O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, retirou na segunda-feira (08/07) o sigilo do Inquérito do caso das joias, que traz pelo menos oito provas que indicam a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no desvio e na venda de presentes de luxo recebidos durante seu mandato na Presidência da República (2019/2022). Mensagens, fotografias e documentos analisados pela Polícia Federal mostram que Bolsonaro sabia do esquema que teria desviado mais de R$ 6,8 milhões em joias da União. O ministro determinou ainda que seja garantido o acesso integral aos advogados regularmente constituídos pelas partes e abriu vista para análise da Procuradoria-Geral da República (PGR) no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 46 do Código de Processo Penal (CPP).
Alexandre de Moraes considerou que, com o relatório final do caso apresentado pela Polícia Federal na semana passada, não persiste razão para manter o processo sob sigilo. Agora, a PGR terá o prazo de 15 dias para pedir mais provas, arquivar o caso ou apresentar denúncia. De prontidão, a defesa de Bolsonaro nega irregularidades e diz que os presentes recebidos pelo ex-presidente seguiram um protocolo rigoroso de tratamento e catalogação pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), sem influência do chefe do Executivo.
O processo envolve o ex-presidente da República Jair Bolsonaro e apura se houve tentativa de entrada ilegal no Brasil de joias doadas pela Arábia Saudita e tentativas fraudulentas de reavê-las. Com a retirada do sigilo, o processo passará a ficar disponível no sistema de peticionamento eletrônico do STF, acessível a qualquer cidadão mediante cadastro.
Bolsonaro foi indiciado na semana passada pelos crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. A seguir, veja as provas reunidas pela PF contra o ex-presidente ao longo da investigação:
‘Selva’
A Polícia Federal indica no relatório que Bolsonaro tinha ciência de que as joias desviadas seriam vendidas em leilões. Isso porque, em 4 de fevereiro de 2023, o tenente-coronel Mauro Cid enviou o link do leilão do “kit rosé” para o contato do ex-presidente. O evento ocorreria quatro dias depois. Bolsonaro respondeu: “Selva”, um jargão militar. A PF confirmou, por meio da perícia no celular apreendido do ex-presidente, que Bolsonaro acessou o site da empresa Fortuna Auction, responsável pelo leilão.
Subtração de bens
De acordo com o relatório da PF, o ex-presidente “subtraiu diretamente” escultutas douradas de um barco e de uma árvore e um relógio Patek Philippe. Esses bens, segundo a Polícia Federal, foram desviados do acervo público brasileiro, sem registro no Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência da República, e posteriormente vendidos nos Estados Unidos.
Foto do Patek Philippe
Metadados de fotografias armazenadas em um computador do tenente-coronel do Exército Mauro Cid apontam que Bolsonaro tinha ciência de que um relógio Patek Philippe também foi desviado e vendido. O bem foi recebido pelo ex-presidente em novembro de 2021, no Bahrein. O ex-ajudante de ordens enviou a Bolsonaro uma foto do certificado do relógio e um print de uma pesquisa realizada na internet que mostra o valor do Patek Philippe. A defesa de Bolsonaro havia informado inicialmente que o ex-presidente nem sequer sabia da existência do relógio da marca suíça.
Avião presidencial
A Polícia Federal revela que os bens de alto valor foram levados do Brasil aos Estados Unidos por meio do avião presidencial. “Inicialmente, com a finalidade de distanciar e ocultar os atos ilícitos de venda dos bens das autoridades brasileiras e posterior reintegração ao seu patrimônio, por meio de recursos em espécie, o então presidente Jair Bolsonaro, com o auxílio de seu ajudante de ordens, Mauro Cid, utilizou o avião presidencial, sob a cortina de viagens oficiais do então chefe de Estado brasileiro para, de forma escamoteada, enviar as joias aos Estados Unidos.”
Gastos nos EUA
A Polícia Federal indicou que Bolsonaro usou dinheiro em espécie obtido da venda de joias desviadas da Presidência da República para cobrir despesas pessoais e familiares durante sua estadia de três meses nos Estados Unidos no início de 2023. A investigação mostrou que o ex-presidente não usou recursos das suas contas bancárias no Brasil e nos EUA para custear seus gastos nesse período, sugerindo que os fundos provenientes da venda ilícita das joias foram usados para arcar com os gastos dele e da família em solo norte-americano.
Dinheiro vivo
Em um áudio obtido pela Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid afirma que seu pai, o general Mauro Lourena Cid, estaria em posse de US$ 25 mil, que deveriam ser entregues em espécie a Bolsonaro. “Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né? Tem 25 mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente”, afirmou Mauro Cid, em 18 de janeiro de 2023, em conversa com o coronel Marcelo Câmara, assessor do ex-presidente. Na ocasião, Bolsonaro estava em Orlando, nos Estados Unidos.
Depoimento do general
Em depoimento à Polícia Federal, o general Mauro Cesar Lourena Cid afirmou ter recebido de seu filho, Mauro Cid, o pedido para receber em sua conta bancária nos Estados Unidos cerca de US$ 68 mil decorrentes de uma venda de relógios da Presidência da República. O general afirmou ainda que os “valores foram repassados de forma fracionada conforme a disponibilidade de encontros” com Bolsonaro.
Ligação para Wassef
A Polícia Federal afirmou ainda que Bolsonaro designou o advogado Frederick Wassef para recuperar um relógio Rolex, que fazia parte do “kit ouro branco”, após reportagem do Estadão revelar o desvio de joias. Em 2 de abril de 2023, Wassef fez uma chamada de vídeo com o ex-presidente. Essa foi a data em que a PF suspeita que o bem foi entregue por Wassef a Cid na Sociedade Hípica Paulista, em São Paulo.
Bolsonaro diz esperar ‘muitas outras correções’ da Polícia Federal no caso das joias
O ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou na segunda-feira (08/07) que vai aguardar “muitas outras correções” por parte da Polícia Federal sobre o inquérito do caso das joias. O relatório final da PF, tornado público pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, indicava inicialmente que as joias desviadas pela associação criminosa ligada a Bolsonaro eram avaliadas em R$ 25,3 milhões. Apóis a retirada do sigilo, entretanto, a PF disse que houve “erro material” e que o valor verdadeiro é de R$ 6,8 milhões.
“Aguardemos muitas outras correções. A última será aquela dizendo que todas as joias ‘desviadas’ estão na CEF [Caixa Econômica Federal], Acervo ou PF, inclusive as armas de fogo”, escreveu Bolsonaro, no X (antigo Twitter). Em seguida, o ex-presidente afirmou que aguarda a Polícia Federal se posicionar no caso Adélio: “Quem foi o mandante?”.
A Polícia Federal já concluiu que Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, em Juiz de Fora, Minas Gerais, agiu sozinho. Em junho, a PF solicitou o arquivamento do inquérito que apura a facada, mas deflagrou uma operação contra o advogado de Adélio, Fernando Costa Oliveira Magalhães, por suposta ligação com o Primeiro Comando da Capital. Segundo a corporação, não há relação entre a tentativa de assassinato e a organização criminosa. O relatório final do caso Adélio foi apresentado à Justiça, que decidirá sobre o andamento das investigações.
Em nota, a defesa de Bolsonaro afirmou que os presentes ofertados a um presidente da República obedecem a “rígido protocolo de tratamento e catalogação” e “sobre o qual o Chefe do Executivo não tem qualquer ingerência”. O Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) é responsável pela análise e definição dos bens em patrimônio público ou privado.
“Nota-se, ademais disso, que todos os ex-presidentes da Repúblicas tiveram seus presentes analisados, catalogados e com sua destinação definida pelo GADH, que, é bem de ser ve, sempre se valeu dos mesmos critérios empregados em relação aos bens objeto deste insólito inquérito, que, estranhamente, volta-se só e somente ao governo Bolsonaro, ignorando situações idênticas havidas em governos anteriores”, escreveram os advogados Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser.