A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, na terça-feira (18/11), nove dos dez réus da Ação Penal (AP) 2696, que trata da tentativa de golpe de Estado. Os condenados integram o “núcleo de ações coercitivas” (núcleo 3) do plano de golpe para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota nas eleições de 2022. As penas chegam a 24 anos em regime inicial fechado. O general de reserva Estevam Cals Theophilo foi absolvido por falta de provas.
Os condenados integram o Núcleo 3, responsável pelo planejamento de ações violentas da organização criminosa, como o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF Alexandre de Moraes, relator das ações penais referentes à tentativa de golpe de Estado.
O primeiro a se manifestar na terça-feira foi o ministro Alexandre de Moraes. Ele foi seguido integralmente por Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino. Moraes destacou que as penas foram propostas com o objetivo não só de reprovar, mas também de prevenir crimes semelhantes. Ele lembrou que, em tentativas de golpe de Estado ocorridas no passado, a falta de punição possibilitou que, anos depois, as mesmas pessoas tentassem novamente romper com a ordem democrática.
“Um golpe de Estado fracassado era o fermento para o próximo, porque os envolvidos nunca foram responsabilizados nos termos constitucionais e legais. A impunidade leva à repetição da tentativa de afastar a democracia e de manter ou colocar um determinado grupo no poder sem eleições”, afirmou Moraes.
“O Brasil chegou à beira do precipício de atos muito violentos. Atos que levariam, por exemplo, ao inédito assassinato de um ministro do Supremo, de um presidente da República, de um vice-presidente da República. Não são atos corriqueiros que possam ser vistos como meras conversas de confraternização ou meros planejamentos aleatórios”, criticou Flávio Dino, presidente da Primeira Turma do STF.
Este foi o primeiro julgamento da trama golpista sob a nova composição do colegiado, sem o ministro Luiz Fux, o único que vinha votando a favor dos réus. Fux pediu transferência para a Segunda Turma do Supremo e não vai mais participar das decisões relacionadas ao plano de golpe.
Foram condenados Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército; Fabrício Moreira de Bastos, coronel do Exército; Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército; Rafael Martins de Oliveira, tenente-coronel do Exército; Rodrigo Bezerra de Azevedo, tenente-coronel do Exército; Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel do Exército; Wladimir Matos Soares, agente da Polícia Federal; Márcio Nunes de Resende Jr., coronel do Exército; e Ronald Ferreira de Araújo Jr., tenente-coronel do Exército.
Os sete primeiros foram condenados por todos os crimes apontados na denúncia: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Em relação aos dois últimos (Márcio e Ronald), o colegiado reenquadrou os crimes pelos quais eles eram acusados para os de associação criminosa e incitação pública de animosidade entre as Forças Armadas contra os Poderes constituídos, de menor gravidade.
Além das penas privativas de liberdade (prisão), foram estabelecidas multas para sete réus. Eles também pagarão, de forma solidária, uma indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos, juntamente com todos os condenados por envolvimento nos atos de 8 de janeiro de 2023.
A 1ª turma do STF absolveu o general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira porque os ministros concluíram que não houve elementos suficientes para afirmar que ele tenha atuado com intenção e consciência voltadas à execução das diretrizes do grupo investigado. A absolvição foi conduzida pelo voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, segundo o qual não havia no processo provas suficientes para demonstrar sua ciência ou intenção de aderir ao projeto golpista.
No voto, Moraes reconheceu que, embora haja fortes indícios de participação do general na articulação, o arcabouço probatório foi insuficiente para condenação. Segundo o relator, o caso está apoiado quase exclusivamente na delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e em uma única mensagem apresentada pelo próprio colaborador.
Confira as penas de cada réu
Bernardo Romão Corrêa Netto (coronel do Exército)
17 anos de pena privativa de liberdade, sendo 15 anos de reclusão e dois anos de detenção, além de 120 dias-multa (cada dia-multa no valor de um salário mínimo à época dos fatos). Regime inicial fechado.
Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira (general da reserva)
Absolvido por falta de provas.
Fabrício Moreira de Bastos (coronel do Exército)
16 anos de pena privativa de liberdade, sendo 14 anos de reclusão e dois anos de detenção, além de 120 dias-multa (cada dia-multa no valor de um salário mínimo à época dos fatos). Regime inicial fechado.
Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel do Exército)
24 anos de pena privativa de liberdade, sendo 21 anos e seis meses de reclusão e dois anos e seis meses de detenção, além de 120 dias-multa (cada dia-multa no valor de um salário mínimo à época dos fatos). Regime inicial fechado.
Márcio Nunes de Resende Jr. (coronel do Exército)
3 anos e cinco meses de pena privativa de liberdade, sendo 3 anos de reclusão e cinco meses de detenção. Regime inicial aberto. Se houver interesse da defesa e da PGR, poderá ser firmado um ANPP para evitar pena de prisão.
Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel do Exército)
21 anos de pena privativa de liberdade, sendo 18 anos e seis meses de reclusão e dois anos e seis meses de detenção, além de 120 dias-multa (cada dia-multa no valor de um salário mínimo à época dos fatos). Regime inicial fechado.
Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel do Exército)
21 anos de pena privativa de liberdade, sendo 18 anos e seis meses de reclusão e dois anos e seis meses de detenção, além de 120 dias-multa (cada dia-multa no valor de um salário mínimo à época dos fatos). Regime inicial fechado.
Ronald Ferreira de Araújo Jr. (tenente-coronel do Exército)
1 ano e 11 meses de pena privativa de liberdade, sendo 1 ano e seis meses de reclusão e cinco meses de detenção. Regime inicial aberto. Se houver interesse da defesa e da PGR, poderá ser firmado um ANPP para evitar pena de prisão.
Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros (tenente-coronel do Exército)
17 anos de pena privativa de liberdade, sendo 15 anos de reclusão e dois anos de detenção, além de 120 dias-multa (cada dia-multa no valor de um salário mínimo à época dos fatos). Regime inicial fechado.
Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal)
21 anos de pena privativa de liberdade, sendo 18 anos e seis meses de reclusão e dois anos e seis meses de detenção, além de 120 dias-multa (cada dia-multa no valor de um salário mínimo à época dos fatos). Regime inicial fechado.
Efeitos da condenação
Para Wladimir Soares, foi decretada a perda do cargo público de agente da Polícia Federal. Quanto aos militares com pena superior a dois anos, o Superior Tribunal Militar (STM) será comunicado para analisar a Declaração de Indignidade para o Oficialato, que pode levar à perda do posto e da patente militar. A comunicação será feita após o encerramento da ação e o esgotamento de todos os recursos (trânsito em julgado). Outro efeito da condenação é a inelegibilidade de todos os réus desde o julgamento até oito anos depois do cumprimento da pena.
Núcleos da tentativa de golpe
O Núcleo 3 é o terceiro grupo a ser julgado pelo STF em relação à organização criminosa denunciada pela PGR por tentativa de golpe de Estado. Nos últimos meses, a Primeira Turma condenou oito réus do Núcleo 1 (AP 2668), formado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e ex-integrantes de seu primeiro escalão, e, depois, outros sete do Núcleo 4 (AP 2694), o chamado “Núcleo da Desinformação”.
O Núcleo 2 (AP 2693), apontado como responsável por editar a chamada “minuta do golpe” e por tentar impedir o voto de eleitores nas eleições de 2022, tem julgamento marcado para dezembro.

