“Remessas internacionais de valores, facilidade no transporte de mercadorias e na circulação de serviços, grande mobilidade de pessoas nas fronteiras, comunicação instantânea e modernidade tecnológica. Junte-se tudo isso ao ânimo de lucro desmedido e teremos os ingredientes da criminalidade organizada transnacional, que vem crescendo em todo o mundo.”
A receita foi dada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na palestra de encerramento do ‘Seminário Internacional de Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Crime Organizado’, que aconteceu na tarde desta quinta-feira (3/09), na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. Segundo Janot, o Brasil ainda tem muito a fazer no aperfeiçoamento da legislação contra as organizações criminosas.
A corregedora Nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, presidente da mesa na cerimônia de encerramento, destacou a adequação do debate à situação atual do País, cenário de tantos escândalos de corrupção, e ressaltou a necessidade de se aprofundar a compreensão sobre esse tipo de criminalidade ao citar o livro A Arte da Guerra, de Sun Tzu, que aponta a importância de conhecer o inimigo.
O coordenador científico do seminário, ministro Luis Felipe Salomão, considerou positiva a discussão desses dois dias. Segundo ele, “o combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado é um desafio que exige diálogo e cooperação entre todos os órgãos nacionais e internacionais envolvidos, os setores público e privado, na busca de constante aperfeiçoamento dos mecanismos de prevenção e repressão”.
Entre outras autoridades, participaram da cerimônia o presidente do STJ, ministro Francisco Falcão; o primeiro presidente da Corte de Cassação da Itália, Giorgio Santacroce; o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa; o presidente da OAB nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Carências legais
Na conferência, Rodrigo Janot traçou um histórico da evolução normativa brasileira no enfrentamento da corrupção, da criminalidade organizada e da lavagem dinheiro. Apesar de destacar avanços, o procurador-geral disse que o conjunto normativo atual não é suficiente, pois há situações que ainda não foram devidamente regulamentadas pelo Congresso Nacional.
“Refiro-me à situação dos whistleblowers, informadores ou denunciantes de boa-fé, que não encontram proteção adequada contra represálias, e também aos acordos de leniência, que, por não preverem claramente a participação do Ministério Público em sua formação, geram insegurança jurídica para as partes, prejudicando a conclusão de investigações administrativas em curso nos órgãos de controle”, explicou.
Leis que tratem de enriquecimento ilícito, corrupção no setor privado e prática de lobby também faltam no ordenamento brasileiro, segundo Janot, que ainda lamentou não haver uma lei específica para regular a cooperação internacional.
“No campo da cooperação, o maior óbice interno tem sido justamente a falta de uma lei geral que regule todos os instrumentos para a obtenção de provas, para a comunicação de dados processuais, para a captura e entrega de foragidos e para a recuperação de ativos”, afirmou.
Forças-tarefas
Além de um normativo aperfeiçoado, Janot destacou que as estruturas administrativas e operacionais do estado precisam acompanhar os passos dessa evolução para um combate mais eficiente.
Ele citou como exemplo o apoio da Procuradoria-Geral da República a diversas forças-tarefas, como nas operações Zelotes, Ararath, Lava Jato e outros casos. Até o mês passado, disse Janot, mais de R$ 1,8 bilhão estavam assegurados para restituição no caso Lava Jato, dos quais meio bilhão já foram devolvidos pela Suíça graças a acordos de delação.
“A utilização de acordos de colaboração premiada pela força-tarefa da Lava Jato é exemplo marcante que já serve de inspiração para a atuação do Ministério Público em outras partes que não o nosso país”, acrescentou.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que também participou do encerramento do seminário, destacou a necessidade de cooperação entre os poderes da República. “Se Legislativo, Executivo e Judiciário não estiverem juntos, formulando políticas de estado para o combate a esses tipos de ilícito, dificilmente nós conseguiremos bons resultados”, declarou.
Cardozo ressalvou, entretanto, que esse combate ao crime deve caminhar junto com os princípios constitucionais do direito de defesa, das liberdades individuais e do devido processo legal. Para ele, de nada adiantaria combater o crime organizado se não fosse o Estado de Direito para garantir as liberdades previstas na Constituição. “Da mesma forma, de nada adiantaria sermos uma democracia se não tivéssemos efetivamente um combate ao desvio de dinheiro público”, disse o ministro.
(Fonte: Portal do STJ)