Foragido da Justiça desde 15 de dezembro de 2022, o microempresário Maxcione Pitangui de Abreu foi condenado a indenizar a procuradora-geral de Justiça, Luciana Gomes Ferreira de Andrade, por danos morais, no montante de R$ 7.000,00. A sentença foi proferida pelo juiz Boanerges Eler Lopes, do 9º Juizado Especial Cível de Vitória, nos autos de número 5037933-79.2022.8.08.0024. Max Pitangui publicou vídeo em sua rede social (Instagram) em que afirma que a vítima (Luciana Andrade), “procuradora geral do Ministério Público capixaba, tem sido coveira de investigações contra Casagrande [o governador Renato Casagrande] e seu grupo. Virou engavetadora-geral pela suspeita de proteção da organização criminosa”. Por conta essas mesmas ofensas, que são mentirosas, Max responde também a um processo que tramita na 2ª Vara Criminal da Serra.
Ao apreciar o pedido de tutela antecipada, a Justiça proferiu decisão nos seguintes termos (Id nº 19913302): “Dessa forma, em sede de cognição sumária, é possível concluir que a Requerente tem direito à medida ora pleiteada, eis que verificado o excesso da publicação compartilhada pelo requerido, notadamente porque desprovidas de amparo fático e com o fito único de manchar a imagem da autora, razão pela qual DEFIRO o pedido de tutela provisória e determino que o réu retire o vídeo apontado pela autora de sua página do Instagram, no prazo de 24 (vinte quatro) horas, sob pena de multa diária que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), tendo como limite o teto dos Juizados (R$ 40.000,00).”
Max Pitangui, que se apresenta como radialista e publicitário, é um dos alvo dos Inquéritos 4781 (atos contra a democracia) e 4874 (atuação de milícias digitais) que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Ele teve a prisão decretada pelo STF, mas conseguiu escapar das ações da Polícia Federal e estaria escondido numa cidade mineira.
Nos mesmos IPs, são também investigados o jornalista Jackson Rangel (dono do site Folha do ES), o agora vereador afastado Armandinho Fontoura (Podemos/Vitória), o falso pastor Fabiano Oliveira – estes três estão presos desde o dia 15 de dezembro de 2022 –, o deputado estadual Lucínio Castelo de Assumção, o Capitão Assumção (PL), e o ex-deputado Carlos Von Schilgen Ferreira, conhecido pela alcunha de Carlos Von, e o advogado e empresário Gabriel Quintão Coimbra. Os três últimos foram alvos de mandado de busca e apreensão nas mesmas ações. Assumção e Carlos Von, que não foi reeleito em outubro de 2022, cumprem medidas cautelares, dentre as quais o uso de tornozeleira eletrônica.
Realizada audiência de conciliação telepresencial em 13 de março de 2023 sem êxito, pois Max, o foragido da Justiça, não compareceu. O advogado de Luciana Andrade, Renan Sales Vanderlei, “diante da ausência injustificada do réu”, requereu os efeitos da revelia e informou que não havia mais provas a produzir, requerendo o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, I, do Código de Processo Civil.
“Cumpre ressaltar a inércia do requerido (Max Pitangui) que, mesmo regularmente citado (Id. 21143626), não compareceu à audiência designada e não apresentou defesa nos autos. Sendo assim, DECRETO à revelia do réu, com fundamento no artigo 344 do Código de Processo Civil c/c com o artigo 20 da Lei nº 9.099/95, devendo ser reputados verdadeiros os fatos narrados na inicial, os quais foram sobejamente comprovados pelos documentos anexados com a peça vestibular”, pontuou o juiz Boanerges Eler Lopes.
O magistrado ressalta que a chefe do Ministério Público Estadual, Luciana Andrade, pondera nos autos que sofreu abalo em sua honra “em razão de ofensas perpetradas pelo requerido (Max) com a divulgação de mensagem dotada de conteúdo vexatório e insinuação de conduta criminosa.” O juiz Boanerges Lopes pontua na sentença que “é inegável, no caso em apreço, o conflito aparente entre a liberdade de expressão do requerido (Max) e os atributos individuais da pessoa humana, principalmente a intimidade, privacidade e honra da requerente (Luciana Andrade), ambos de estatura constitucional (artigo 5º), sendo certo que a dignidade da pessoa humana assume dimensão transcendental e normativa, nos dizeres de Luís Roberto Barroso (ministro do STF), devendo ser analisada como o centro de todo o sistema jurídico, irradiando seus valores e conferindo-lhe unidade, até mesmo na relação entre particulares”.
Nesse ponto, cabe frisar que o direito de livre expressão, previsto no artigo 5º, IV, da Constituição Federal, não é absoluto porque limitado por outros direitos também garantidos pelo texto constitucional, sendo que, no caso em tela, o artigo 5º, X, da Constituição Federal estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Para o magistrado, a liberdade de informação corresponde ao direito de informar e ser informado, de modo que apenas deve recair contra fatos e acontecimentos objetivamente apurados. “Por isso, quem exerce o direito de informar está vinculado à veracidade das informações veiculadas, para que os destinatários delas (os cidadãos, que detém o direito de ser informado), formem suas convicções baseadas em fatos e não oriundos de mera especulação”, ensina Boanerges Lopes.
O magistrado explica que a vítima de Max Pitangui, Luciana Andrade, apresentou nos autos o teor da mensagem divulgada com os dizeres. Além disso, consta na Inicial vídeo em que Max Pitangui ataca não só a procuradora geral de Justiça, bem como agentes políticos e secretários de Estado. O réu usa notícias sabidamente falsas para atacar a honra da chefe do Ministério Público estadual
“A divulgação da mensagem pelo requerido (Max) no instagram, com potencial de atingir o público em geral, sem qualquer respaldo em ato formal oficial ou quaisquer outras fontes de informações confiáveis, revela sua negligência, ou seja, culpa in vigilando no caso em tela. Tem-se clara a intenção do requerido em denegrir a imagem da autora, especialmente porque veiculou fato não comprovado, no jargão popular fake news, que teve a finalidade de afetar a reputação da requerente, enquanto Procuradora Geral do Ministério Público”, pontua o juiz Boanerges Lopes, que completa:
“A divulgação de textos em websites de notícias e redes sociais, em especial quando se trata de assunto que possui grau de ofensividade à pessoa precisamente identificada, implica a assunção responsabilidade de quem divulga, compartilha ou adere, pois quem assim age reitera a ofensa existente e amplifica o âmbito danoso à honra objetiva na medida que multiplica o alcance a terceiros. Ademais, o teor da mensagem divulgada pelo requerido vai na contramão do conceito de crítica política, tratando-se de ofensa direta à honra da autora, inclusive no que tange a utilização do termo ‘Peppa Pig”.
Para o magistrado, “a liberdade de expressão, a oposição política ou qualquer manifestação de indignação, não é sinônimo de permissão para a violação de direitos alheios, ainda mais quando falsa, portanto, injusta. No caso sub judice o dano moral resta caracterizado, pois a imputação de conduta falsa ofensiva à ética, moralidade e legalidade em rede social como fato verdadeiro e comprovado, configura ato ilícito lesivo à honra, a boa imagem e ao decoro da requerente que gera o dever de indenizar.”
O juiz Boanerges Lopes conclui a sentença que condenou Max Pitangui (foto ao lado):
“No caso dos autos evidencio a presença de todos os elementos: a publicação da mensagem com menção pejorativa à parte autora, a culpa lato sensu do requerido ao realizar a publicação, bem como a ofensa à honra da autora em decorrência da publicação. De fato, as pessoas públicas sofrem mitigação ao seu direito de imagem e até mesmo de privacidade em algumas circunstâncias, no entanto, não se admite a mitigação à honra, pois ainda que devassada a imagem e privacidade da pessoa pública, não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio a prática de aviltamento à honra de terceiro sob o pálio da crítica política mediante a imputação falsa de crimes. Sem embargo, verificado o excesso da publicação compartilhada pelo requerido, notadamente porque desprovidas de amparo fático e com o fito único de manchar a imagem da autora, tem-se por constatado o dano presumido ante a presença da conduta e do nexo de causalidade, restando apenas quantificá-lo. Neste aspecto, imperioso ressaltar que o dano moral se caracteriza por uma ofensa e não por uma dor ou um padecimento (Enunciado 445 da 5ª Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF/STJ), sendo este o caso dos autos, pois a lesão a valores fundamentais protegidos pela Constituição Federal dispensa a prova dos sentimentos humanos desagradáveis. Portanto, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, imperioso se faz o ressarcimento dos danos morais experimentados pela autora, ocasionados pela conduta ilícita do requerido.”
DISPOSITIVO DA SENTENÇA
POSTO ISSO, nos autos do Processo nº. 5037933-79.2022.8.08.0024, mantenho a liminar a seu tempo proferida, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, resolvendo o mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, pelo que, CONDENO o Requerido: MAXCIONE PITANGUI DE ABREU a pagar indenização por danos morais a Requerente: LUCIANA GOMES FERREIRA DE ANDRADE no montante de R$ 7.000,00 (sete mil reais), com a incidência de juros de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (artigo 397, parágrafo único c/c artigo 405, ambos do Código Civil), e corrigido monetariamente, pelo índice da Corregedoria Local, a contar do arbitramento; CONDENO-O, também, ao pagamento das astreintes arbitradas nas decisões que deferiram a tutela de urgência, nos montantes previamente fixados, tudo a ser apurado em liquidação de sentença por meros cálculos aritméticos.
Sem custas e honorários, por força do que dispõe o artigo 55, caput, da Lei 9.099/95, razão pela qual deixo de apreciar eventual pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita.
Desde logo, anoto que o recurso de embargos de declaração não é instrumento para obtenção de efeitos infringentes e que a reforma desta sentença deverá ser objeto de recurso ao E. Colegiado Recursal.
Publique-se no DJE, nos termos do art. 346 do CPC, por se tratar de réu revel sem advogado constituído nos autos.
Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado e não havendo requerimento da parte interessada, baixem-se e arquivem-se.
Havendo requerimento, intime-se a parte condenada para, em 15 (quinze) dias, cumprir a sentença/acórdão, ficando desde já advertida que o não pagamento no prazo assinalado importará em multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da dívida (artigo 523, §1º, do Código de Processo Civil), revertida em favor do credor.
Transcorrido in albis o prazo para pagamento voluntário (artigo 523 do Código de Processo Civil), além da promoção dos mecanismos judiciais para efetivar o cumprimento de sentença, é autorizado ao credor levar a decisão judicial transitada em julgado a protesto, conforme previsão contida no artigo 517 do Código de Processo Civil.
Ficam desde já avisados os devedores que o pagamento mediante depósito judicial deverá ser realizado obrigatoriamente perante o BANESTES (Banco do Estado do Espírito Santo), nos termos das Leis Estaduais nº. 4.569/91 e nº. 8.386/06 e do Ofício Circular GP nº. 050/2018. A abertura de conta de depósito judicial perante o BANESTES pode ser realizada na Rede de Agências ou na Internet (https://www.banestes.com.br/contas/conta_judicial.html). O pagamento deverá ser prontamente comunicado nos autos.
O descumprimento de qualquer dessas determinações caracterizará violação ao princípio da cooperação (artigo 6º do Código de Processo Civil) e ato atentatório à dignidade da Justiça (artigo 77, IV, c/c §§1º e 2º do Código de Processo Civil), sujeito à multa de até 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa em favor do Fundo Especial do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo.
Existindo depósito, expeça-se alvará eletrônico em favor do requerente ou proceda-se à transferência eletrônica (TED), caso haja expresso requerimento, ciente o credor, nesta última hipótese, de que deverá arcar com as despesas e taxas provenientes da operação (Ato Normativo Conjunto nº. 036/2018 do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo).
Em caso de requerimento de transferência eletrônica, deve a parte informar os seguintes dados bancários: código do banco, agência, conta, com a expressa informação se é corrente ou poupança, nome completo e CPF/CNPJ do titular.
Com o decurso do prazo sem pagamento, o que deverá ser certificado pela Secretaria, intime-se o Exequente, caso possua advogado, para que apresente o valor atualizado da execução, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, sob pena de extinção. Apresentados os cálculos, venham os autos conclusos para SISBAJUD.
Ao cartório para diligências.