O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou, na noite de sábado (27/06), julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3807 em que a Associação de Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) questionava o artigo 48 da Lei n. 11.343/2006 por, supostamente, atribuir à Autoridade Judicial competências de Polícia Judiciária por poder também lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).
A maioria dos ministros seguiu o voto da relatora da ADI, ministra Cármen Lúcia, no sentido de que a Autoridade Judicial também tem competência para lavrar o TCO sem, no entanto, exercer atribuição de Polícia Judiciária – a Autoridade Polícia (delegado de Polícia) também pode lavrar o TCO.
Na ADI 3807, a Adepol pedia a declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 48 da Lei n. 11.343/2006, que confere ao juiz de Direito a possibilidade de lavratura do TCO nas condutas previstas no artigo 28 da citada lei.
Atualmente o Termo Circunstanciado de Ocorrência é lavrado pela Polícia Militar e encaminhado diretamente para a Justiça em 12 Estados, sendo a Brigada Militar do Rio Grande do Sul e a Polícia Militar de Santa Catarina as pioneiras no procedimento, ambas já atuam neste sentido desde o final da década de 90. Os casos de lavratura do TCO por parte das PMs, no entanto, é questionada no Supremo.
Em 10 de junho de 2016, a Adepol ajuizou a ADI no STF contra o § 3º do artigo 48 da Lei n. 11.343/2006. A lei instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad); prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
O artigo 48 trata “do procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título (Do Procedimento Penal) rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal”.
Já o parágrafo questionado pela Adepol cuida diz: “Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente”.
Na petição inicial, a Adepol alega que o dispositivo seria inconstitucional por supostamente atribuir à Autoridade Judicial competências de Polícia Judiciária.
A Associação sustentou que a norma ofenderia os incisos LIV e LV do art. 5º, o art. 25 e os §§ 1º e 4º do art. 144, todos da Constituição da República.
“Como se sabe, embora no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 tenham sido criminalizados a posse de drogas e o plantio de plantas tóxicas para consumo pessoal, a prática desses delitos não enseja a aplicação de pena privativa de liberdade. Nesse dispositivo legal, previu-se a submissão do agente às penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”, esclarece a ministra Cármen Lúcia.
No voto, a ministra Cármen Lúcia ressalta que é de se saber se a lavratura de Termo Circunstanciado e a requisição de exames e perícias constitui atividade de investigação, privativa da Polícia Federal e das Polícias Civis, ou se pode ser atribuída a outras autoridades.
“Discussão análoga existe também quanto ao art. 69 da Lei n. 9.099/1995. Embora nessa norma se atribua expressamente à autoridade policial a lavratura do TCO, há na doutrina entendimento no sentido da possibilidade de outras autoridades adotarem essa providência, inclusive o Poder Judiciário”.
Segundo Cármen Lúcia, os §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei n. 11.343/2006 não atribuíram ao órgão judicial competências de Polícia Judiciária, pois a lavratura de Termo Circunstanciado de ocorrência não configura ato de investigação.
“Embora substitua o Inquérito Policial como principal peça informativa dos processos penais que tramitam nos Juizados Especiais, o Termo Circunstanciado não é procedimento investigativo”, diz a ministra, que cita a jurista ítalo-brasileira Ada Pellegrini Grinover: “O Termo Circunstanciado (…) nada mais é do que um boletim de ocorrência mais detalhado”.
Portanto, prossegue Cármen Lúcia, “considerando-se que o Termo Circunstanciado não é procedimento investigativo, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se reconhecer que a possibilidade de sua lavratura pelo órgão judiciário não ofende os §§ 1º e 4º do art. 144 da Constituição, nem interfere na imparcialidade do julgador. As normas dos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei n. 11.343/2006 foram editadas em benefício do usuário de drogas, visando afastá-lo do ambiente policial quando possível e evitar que seja indevidamente detido pela autoridade policial”.
Para a ministra, havendo disponibilidade do juízo competente, o autor do crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 deve ser até ele encaminhado imediatamente, para lavratura do Termo Circunstanciado e requisição dos exames e perícias necessários.
“Se não houver disponibilidade do juízo competente, deve o autor ser encaminhado à Autoridade Policial, que então adotará as providências previstas no § 2º do art. 48 da Lei n. 11.343/2006. Não há, pois, incompatibilidade entre o disposto na norma questionada e no sistema normativo constitucional. Pelo exposto, julgo improcedente o pedido”.