor de Justiça Egino Rios na Ação Civil Pública:
“A situação precária relatada pelos conselhos profissionais ganhava eco nos relatos da população que utilizava os serviços de saúde e até mesmo diante dos reclames de representantes da classe política local, que confirmavam o cenário deficitário e quase catastrófico que envolve o Pronto Atendimento Dr. César Agostini, diante do número crescente e excessivo de atendimentos, em flagrante descompasso com a estrutura ofertada, conforme oitivas realizadas no curso da instrução preliminar do procedimento”.
O Ministério Público Estadual também realizou fiscalização/visita presencial no Pronto Atendimento de Fundão, ocasião em que foram constatados e confirmados diversos problemas.
O Ministério Público Estadual requer a concessão, initio litis (antes de propor a ação), de medida liminar, sob pena de multa diária por descumprimento, destinada ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados, em valor a ser arbitrado judicialmente, na forma do art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil, para o fim de impor ao ente público requerido as seguintes obrigações de fazer, que devem ser adimplidas e comprovadas nos autos, em prazo não superior a 06 (seis) meses:
a – promover a imediata adoção de medidas administrativas necessárias para sanar todas as pendências e irregularidades estruturais, sanitárias, funcionais e de prestação de serviços no âmbito do Pronto Atendimento Dr. César Agostini, conforme apontadas relatório social elaborado pelo Ministério Público e demais documentos de fiscalização elaborados por conselhos profissionais, atendendo-se aos seguintes parâmetros específicos:
1) que o Município de Fundão seja obrigado a regularizar o CNES do PA Municipal no que se refere ao seu Tipo de Unidade, conforme preconiza a Portaria GM/MS nº 2.022/2017;
2) que o Município de Fundão seja obrigado a atualizar o CNES do PA Municipal referente aos seus leitos, recursos humanos, serviços prestados e equipamentos disponibilizados, em atenção à Portaria de Consolidação GM/MS nº 1/2017;
3) que o Município de Fundão seja obrigado a providenciar o Diretor Técnico/Clínico do PA Municipal, conforme estabelece a Resolução CFM nº 2.147/2016;
4) que o Município de Fundão seja obrigado a apresentar a Certidão de Responsabilidade Técnica da assistência médica, de enfermagem, de nutrição e farmacêutica do PA Municipal junto aos seus respectivos Conselhos Regionais de Classe, bem como regularizar a Responsabilidade Técnica deste Estabelecimento de Saúde junto a Vigilância Sanitária Municipal, conforme estabelecido nas respectivas normativas vigentes afins;
5) que o Município de Fundão seja obrigado a implantar todas as Comissões de Saúde no PA Municipal, conforme exigências legais do CRM, COREN, CRF, ANVISA e Ministério da Saúde;
6) que o Município de Fundão seja obrigado a disponibilizar todos os profissionais em falta no PA Municipal, considerando o parecer técnico dos Conselhos Regionais (CRM: cobertura assistencial do médico pediatra no PA; COREN: cobertura assistencial 24 horas de enfermeiros; CRF: em relação ao farmacêutico em tempo integral na farmácia do PA; CRN: referente a presença e responsabilidade técnica do nutricionista para a gestão dos processos de trabalho de nutrição);
7) que o Município de Fundão seja obrigado a utilizar o relógio digital para o controle de entrada e saída dos profissionais do PA Municipal;
8) que o Município de Fundão seja obrigado a regularizar e a capacitar todos os profissionais do PA Municipal no manejo das práticas de atendimento em urgência e emergência nos Núcleos de Educação em Urgências, indicado no capítulo VII do Regulamento da Portaria GM/MS nº 2.048/2002 e/ou em outra Instituição habilitada para este fim;
9) que o Município de Fundão seja obrigado a implantar o Serviço de Acolhimento com Classificação de Risco no PA Municipal, mediante a construção de protocolos pré-estabelecidos e pactuados entre os atores envolvidos com os processos de produção de saúde da rede ambulatorial e de urgência e emergência, objetivando a avaliação do grau de urgência dos agravos dos pacientes para a priorização do atendimento e a organização dos fluxos assistenciais na rede de atenção à saúde, de acordo com o preconizado pelas Portarias vigentes do SUS e referenciadas no contexto deste Relatório;
10) que o Município de Fundão seja obrigado a elaborar e implementar no PA Municipal os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas estabelecidas pelo Ministério da Saúde e pelas Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CRF);
11) que o Município de Fundão seja obrigado a elaborar e implementar no PA Municipal os Procedimentos Operacionais Padrão com base nas normativas vigentes em vigor, visando à garantia da uniformidade, eficiência e coordenação efetiva de todas as atividades realizadas neste estabelecimento de Saúde. Cabe ressaltar que estes instrumentos operacionais devem representar os processos de trabalho dos ambientes do PA e estarem sob a responsabilidade de Referências Técnicas habilitadas para as devidas capacitações dos profissionais envolvidos, monitoramento e avaliação das ações recomendadas;
12) que o Município de Fundão seja obrigado a implementar no PA Municipal a Política de Educação Permanente em Saúde, conforme estabelece a Portaria GM/MS nº 1.996/2007 e Portaria de Consolidação GM/MS nº 2/2017, como forma de promover a qualificação dos serviços prestados à população adstrita;
13) que o Município de Fundão seja obrigado a implementar no PA Municipal sistema de informação das ações de saúde prestadas neste Estabelecimento de Saúde, de forma a possibilitar a produção de informações adequadas para o planejamento da assistência e programação das ações de saúde a serem desenvolvidas de acordo com o seu perfil, e nos termos da Lei nº 12.527/2011;
14) que o Município de Fundão, através Vigilância Sanitária Municipal, seja obrigado a apresentar relatório de fiscalização do PA Municipal com o objetivo de expressar julgamento de valor sobre a situação observada, se dentro dos padrões técnicos minimamente estabelecidos na legislação sanitária, e quando for o caso, a consequente aplicação de medidas de adequações com os devidos prazos para as correções, orientações ou punições previstas nas normativas vigentes;
15) que o Município de Fundão seja obrigado a providenciar as adequações sanitárias necessárias no PA Municipal que forem apontadas pela Vigilância Sanitária Municipal, obtendo alvará sanitário ou declaração de conformidade sanitária;
16) que o Município de Fundão seja obrigado a instituir o Programa de Manutenção Preventiva e Corretiva, bem como o Plano de Gerenciamento de Resíduos no PA Municipal, nos termos da RDC nº 63/11 e Resolução nº 306/2004, respectivamente;
17) que o Município de Fundão seja obrigado a providenciar o Alvará do Corpo de Bombeiros, nos termos da legislação vigente;
18) que o Município de Fundão seja compelido a providenciar a reforma/adequação das instalações prediais, aquisição dos materiais, equipamentos e medicamentos em falta no PA Municipal, conforme elencados em relatório técnico e relatórios de fiscalização, todos encartados aos autos;
19) que o Município de Fundão seja obrigado a adequar os Contratos de Prestação de Serviço Laboratorial e de Radiologia, de forma a apresentar em suas cláusulas as condições de atendimento no PA Municipal, com o intuito de garantir a assistência do paciente no tempo-resposta necessário ao seu agravo, e de acordo com os parâmetros construídos pela equipe médica do PA, e referenciados pelas normativas vigentes.