Ao proferir palestra no Salão São Tiago, no Palácio Anchieta, em Vitória, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a advocacia pública é o Brasil que deu certo e defendeu a conciliação como forma de se evitar a litigação judicial. Ao mesmo tempo, a ministra elogiou a atuação da Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo (PGE), a quem se referiu também como um modelo que atua no sentido de garantir os preceitos constitucionais. A palestra de Cármen Lúcia ocorreu na tarde de segunda-feira (14/08), durante Aula Magna sobre o tema “Advocacia pública como carreira em defesa da República e do Estado de Direito”, em evento promovido pela PGE, abrindo o semestre letivo do curso de pós-graduação (lato sensu) em Direito do Estado e Advocacia Pública da PGE.
A ministra destacou a importância da advocacia pública para o País e para os Estados, bem como sobre a necessidade de os operadores do Direito se manterem sempre atualizados tecnicamente. “Temos que estar sempre aprendendo a aprender para sermos bons advogados, juízes ou membros de Ministérios Públicos, ainda mais nos dias de hoje”, disse Cármen Lúcia.
A ministra ressaltou ainda a evolução no entendimento trazido pela Constituição de que os procuradores de Estados são advogados públicos dos Estados e não de agentes políticos: “Nós mudamos – e acho que mudamos bem – em termos de efetividade do princípio republicano. E as Procuradorias ajudaram muito nisso. Porque elas defendem este bem [o Estado] a despeito de nem sempre serem bem compreendidas”.
O STF já reconheceu que órgãos públicos dos Estados não podem ter Assessoria Jurídica. A Corte decidiu que a assessoria tem ser feita por procuradores do Estado e do Distrito Federal. No caso do Espírito Santo, a assessoria feita a Secretarias Estaduais, ao Gabinete do Governador e aos demais órgãos públicos é de responsabilidade da PGE, levando em consideração o que diz o artigo 132 da Constituição Federal. Trata-se, no entendimento do Supremo, do respeito ao princípio da unicidade da representação jurídica ou judicial.
“Essa ideia de um procurador ser necessário para que a gente tenha o cumprimento dos princípios republicanos é que torna as Procuradorias fortes. E o STF tem, reiteradamente, afirmado e reafirmado que não se pode conceber a criação de cargos comissionados em todas as instâncias para trair a norma constitucional que determina ser a advocacia pública dos Estados responsabilidade de procurador de Estado”, pontuou Cármen Lúcia.
A ministra falou ainda sobre a transformação que o mundo atravessa e que exige também nova postura do Sistema de Justiça. “Aprendíamos nas faculdades que, no Direito, um ganha e outro perde. Essa visão de direito, entretanto, passa por transformação, que é a conciliação. O perdedor vai ficar sempre tendo a sensação de que foi injustiçado. Essa visão de ganha e perde é a grande mudança. Por isso é preciso ir construindo consenso por acordos. Consenso para pacificar as coisas. É importante que os procuradores defendam acordos para se evitar a litigação. É necessário que levemos em conta que não se pode presumir a má-fé dos governantes para sempre. Se não, ninguém vai querer ser ordenados de despesas neste País”, ponderou Cármen Lúcia.
Litigação é quando quem perde uma causa na Justiça insiste em contestar a ação em várias instâncias do Judiciário. Neste caso, frisou a ministra do STF, havia uma cultura entre procuradores de Estado de que é obrigação se recorrer sempre. “A União, os Estados e Municípios eram, até bem pouco tempo, recorrentes em 80% dos recursos. É preciso que as Procuradores-Gerais dos Estados criem mecanismos para acordos. O direito tem que ser justo e legítimo. A advocacia pública do Espírito Santo está sendo o Brasil que dá certo com essa nova forma de agir, que é a conciliação”, concluiu Cármen Lúcia.
No dia 65 de abril de 2022, o Diário Oficial do Estado publicou a Lei Complementar nº 1.011/2022, que instituiu a Política de Consensualidade no âmbito da Administração Pública Estadual Direta e Indireta e também criou a Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos do Espírito Santo (CPRACES). O procurador-chefe da CPRACES, Rafael Santos de Almeida, explicou após a palestra da ministra Cármen Lúcia, que o setor trata de conflitos com métodos consensuais com pessoas jurídicas e físicas. Segundo ele, os acordos são feitos administrativamente, com a participação do Ministério Público, advogados das partes e ou a Defensoria Pública, quando a pessoa não possui advogado, mas sem necessidade de ir à Justiça.
A lei foi sancionada pelo governador Renato Casagrande (PSB), que avaliou como “brilhante” a aula dada pela ministra Cármen Lúcia: “Ela é uma das maiores conhecedoras e defensoras da nossa Constituição Federal e foi precisa em sua palestra, mostrando a importância da advocacia pública, uma área chave que desempenha um papel de extrema relevância para o Estado, defendendo o poder público nas suas relações jurídicas, atuando em defesa do patrimônio, protegendo a legalidade e a moralidade administrativa, além de prevenir desvios de conduta e garantir a boa administração dos recursos públicos”, afirmou Casagrande, que condecorou a ministra com a Comenda Jerônymo Monteiro, maior honraria concedida pelo Poder Executivo Estadual.
No evento no Palácio Anchieta com a presença da ministra Cámen Lúcia também ocorreu o lançamento do volume 17 da Revista da PGE, que traz em seu conteúdo artigos e pareceres jurídicos voltados à advocacia pública. Esta edição, em especial, faz uma homenagem póstuma ao procurador Cezar Pontes Clark, falecido em 2021. Ambos os eventos fazem parte das comemorações de aniversário da PGE que, em outubro, completará 80 anos de existência.
A solenidade foi aberta pelo procurador-geral do Estado, Jasson Hibner Amaral, que, em sua fala, destacou a importância da ministra Cármen Lúcia citando duas de suas decisões. A primeira, quando julgou constitucional o dispositivo da Constituição Estadual que determina que o procurador-geral do Estado deve ser membro ativo da carreira. “O voto da ministra foi muito importante para o reconhecimento da advocacia pública enquanto carreira de Estado, ao mesmo tempo em que prestigiou a autonomia dos Estados, valor essencial do pacto federativo”, lembrou.
A segunda decisão citada pelo procurador-geral foi a mais recente, quando o STF aboliu a tese da legítima defesa da honra àqueles que cometem violência contra mulheres. “E lá estava a ministra Cármen Lúcia com seu voto assertivo, exigindo a extirpação integral dessa aberração”, comentou Jasson Amaral.