Depois de recomendar, sem êxito, a suspensão da 30ª Exposição Agropecuária de Afonso do Estado, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo protocolou, no final da tarde de quinta-feira (20/10), Ação Civil Pública pleiteando também medida liminar para o bloqueio de R$ 95 mil dos bens da Prefeitura comandada pelo prefeito Luciano Roncetti Pimenta (PSL) para garantir ressarcimento de danos causados ao erário por ato de improbidade administrativa, “uma vez que os réus promoveram contratação direta de empresa através de indevida inexigibilidade de licitação, conforme Processo Administrativo N. 19046-2023”. A 30ª Exposição começou na quinta-feira (19/10), com a realização de shows musicais – também alvo de investigação por conta de gastos milionários – e de rodeios. Os eventos festivos prosseguem no sábado (21/10) e se encerram no domingo (22/10).
A Ação Civil Pública que já tramita na 1ª Vara da Comarca de Afonso Cláudio é relativa somente aos rodeios. A ação tem como réus o prefeito Luciano Pimenta, a empresa Companhia Brasil de Rodeios e a própria Prefeitura Municipal de Afonso Cláudio. Ao contratar a empresa Brasil Rodeios sem licitação, os gestores públicos teriam, em tese, infringido ao artigo 89 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de Licitações), que diz: “Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”. Significa que, em caso de condenação – caso, é claro, a Ação Civil Pública proposta pelo MPES seja aceita pela Justiça –, o prefeito Luciano Pimenta pode sofrer pena de detenção, de três a cinco anos, e multa.
No dia 11 de outubro de 2023, a Promotoria de Justiça de Afonso Cláudio fez uma notificação recomendatória enviada ao prefeito Luciano Pimenta (União), por e-mail, nos seguintes termos: “Que promova o cancelamento do contrato” com a empresa, efetivado por meio do “procedimento de inexigibilidade 19046/2023. O prefeito, no entanto, ignorou a Recomendação.
Segundo o Ministério Público Estadual, no dia 5 de outubro de 2023 foi publicada, mediante processo nº 19046/2023, a Inexigibilidade nº 034/2023, para contratação da empresa Companhia Brasil de Rodeios, no valor de R$ 350 mil, para prestação do serviço de organização, execução, produção e realização de rodeios de caráter profissional, rodeio show e atividades correlatas. Todavia, a contratação ocorreu de forma direta, sem a realização de regular procedimento licitatório, não tendo sido demonstrado pelo prefeito Luciano Pimenta que a contratação se amolda ao disposto no art. 25, inciso III, da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações).
Ainda de acordo com a Inicial, é sabido que que o dever de licitar está previsto no art. 37, inciso XXI da Constituição Federal: ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
“A contratação direta de licitação à revelia das disposições legais ocasiona lesão ao patrimônio público, porque a Administração Pública perde a oportunidade de selecionar a proposta mais vantajosa, aderindo àquela proposta que a priori lhe é apresentada, sem considerar as demais soluções expostas no mercado de bens e serviços”, diz a Ação Civil Pública.
Para o MPES, “se a contratação é direta e, portanto, não observa o dever geral de licitar, a lesão ao patrimônio público absolutamente manifesta.” Por isso, salienta a Inicial, “na espécie, não restaram caracterizados os elementos previstos no art. 25, inciso III, da Lei 8.666/93: a) o primeiro elemento, que consiste na inviabilidade de competição (art. 25, caput); b) o segundo elemento, que o artista seja consagrado pela mídia ou pela crítica especializada; c) e o terceiro elemento, que seja o contratado de setor artístico ou empresário exclusivo.”
Prossegue a Inicial: “Ocorre que existiu viabilidade de competição, pois a empresa contratada não possui nenhum elemento especial que indique a impossibilidade de participação de outras empresas em procedimento licitatório regular, porque vale lembrar que, na Administração Pública, a regra é a realização do procedimento licitatório, sendo a dispensa e a inexigibilidade exceções em relação ao dever de licitar. Com efeito, o gestor (prefeito Luciano) se vale de precedente do TCE (Tribunal de Contas do Estado) completamente fora do contexto organizacional da festa: realmente, pelo teor do acórdão veiculado no AC 00550/2020-8, se várias empresas se propõem a realizar festas de rodeio, cada uma com atrações diferenciadas e exclusividades, podem, por isso, ser contratadas por inexigibilidade. No entanto, isso não significa que o gestor possa promover a contratação direta sem antes avaliar a efetiva existência de concorrência (primeiro requisito) e, posteriormente, se se trata de setor artístico (segundo requisito) consagrado pela mídia ou pela opinião pública (terceiro requisito).”
Na Ação Civil Pública, a Promotoria de Justiça de Afonso Cláudio informa que, antes mesmo da publicação da inexigibilidade (que ocorreu em 05.10.2023), o empresário Tiago Raimundo da Silva, que também exerce labor promovendo rodeios e eventos assemelhados, protocolou na repartição pública, no dia 03.10.2023 (Protocolo Administrativo N. 1942/2023), proposta para realização do rodeio na Festa de Exposição, pelo valor total de R$ 255.000,00, valor este que em alguma medida está de acordo com os valores praticados no mercado, tratando de valor inclusive muito abaixo daquele contratado pela Administração Pública, que se propôs a efetuar o pagamento de R$ 350.000,00 para a empresa CIA BRASIL DE RODEIOS LTDA mediante inexigibilidade.” Mas o prefeito Luciano (foto) teria recusado a proposta.
Destaca a Inicial: “É válido salientar que a contratação direta não efetuou pesquisa de mercado, mas tão somente solicitou da própria empresa contratada (CIA DE BRASIL RODEIOS LTDA) que efetivasse a remessa de contratos de outros eventos para então justificar o elevado preço. Veja que no procedimento administrativo justifica-se o preço mediante uma simples média aritmética pautada em valores e contratos apresentados pela própria empresa contratada. Assim, sequer houve efetivamente pesquisa de mercado”.
De acordo com a Ação Civil Pública, para aferir o valor razoável de bloqueio, o Ministério Público leva em consideração a pesquisa de mercado promovida pelo impetrante no mandamus n. 0000670-36.2023.8.08.0001, especialmente a proposta do impetrante que foi apresentada à Administração Pública no dia 03.10.2023, no valor de R$ 255.000,00. “Isto posto, deduzindo o valor contratado diretamente pelo município com a CIA BRASIL DE RODEIOS LTDA (R$ 355.000,00) do valor ofertado pela empresa do nacional TIAGO RAIMUNDO DA SILVA, no dia 03.10.2023 (R$ 255.000,00), restaria o valor total de R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor este – de R$ 100.000,00 – que deve ser bloqueado da Administração Pública para evitar o pagamento total do evento de rodeio, em razão do sobrepreço e da contratação direta ilícita. Deste modo, deve-se promover o bloqueio do valor de R$ 95.000,00 da Administração Pública, valor obtido a partir da dedução do valor da contratação direta (R$ 350.000,00), do valor ofertado pela empresa do nacional TIAGO RAIMUNDO DA SILVA, no dia 03.10.2023 (R$ 255.000,00), para resguardar minimamente o patrimônio pública da contratação direta ilegal.”
Ao final da Ação Civil Popular, o Ministério Público requer:
1) a concessão da tutela de urgência, inaudita altera pars (sem vistas aos réus);
2) a citação dos requeridos (Município de Afonso Cláudio, prefeito Luciano Pimenta e Companhia Brasil de Rodeios) para contestarem o feito no prazo legal, sob pena de confissão quanto à matéria de fato e sob os efeitos da revelia;
3) protesta pela produção de prova por todos os meios permitidos em Direito;
4) seja oficiado ao TCE/ES, o Ministério Público Estadual e a Câmara de Vereadores de Afonso Cláudio para ciência no âmbito de suas atribuições, ante os indícios de infrações criminais e de responsabilidade previstas no Código Penal (art. 337 -E) e Decreto Lei nº 201/67 (art. 4º, VII e VIII), por agente detentor de foro por prerrogativa de função;
5) ao final, e após a regular instrução processual para confirmar a tutela de urgência, seja julgado in totum procedente o pedido, a teor do artigo 487, I do Código de Processo Civil, promovendo a declaração de nulidade do ato administrativo;
6) a condenação dos requeridos nos ônus sucumbenciais.
Shows musicais com gastos acima de 1 milhão de reais
Outra frente de investigação do Ministério Público Estadual são os gastos excessivos para a realização de shows musicais, ultrapassando a marca de R$ 1,4 milhão. Inicialmente, a Prefeitura de Afonso Cláudio havia planejado um gasto de R$ 1,110 milhão para a contratação de uma Organização da Sociedade Civil responsável por inúmeras tarefas, desde a montagem de infraestruturas até a instalação de banheiros químicos e outros serviços. Entretanto, o edital para esta contratação foi cancelado pela Prefeitura, que resolveu assumir todas as atribuições do evento por conta própria. O fato foi denunciado na imprensa.
A parte substancial das despesas está relacionada aos contratos sem licitação firmados com artistas sertanejos, nacionais e locais, que variam de R$ 4 mil a R$ 350 mil, totalizando R$ 915 mil. Abaixo estão detalhados os contratos de alguns dos artistas:
Matheus e Kauan — Mundo Paralelo Produções Artísticas Ltda — R$ 350 mil
Marcos e Belutti — MB Produções Ltda — R$ 220 mil
Bruno e Barreto Bruto — Memo Produções Artísticas Ltda — R$ 140 mil
Bonde do Forró — M & P Ferreira Produções Ltda — R$ 120 mil
Felipe e Rodrigo — Four Even Eventos e Produções Ltda — R$ 65 mil
Alencacio Schuenk — Alencacio Schuenk Nobre — R$ 8 mil
André Matos e Beto Calil — A&E Fitcenter Academia LTDA — R$ 4 mil
Banda Tony dos Teclados e Cia — Antonio Pereira Alves — R$ 4 mil
Dupla Eloy e Tiel Eloy — Francisco Majeski Martins — R$ 4 mil