Um dia depois de encaminhar ofícios à Polícia Civil determinando uma série de recomendações sobre tratamento a vítimas de violência doméstica e como elaborar Termos Circunstanciados, o Ministério Público Estadual decidiu, nesta quinta-feira (27/10), recomendar à Polícia Militar do Espírito Santo a se atentar aos limites constitucionais.
Dentre as normas, está a recomendação à PM de não pedir mais à Justiça Comum a prisão de suspeitos de crimes; de solicitar mandados de busca e apreensão; interceptação de dados e conversas telefônicas, correspondência, informações bancárias e fiscais.
A recomendação diz ainda que, em caso de constatação de ocorrência de crimes comuns, não sendo possível a prisão em flagrante delito, proceda, mediante a observância dos protocolos de segurança e compartimentação de informações, a comunicação dos fatos à Polícia Judiciária, adequando, o direcionamento, às Delegacias de Polícia Especializadas e, quando necessário, ao GETI (Grupo Executivo de Trabalho Investigativo do Ministério Público)
Abaixo, a íntegra do ofício enviado pelo Ministério Público ao Comando Geral da Polícia Militar.
RECOMENDAÇÃO 003/2011
O GECAP – Grupo Executivo de Controle Externo da Atividade Policial, representado por seu Promotor de Justiça Coordenador, por designação do Exmo. Senhor Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições, conferidas pelos artigos: 129 da Constituição Federal; 26, incisos I e V, da Lei nº 8.625/93; 27, § 2º, inciso I, da Lei Complementar Estadual nº 95/97; CNMP – Resolução nº 20, de 28 de maio de 2007; Ato nº 001/2004-PGJ-MPES; Atos 15/2010-PGJ-MPES e Nº 003/2011-PGJ-MPES.
CONSIDERANDO que cumpre ao Ministério Público exercer o controle da legalidade dos atos policias, em quaisquer instâncias, zelando pela perfeita harmonia dos órgãos de segurança no exercício de suas atribuições, dirimindo conflitos e dúvidas para o bom resultado das atividades fins;
CONSIDERANDO que a investigação policial civil é resultado submetido, exclusivamente, ao Ministério Público, possibilitando os caminhos subseqüentes da persecução penal para a busca da reprovação do fato delituoso no poder Judiciário;
CONSIDERANDO que o cidadão, autuado ou investigado, é destinatário de direitos e garantias fundamentais, tutelados pela Constituição Federal e previstos na legislação processual penal; cumprindo, a todos os agentes públicos policiais, a fiel observância de tais preceitos;
CONSIDERANDO que a ilegitimidade das ações policiais, bem como a inobservância das atribuições de cada agente policial, resultam em prejuízo ou ilicitude da prova colhida, frustrando a ação penal por violação de garantias constitucionais (art. 157 do Código de Processo Penal “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais” / art° 5° da Constituição Federal: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”);
CONSIDERANDO que a legislação vigente defere a determinados órgãos, responsáveis pela segurança pública, a competência para a investigação da existência dos crimes comuns, em geral, e da respectiva autoria, especificando como destinatários de tais relevantes deveres constitucionais: a Polícia Federal, no âmbito da União e entes federais e, nos Estados Federados e seus entes, a Polícia Civil;
CONSIDERANDO que é a Polícia Judiciária (art. 144, CF) de atuação repressiva, agindo, em regra, após a ocorrência de infrações, na busca por elementos para a apuração da autoria e a constatação da materialidade delitiva, requerendo aos Juízos Criminais, as medidas cautelares necessárias à apuração dos fatos delituosos;
CONSIDERANDO que o papel da Polícia Civil advém do art. 144, §4º, da Constituição Federal, verbis: “Às Polícias Civis, dirigidas por Delegados de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”;
CONSIDERANDO que a polícia judiciária tem a função primordial e exclusiva da elaboração do inquérito policial, peça informativa que, em que pese ser considerada “dispensável” ao juízo de valor do Ministério Público, é instrumento e fonte organizada pré-processual de provas, para a futura ação penal e base para persecução pena que busca hipotética condenação judicial;
CONSIDERANDO que o resultado do Inquérito Policial é resultado de trabalho lógico, com base técnico-científica; e sempre norteado pela legalidade estrita (art. 37, CRFB 1988), instruído com elementos de materialidade, como laudos, perícias, depoimentos, boletim de pregressamento do investigado;
CONSIDERANDO que a Constituição Federal, art. 144, §5º, prevê que, “às policiais militares cabem à polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, exclusivamente”; jamais a postulação em juízo, para a realização de diligências invasivas como cumprimento de mandado de busca e apreensão, das quais pode resultar o indiciamento de pessoas e apreensão de propriedades privadas, situações em que o conhecimento de Direito e das garantias constitucionais é fundamental;
CONSIDERANDO que o Código de Processo Penal Brasileiro estipula que a Polícia Judiciária será exercida por autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria (art. 4º, CPP) e que, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá tomar uma série de medidas (art. 6º, CPP), todas em prol da elucidação e apuração do fato investigado, cujo instrumento procedimental vem a se consubstanciar no inquérito policial;
CONSIDERANDO que nos artigos 4º “usque” 22, 125, 240, § 1º e 241, todos do Código de Processo Penal, há expressa menção à tais prerrogativas investigativas da Autoridade Policial que se traduz nas funções exercidas pelos Excelentíssimos Senhores Delegados de Polícia Civil;
CONSIDERANDO que a legislação penal militar limita as funções de Policia Judiciária Militar, aos órgãos da Corregedoria de Polícia Militar, quando investigam a conduta de servidores militares, praças e oficiais, restringindo-se a postulação processual, exclusivamente, ao Juízo da Auditoria Militar (art. 8º do CPPM – arts. 124/125 da Constituição Federal);
CONSIDERANDO que não cabe a Polícia Militar, a investigação de crimes comuns, simples ou complexos, que não envolvam policiais militares no exercício de suas funções; sendo obrigação legal, por imperativo constitucional que distribui e atribui as funções das polícias, a notificação de ocorrências de crimes, diretamente, aos órgãos de Polícia Judiciária, especialmente, as Delegacias Especializadas e os Grupos de Investigação da Polícia Civil, sem prejuízo da comunicação dos fatos, ao Ministério Público, diretamente;
CONSIDERANDO que as funções da Diretoria de Inteligência da Polícia Militar se restringem ao contexto legal e operacional de segurança pública, nos limites de suas atribuições;
CONSIDERANDO que são procedentes por fatos notórios, instruídos em petição; divulgados pela imprensa na crônica policial e, finalmente, contatados pelo GECAP; as reclamações originárias do SINDELPO – Sindicato de Delegados de Polícia e Superintendente de Polícia Prisional, Doutor Ismael Forattini, dando conta de ocorrências que desvirtuam as funções constitucionais da Polícia Militar e invadem as exclusivas da Polícia Judiciária;
RESOLVE
RECOMENDAR
Aos Excelentíssimos Senhores: Corregedor Geral da Polícia Militar; Comandantes de Batalhões; Comandantes de Companhias Independentes; ao Diretor de Inteligência da Polícia Militar que, doravante, façam aos Senhores Oficiais e Praças, observarem as seguintes balizas legais de procedimentos:
1. Que se abstenham de requerer, em juízo comum e em sede de apuração de fato típico comum, quaisquer cautelares previstas na legislação processual penal e especial, A SABER: busca e apreensão; prisões, interceptação de dados e conversas telefônicas, correspondência, informações bancárias e fiscais, cuja postulação judicial é exclusiva de Delegados da Polícia Civil;
2. Que, em caso de constatação de ocorrência de crimes comuns, não sendo possível a prisão em flagrante delito, proceda, mediante a observância dos protocolos de segurança e compartimentação de informações, a comunicação dos fatos a Polícia Judiciária, adequando, o direcionamento, às Delegacias de Polícia Especializadas e, quando necessário, ao GETI – Grupo Executivo de Trabalho Investigativo do Ministério Público;
3. Que, em caso de constatação de existência de bando, quadrilha, organização criminosa e não possível à prisão em flagrante delito, sejam os fatos relatados, em especial, ao NUROC – Núcleo de Repressão as Organizações Criminosas, integrado ao Gabinete do Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado de Segurança Pública e Ordem Social e, obrigatoriamente, ao GETI – Grupo Executivo de Trabalho Investigativo do Ministério Público;
4. Que observem, em caso de constatação de envolvimento de servidor policial civil, na prática de conduta delituosa, a comunicação dos fatos, ao Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Polícia Civil, bem como ao GETI – Grupo Executivo de Trabalho Investigativo do Ministério Público;
5. Constituem abuso de autoridade e usurpação de função: a condução de pessoa civil atuada em flagrante delito, bem como sua retenção e interrogatório, em qualquer unidade militar, Batalhão, Companhia e Posto de Vigilância ou Patrulha, não sendo justificável qualquer ponderação em contrário;
6. Deve proceder a autoridade policial militar responsável pela ocorrência, o imediato encaminhamento do autuado, após a prisão, ao Departamento de Polícia Judiciária ou Delegacia de Plantão para lavratura do auto de prisão em flagrante quando, obrigatoriamente, sob pena de omissão penalmente relevante, em caso de suspeita de prática de lesões, deverá o Delegado de Polícia encaminhar o autuado a exame de lesões corporais ou informar, no ato do recebimento da ocorrência, a inexistência daquelas;
7. No caso de ocorrência ou constatação de crimes praticados em detrimento de pessoas, bens, serviços da União, especificados na legislação, deverá a autoridade policial militar responsável pela ocorrência ou relato dos fatos, não sendo possível a prisão em flagrante delito, relatar os fatos a Superintendência da Polícia Federal;
8. As recomendações aqui expedidas não se confundem com o cumprimento de ordem judicial expedida pela autoridade competente, para cumprimento de mandado de prisão ou busca e apreensão, expressamente dirigidos à autoridade policial militar (art. 289-A, § 1º do Código de Processo Penal);
9. Sempre que necessário e ao critério do Comandante da Unidade Militar, os fatos delituosos contatados em rotina operacional, bem como os relatados pela Polícia Reservada, deverão ser comunicados ao Promotor de Justiça com atribuições para conhecimento, para adoção de providências que julgar cabíveis, bem como ao GETI – Grupo Executivo de Trabalho Investigativo;
Comunique-se ao Comando Geral, e a Corregedoria-Geral da Polícia Militar, para que, no prazo de 30 (trinta) dias notifiquem os Senhores Comandantes de todas as unidades militares, da necessidade de observância de todas as recomendações contidas no presente instrumento.
Dê-se ciência aos Excelentíssimos Senhores Secretário de Estado da Segurança Pública e Ordem Social, Delegado Chefe de Polícia Civil e Corregedor Geral da Polícia Civil.
Encaminhe-se cópia da presente recomendação, para ciência ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Corregedor do Tribunal de Justiça, bem como, do Senhor Excelentíssimo Senhor Desembargador Coordenador das Varas Criminais, para conhecimento de todos os Magistrados Criminais.
Comunique-se, ao Excelentíssimo Senhor Procurador Geral de Justiça, para conhecimento, bem como, via e-mail/ofício, aos Excelentíssimos Senhores Membros do Ministério Público.
Notifique-se, finalmente, com cópia, aos Excelentíssimos Senhores Delegados de Polícia, Superintendente de Polícia Prisional, Ismael Forattini Peixoto de Lima e Presidente do SINDELPO-ES, Sergio do Nascimento Lucas.
Vila Velha, 27 de outubro de 2011.
Jean Claude Gomes de Oliveira
Promotor de Justiça Coordenador
GECAP – CRUPO EXECUTIVO DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL