A audiência do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, no último dia 21 de novembro, trouxe novidades que foram fundamentais para o elenco de provas que levou o general da Reserva Remunerada Walter Braga Netto à prisão na manhã de sábado (14/12). A tentativa de obter dados sigilosos da delação de Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi caracterizada como ação de obstrução de Justiça, ao “impedir ou embaraçar as investigações em curso”, apontou o relator do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
E agora, com a prisão de Braga Netto, Bolsonaro torna-se o próximo alvo na lista de investigados sob a tutela do ministro Alexandre de Moraes. Quanto a Bolsonaro, o capitão inelegível, é agora o investigado com posto mais alto na hierarquia da turma que sonhou em não deixar Luiz Inácio Lula da Silva não ficar com o cargo que conquistou no voto em 2022.
Braga Netto passou por Audiência de Custódia na tarde de sábado, conduzida por um juiz auxiliar do gabinete de Alexandre de Moraes. A prisão preventiva do general foi mantida, informou o STF. Ele, que havia sido preso pela Polícia Federal, em seu apartamento, em Copacabana, pela manhã, ficará detido no Comando Militar do Leste, no Rio de Janeiro. De acordo com o relatório da Polícia Federal, há “diversos elementos de prova” contra Braga Netto, que teria atuado para impedir a total elucidação dos fatos e “com o objetivo de controlar as informações fornecidas, alterar a realidade dos fatos apurados, além de consolidar o alinhamento de versões entre os investigados”.
“Intensa troca”
Para chegar a essas provas, os policiais federais realizaram perícia no celular do também general da Reserva Mauro César Lourena Cid, pai do coronel que trabalhava com Jair Bolsonaro. Havia “intensa troca de mensagens” via aplicativo de mensagens, que foram apagadas e depois recuperadas pela PF. O tema principal era a respeito do desvio de joias por parte de Bolsonaro, em agosto de 2023.
A PF identificou que o nome de Braga Netto estava salvo na agenda do general Lourena Cid como “Walter BN”. Outras conversas recuperadas ocorreram em 12 de setembro, quando o general Mário Fernandes disse ao coronel reformado Jorge Kormann que os pais de Mauro Cid ligaram para os generais Braga Netto e Augusto Heleno, ex-ministro na gestão Bolsonaro, informando que a divulgação do conteúdo da deleção por parte da imprensa era “tudo mentira”.
Perguntas e respostas
A PF argumenta que Braga Netto tentou obter os dados do acordo por meio de familiares do coronel Cid, o que foi determinante para a prisão. Outra prova encontrada foi na sede do Partido Liberal (PL), em Brasília, na mesa do coronel Flávio Peregrino, assessor direto do general Braga Netto. Era uma folha com perguntas (supostamente feitas por Braga Netto) e respostas (que seriam de autoria de Mauro Cid).
Entre as perguntas: “O que foi delatado?”, com a seguinte resposta: “Nada. Eu não entrava nas reuniões. Só colocava o pessoal para dentro”. Há outras cinco questões pedindo mais informações sobre o que a PF dispunha.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse, em depoimento à PF, que as respostas não foram escritas por ele. “Talvez intermediários pudessem estar tentando chegar perto de mim, até pessoalmente, para tentar entender o que eu falei, querer questionar, mas como eu não podia falar, eu meio que desconversava e ia para outros caminhos, para não poder revelar o que foi falado”, disse Cid para o delegado da PF Fábio Shor.
Conversa com o pai de Mauro Cid
O ministro Alexandre de Moraes argumentou na decisão pela prisão que, na oitiva, realizada na Polícia Federal, Mauro Cid havia confirmado que Braga Netto tentou obter os dados sigilosos com o pai, Lourena Cid. No depoimento para o delegado Fábio Shor, Mauro Cid disse que o contato ocorria por telefone, já que o pai mora no Rio de Janeiro, e Braga Netto estava em Brasília. O general Cid, no último dia 6 de dezembro, também confirmou que foi procurado por Braga Netto.
A PF defendeu que, além das novas provas indicarem a atuação criminosa do general, o novo depoimento de Mauro Cid apontou que o candidato a vice-presidente, na chapa de Bolsonaro em 2022, financiou os recursos necessários para a organização e execução da operação “Punhal Verde e Amarelo” (plano golpista elaborado por militares para impedir a posse do presidente Lula).
Dinheiro em sacola de vinho
“O general [Braga Netto] repassou diretamente ao então major Rafael de Oliveira dinheiro em uma sacola de vinho, que serviria para o financiamento das despesas necessárias à realização da operação”, apontou a PF, que constatou que o dinheiro foi utilizado para compra de celular (para a ação criminosa) e de chips para a comunicação entre os integrantes do grupo. Os pagamentos também foram realizados em espécie.
Ainda de acordo com as investigações, Braga Netto foi um protagonista para o planejamento e financiamento de um golpe de Estado, o que incluía a detenção ilegal e possível execução do ministro Alexandre de Moraes (então presidente do Tribunal Superior Eleitoral), “com uso de técnicas militares e terroristas, além de possível assassinato dos candidatos eleitos nas eleições de 2022 (Lula e Alckmin)”.
Papel de liderança
Segundo Moraes, os desdobramentos da investigação, a partir da operação “Contragolpe”, e os novos depoimentos de Mauro Cid “revelaram a gravíssima participação de Walter Souza Braga Netto nos fatos investigados, em verdadeiro papel de liderança, organização e financiamento, além de demonstrar relevantes indícios de que o representado atuou, reiteradamente, para embaraçar as investigações”.
O ministro do STF argumenta na decisão que, pelas provas obtidas, a atuação do general está relacionada, “especialmente, com as ações operacionais ilícitas executadas pelos investigados integrantes de Forças Especiais”. Moraes ainda recorda que, na casa de Braga Netto, reuniram-se os militares com formação em forças especiais do Exército, no dia 12 de novembro de 2022, para planejar as ações de monitoramento contra as autoridades.
Defesa do general
A defesa do general Walter Braga Netto divulgaram uma nota, na tarde de sábado (14/12), em que nega obstrução nas investigações e que irá se manifestar no processo. Braga Netto foi preso pela Polícia Federal, pois estaria obstruindo a investigação sobre a tentativa de golpe de Estado no País para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
General da reserva, Braga Netto foi candidato à vice-presidente em 2022 na chapa com Jair Bolsonaro. Antes, foi ministro-chefe da Casa Civil, de 2020 a 2021, e ministro da Defesa, de 2021 a 2022. No indiciamento, a Polícia Federal apurou que uma das reuniões realizadas para tratar de suposto plano golpista teria sido realizada na casa do militar em novembro de 2022.