A Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) encontrou no depoimento de Bruno Brandão, um dos diretores-executivos da Transparência Internacional Brasil no auge da Operação Lava Jato, uma prova ilustrativa de como o ex-juiz federal e agora senador Sergio Moro e o ex-procurador da República e deputado federal cassado Deltan Dallagnol – entre outros membros do Ministério Público Federal –, supostamente distribuíram indevidamente os recursos angariados a partir do trabalho da própria força-tarefa. A informação é do Portal de Notícias, conforme postagem feira na terça-feira (11/06). Segundo o ‘site’, o interrogatório de Brandão admite que “havia espaço para arbitrariedades na eleição dos possíveis beneficiários de valores nesses acordos” firmados na Lava Jato, apontou a Polícia Federal.
No relatório da correição extraordinária feita na Lava Jato do Paraná consta o depoimento de Bruno Brandão afirmando que foi procurado por Deltan Dallagnol, logo no “início” da operação, para falar sobre a possibilidade de repasses pela 13ª Vara Federal de Curitiba à TIB. O relatório serviu de base para a Corregedoria Nacional de Justiça abrir uma Representação Disciplinar contra Sergio Moro. No interrogatório, segundo a reportagem, Brandão ressalva que não se recorda se o dinheiro oferecido seria fruto dos acordos de leniência e delação premiada fechados na Lava Jato. A Corregedoria identificou uma “gestão caótica” dos recursos, com distribuições sem critérios técnicos aparentes e sem transparência e prestação de contas, ou seja, ao sabor dos interesses lavajatistas, informa o Portal GGN.
“Indagado se a TI [Transparência Internacional brasil] foi, em algum momento, sondada sobre a possibilidade de recursos oriundos de acordos de colaboração ou de leniência sob controle da 13ª Vara Federal de Curitiba fossem dirigidos para projetos da TI Brasil, [Bruno Brandão] respondeu QUE não sabe dizer se especificamente sobre acordos de colaboração ou de leniência, mas o depoente se recorda que foi sondado pelo então procurador da república DELTAN DALLAGNOL, salvo engano no início da operação, informando que haveria possibilidade de a 13ª Vara Federal de Curitiba destinar recursos para a TI”, aponta o depoimento de Bruno Brandão, conforme publicação do ‘site’ GGN.
Vale lembra que Sergio Moro entrou na mira do CNJ por, entre outros fatores, ter criado um procedimento ultra secreto justamente para movimentar recursos bilionários levantados pela Lava Jato ao longo de vários anos. Somente a Petrobras e o MPF estavam envolvidos no procedimento secreto, que foi tornado público por Gabriela Hardt em 2019, depois que o escândalo da Fundação Lava Jato veio à tona.
O depoimento de Brandão sinaliza que a própria TIB admitiu haver problemas no modus operandi da Lava Jato em gerir os recursos. Moro movimentava o dinheiro das contas judiciais sem participação ou conhecimento da União, sem controle dos órgãos competentes, sem ciência dos réus que pagavam as multas estabelecidas nos acordos, sem aguardar o trânsito em julgado das ações. Na prática, a Lava Jato teve o poder de decidir sozinha onde aplicar ou a quem beneficiar com milhões de reais, acrescenta a reportagem.
“QUE a partir desse contato, a TI realizou estudos buscando entender como funcionaria essa prática, e pode afirmar que nunca pleitearam tais recursos; QUE o motivo dessa postura é o fato de que identificaram problemas e fragilidades no modelo que isso se desenvolve no Brasil, com poucos controles, muita discricionariedade e pouca transparência nas decisões entre ministério público e poder judiciário, bem como na governança do Fundo de Direitos Difusos (FDD)”, resumiu a Polícia Federal a respeito do depoimento de Brandão.
Apesar do relacionamento próximo com Dallagnol, a Transparência Internacional Brasil não recebeu recursos da Lava Jato. Porém, realizou estudos e esteve à disposição dos procuradores da República para ajudar, inclusive, a definir o destino dos recursos que seriam “desviados” para a famigerada Fundação Lava Jato, abortada pelo Supremo Tribunal Federal. Na semana passada, o CNJ transformou a juíza Gabriela Hardt em alvo de processo administrativo disciplinar justamente por ter homologado o acordo da fundação privada.
A correição extraordinária citou o nome de Deltan Dallagnol mais de 80 vezes, mas nenhum procurador de Curitiba é investigado no CNJ. Os fatos, no entanto, ainda serão encaminhados à Procuradoria-Geral da República, que decidirá se adotará providências na esfera penal. Na visão da Corregedoria, personagens da Lava Jato podem ter incorrido nos crimes de peculato e corrupção com a história da fundação privada.
Para além disso, a correição refletiu sobre como o próprio modelo de colaboração premiada ou acordo de leniência instituído na Lava Jato para dar azo ao pagamentos de multas vultosas pelos réus, era um modelo “em desacordo” com a legislação vigente à época. “Tratava-se, aparentemente, da importação de um modelo de resolução de questões criminais por meio do pagamento de dinheiro, inclusive negociando penas, cujas decisões homologatórias, no entender de DELTAN DALLAGNOL, ‘não havendo questionamentos, transitavam em julgado’”.
A correição trata o modus operandi da Lava Jato como “sui generis” e ressalta que o próprio ex-procurador Deltan Dallagnol “confirmou que o tipo de colaboração utilizado na atuação da força-tarefa Lava Jato não era o previsto na legislação, mas um padrão adquirido em apurações anteriores à Lei nº 12.850/2013, realizadas em Curitiba, Paraná”. Pelo que se interpreta do interrogatório de Deltan Dallagnol, a Lava Jato possivelmente ignorou a lei da delação premiada, instituída em 2013, e seguiu bebendo dos vícios que os procuradores desenvolveram desde a época do Banestado.
“Esses acordos surgiram antes da lei de 2013. A lei veio regulamentar uma prática que foi estabelecida na força-tarefa do Banestado, com a participação minha, doutor Januário [Paludo], doutor Carlos Fernando [dos Santos Lima], doutor Orlando [Martello], que eram as pessoas que… eram as pessoas que, em grande medida, vieram a compor a força-tarefa do caso Lava Jato. Ou seja, eram as pessoas que conheciam toda a tradição desses acordos e que, pela primeira vez na história, fizeram esses acordos antes de qualquer regulamentação. Depois veio a regulamentação“, disse Deltan Dallagnol.
A correição, no entanto, esclarece que o argumento de Deltan apresenta uma “ideia equivocada” sobre as delações premiadas no País. “(…) há de partida duas falhas no argumento: a) a operação Lava Jato se iniciou em 2014, após a publicação da lei que regulamentou o instituto da colaboração premiada, portanto deveria ter seus atos regidos pela Lei nº 12.850/2013; e b) as práticas da força-tarefa do Banestado, anteriores à legislação de 2013 – que prosseguiram sendo empregadas em Curitiba –, não foram encampadas ou absorvidas pelo texto legal vigente ao tempo da operação.”
Um levantamento parcialmente incorporado à correição também mostrou que, quando o assunto é acordo de delação premiada ou de leniência, a Lava Jato lançou mão de “disposições contra a lei ou fora da lei em relação: a) à pena; b) às provas; c) ao direito de acesso à justiça; d) à competência; e) aos bens; f) à propositura de outras ações; g) às medidas cautelares pessoais; h) à multa compensatória. Em resumo, os acordos tratavam de local, forma e regras de progressão de pena; apresentavam o objeto do ajuste de forma difusa; previam obrigações em relação a terceiros não signatários (filho e cônjuge maiores de 18 anos, p.ex.); previam não impugnação de sentenças condenatórias; elegiam o juiz que homologaria o acordo; previam destinação de valores aos órgãos de persecução penal com base legal diversa da estabelecida na lei; entre outras questões também correlacionadas às anomalias identificadas nos processos estudados na correição.”