Condenado em duas ações penais pela acusação de violência doméstica, o ex-soldado da Polícia Militar e presidente da Associação Nacional de Apoio aos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas (GRUPO ANASP/PROTEVIX), Walter Matias Lopes está foragido da Justiça desde o dia 9 de maio de 2023, quando teve a prisão decretada pela juíza Brunella Faustini Baglioli, da 1ª Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, nos autos do procedimento 0014276-33.2021.8.08.0024, por ter descumprido medidas protetivas em que a vítima é a sua ex-esposa, a auxiliar de serviços administrativos Izabella Renata Andrade Costa, e ainda ameaçar matar a vítima. A ameaça foi feita quando Matias recebeu a intimação de uma oficial de Justiça para devolver um veículo que ele havia “tomado” de Izabella, que se tornou um dos símbolos da luta contra as agressões a mulheres no Espírito Santo.
Policiais da Superintendência de Polícia Interestadual de Captura (Supic) e de uma das unidades do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa têm feito buscas em diversos endereços que seriam de Walter Matias, mas até este momento não lograram êxito. Ele foi caçado em residências que possui em Jardim Camburi e no bairro Inhanguetá, em Vitória; em seus escritórios na Enseada do Suá e na Reta da Penha, também na Capital capixaba; em Jacaraípe, na Serra; e em Guarapari, onde a família possui apartamento e um sítio.
Na terça-feira (12/06) passada, Dia dos Namorados, Matias jantou em um restaurante com sua atual esposa. Postou uma foto em suas redes sociais para mostrar o encontro. Estava, inclusive, ao lado de sua advogada, Gabriela Pinheiro Borges Rodrigues Firmiano (na foto ao lado com Matias), e do marido dela, Alcemir Rodrigues Firmiano, que ocupa o cargo de subcoordenador de Gabinete de Representação Parlamentar na Assembleia Legislativa, no gabinete do deputado estadual Lucínio Castelo de Assumção, o Capitão Assumção (PL), que é amigo pessoal de Matias.
Walter Matias criou, para ele – e outros sócios –, uma entidade chamada Associação Nacional de Apoio aos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas (Anasp), que na verdade se trata da Associação Protevix, que atua no seguimento de proteção veicular. Juntas, as duas entidades foram o Grupo Anasp/Protevix. Mesmo não tendo mais nenhuma ligação legal com a PM, Walter Matias também criou a Associação de Benefícios aos Policiais e Bombeiros Militares do Estado do Espirito Santo (ASPOBOM).
Gabriela Pinheiro Firmiano e o outro advogado de Matias, Jamilson Monteiro Santos, recorreram da decretação a prisão no Tribunal de Justiça, por meio do Habeas Corpus nº 5005180-10.2023.8.08.0000. Inicialmente, o pedido liminar foi distribuído para o desembargador Eder Pontes da Silva, da 1ª Câmara Criminal, que indeferiu o pleito.
No pedido, a defesa alega tratar-se de “possível constrangimento ilegal cometido pelo Juízo da 1ª Vara Criminal de Vitória”. Consta ainda que “foram decretadas medidas protetivas em desfavor do paciente (Matias) nos Autos nº 0014276-33.2021.8.08.0024”, alegando a defesa que o custodiado “vem cumprindo fielmente as medidas fixadas, não se comunicando com a vítima e mantendo a distância legal – o que não é verdade, conforme o leitor verá mais abaixo nesta reportagem.” Sustentou também que Walter Matias “é primário, possui bons antecedentes, ocupação lícita, bem como possui família constituída e três filhos que dependem do seu trabalho para o sustento.”
Afirmou ainda a defesa que o ex-soldado “é detentor de diploma de curso superior (bacharel em Direito), sendo merecedor de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar com monitoramento eletrônico”. Fundamentou, assim, que a decisão que decretou a prisão preventiva merece ser revogada, uma vez que “o fato do Juízo decretar a prisão do paciente pelo simples fato dele ter respondido o oficial de Justiça que foi em sua casa prender um veículo, demasiadamente desproporcional”.
Para o desembargador Eder Pontes, a concessão de liminar em sede de habeas corpus é tida como medida excepcional, admitida tão somente quando “houver grave risco de violência” ao direito de ir, vir e ficar do indivíduo. “Apreciando o caso, verifico, a priori, que restaram preenchidos os requisitos da prisão preventiva do paciente. Desse modo, encontra-se presente a hipótese de admissibilidade (cabimento) para a decretação da custódia cautelar, prevista no artigo 313, inciso III, do Código de Processo Penal, tendo em vista que o crime envolve violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo a custódia necessária para garantir a execução das medidas protetivas de urgência anteriormente decretadas”, pontuou o desembargador.
A juíza Brunella Faustini Baglioli teve que explicar ao desembargador Eder Pontes, por meio de despacho, os motivos que a levaram a decretar a prisão de Walter Matias: “No caso em comento, muito embora intimado das medidas protetivas de proibição de contato e aproximação, o Requerido vem descumprindo a determinação judicial, ocasionando a lavratura de novo boletim unificado. Conforme consta dos autos, durante uma diligência de busca e apreensão de veículo, o Requerido teria se inconformado com a situação e dito à Oficial de Justiça que avisasse à vítima de que ele iria matá-la. Não satisfeito, o Requerido ainda afirmou que seu pai é policial civil, bem como que não tem medo da Justiça nem de ninguém. […] O Requerido age de forma inconsequente, agressiva, buscando a todo custo assustar a vítima. Audacioso, proferiu ameaças de morte através de Oficial de Justiça, passando inclusive a zombar da Justiça.”
Por isso, salientou o desembargador, “quanto aos requisitos previstos no artigo 312, do Código de Processo Penal, verifico que restaram demonstrados a prova da existência dos crimes e os indícios suficientes de autoria, conforme se verifica de toda a documentação juntada aos autos. Quanto ao periculum libertatis, entendo que esse persiste em razão da necessidade de garantia da ordem pública, tendo em vista a gravidade concreta da conduta do paciente de descumprir as medidas protetivas de forma audaciosa e extremamente violenta…”
Prossegue Eder Pontes: “Deve-se destacar a periculosidade social do paciente (Walter Matias), uma vez que já possui outra condenação na mesma Vara por descumprimento de medidas protetivas e agressão, cuja Ação Penal possui o nº 0000369-54.2022.8.08.0024, tendo a sentença julgado procedente a pretensão punitiva estatal”.
Nesse ponto, salienta o desembargador, o entendimento consolidado de que “[…] a preservação da ordem pública justifica a imposição da prisão preventiva quando o agente ostentar maus antecedentes, reincidência, atos infracionais pretéritos, inquéritos ou mesmo ações penais em curso, porquanto tais circunstâncias denotam sua contumácia delitiva e, por via de consequência, sua periculosidade” […]” (STJ; AgRg-HC 771.822; Proc. 2022/0295586-9; SC; Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; Julg. 13/12/2022; DJE 19/12/2022)
Sobre a periculosidade social do ex-soldado Walter Matias, a juíza Brunella Faustini Baglioli, ao prestar informações no presente feito, asseverou o seguinte:
“Ao longo da vigência das medidas, diversas foram as situações de descumprimento, ocasionando a lavratura de novos boletins unificados: BU n° 49376757, BU 46656872, BU 46817593 e BU 51066291. Pelos fatos narrados no BU 46817593, o Requerido foi preso em flagrante e respondeu ao processo preso, sendo ao final condenado pela prática dos crimes previstos no art. 24-A, da Lei 11.340/06 e art.129, caput e art.147, caput, ambos do Código Penal, por ter se aproximado da vítima e seu então namorado, tendo agredido este último com uma garrafa de vidro, além de ameaçá-lo de morte. Após os referidos fatos, foi necessário conceder à vítima, como medida complementar, um dispositivo de segurança preventiva (DSP – “Botão do Pânico”), em razão da gravidade dos fatos e evidente aumento do risco à sua integridade física e emocional. O Requerido apresenta comportamento instável e violento de forma contínua, em desrespeito às normas legais e às determinações emanadas deste Juízo. Ao menos três vezes foi determinada a sua participação no projeto “Homem que é Homem”, desenvolvido pela PCES/Div-DEAM, onde por meio de grupos reflexivos homens autores de violência são levados a refletir sobre as relações de gênero, formas pacíficas de lidar com os conflitos, identificação e reflexão a respeito das violências vivenciadas nas suas relações, bem como, aspectos relativos à relação familiar, propondo a estes homens, nas dinâmicas propostas nos grupos, pensar o espaço subjetivo ocupado na família como um lugar democrático de convivência. Em todas as vezes, não obstante devidamente intimado pessoalmente e por sua Defesa constituída, optou por descumprir também esta ordem judicial. […] A conduta do Requerido ao longo do processo é reprovável. As constantes notícias de descumprimento demonstram a ausência de intenção por sua parte de cessar a violência contra a vítima. Muito pelo contrário. Opta por mantê-la, de forma ofensiva, violenta e arrogante. Ressalto que o Requerido possui histórico de violência doméstica envolvendo ao menos outras duas vítimas (0008697-24.2013.8.08.0012 e 0008848-80.2015.8.08.0024). Não se trata de um caso isolado, mas sim de um padrão de comportamento violento e voltado à prática de violência contra mulheres. Suas atitudes demonstram, de forma evidente, a violência doméstica vivenciada pela vítima e o perigo que representa em liberdade, restando claro que os motivos ensejadores da prisão preventiva se mantém, sendo necessários para garantia da ordem pública, aplicação da lei penal, garantia da instrução criminal e, especialmente, garantia da integridade física e emocional da vítima.”
Cabe ressaltar, prossegue o desembargador Eder Pontes, “que o fato de Walter Matias descumprir reiteradamente medidas protetivas de urgência e, ainda, de forma afrontosa, por meio da oficial de Justiça, servidora da Justiça, demonstra a sua periculosidade e a necessidade da sua custódia preventiva para assegurar a ordem pública.” Logo, concluiu o magistrado, “restou demonstrado concretamente o perigo gerado pelo estado de liberdade do custodiado, ante o sério e concreto risco de reiteração delitiva, caso seja solto, sendo a custódia necessária para resguardar a ordem pública.”
Portanto, decidiu Eder Pontes, “em cognição sumária, típica dos pedidos liminares, a partir da prova pré-constituída carreada ao presente mandamus, entendo que a manutenção da custódia preventiva de Walter Matias Lopes encontra-se devidamente fundamentada e respaldada em dados concretos constantes dos autos, tal qual exige a legislação vigente, devendo, neste momento embrionário, ser mantida.”
Ademais, quanto à alegação acerca da presença das condições pessoais favoráveis, tais como ser primário, possuir bons antecedentes e ocupação lícita, “nossos Tribunais Superiores, bem como este Tribunal de Justiça Estadual, têm decidido, majoritariamente, que a referida alegação, por si só, não obsta a decretação ou manutenção da prisão quando presentes seus requisitos legais, como ocorreu in casu.
Quanto à alegação de que o paciente possui “três filhos que dependem do seu trabalho para o sustento”, o desembargador Eder Pontes salienta que tal fundamento não tem o condão de revogar sua custódia cautelar, uma vez que Walter Matias não comprovou ser o único responsável pelos cuidados de seus filhos, nos termos do art. 318, do Código de Processo Penal.
Prosseguindo, o desembargador pondera que, “quanto à alegação defensiva de que o paciente possui graduação em curso superior, razão pela qual pugnou pela concessão de prisão domiciliar, tal tese, além de não restar comprovada nos autos, não encontra mais amparo em nossa jurisprudência pátria, diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADPF nº 334, nos quais, ‘por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado na presente arguição, para declarar a não recepção do art. 295, inciso VII, do Código de Processo Penal, pela Constituição de 1988, nos termos do voto do Relator. Plenário, Sessão Virtual de 24.3.2023 a 31.3.2023”.
Por derradeiro, fundamenta o desembargador Eder Pontes, “saliento que adoto o entendimento de que, restando demonstrada a presença dos requisitos legais para a manutenção da custódia preventiva, o que ocorreu nos presentes autos, não há que se falar na aplicação das medidas previstas no artigo 319, do Código de Processo Penal, já que, com a demonstração da necessidade e adequação da medida segregatícia, tem-se que as medidas cautelares diversas da prisão constantes no supracitado dispositivo legal se apresentam insuficientes na aferição do binômio necessidade/adequação. Não obstante, é imperioso consignar que a matéria veiculada no presente habeas corpus será devidamente analisada quando da apreciação do mérito, oportunizando um aprofundamento maior, que é impossibilitado em sede de cognição sumária.”
O habea corpus será, agora, analisado pela colegiado da 1ª Câmara Criminal, em data ainda a ser marcada. No entanto, a 1ª procuradora de Justiça Criminal Márcia Jacobsen, que atua no âmbito do segundo grau do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, se manifestou contra a concessão do habeas corpus. “Contrariando o alegado pelo impetrante, observa-se que o douto magistrado fundamentou de forma correta a manutenção da prisão preventiva ao indeferir o pedido de liberdade provisória, entendendo que tal medida se fazia necessária para garantir da ordem pública. Observa-se da decisão acima colacionada, restar externado claramente que em virtude da gravidade do delito supostamente cometido, mostra-se imperativo o resguardo da ordem pública, denotando desta forma, motivação concreta, extraída dos contornos fático-probatórios dos ilícitos cometidos, panorama que indubitavelmente legitima a segregação cautelar imposta”, afirma a procuradora de Justiça Márcia Jacobsen.
Quem é Walter Matias
Walter Matias Lopes foi soldado da Polícia Militar. Deu baixa – pediu para sair – depois de responder a um Inquérito Policial Militar por deserção. Na verdade, segundo a PM, ele teria se beneficiado de atestados médicos falsos para não trabalhar. Foi intimado a voltar ao trabalho e, como se recusou, acabou sendo considerado desertor, um dos crimes mais graves dentro de um ambiente militar. Saiu da corporação para não ser expulso.
É ligado a políticos. Foi assessor parlamentar do deputado estadual Capitão Assumção. Foi exonerado do cargo depois de mais uma vez agredir a ex-esposa Izabella. Mesmo de fora da Assembleia Legislativa, Matias é apontado como um dos coordenadores do Gabinete do Ódio, criado por Assumção, quando tomou posse para o primeiro mandato, em 2019, como forma de atacar, com fake news, o governador Renato Casagrande (PSB), secretários de Estados, além de membros do Ministério Público e do Judiciário.
Matias também sempre foi fiel escudeiro do ex-deputado federal e candidato derrotado duas vezes ao Governo do Estado, o médico e empresário Carlos Manato. Matias, aliás, foi um dos coordenadores da campanha de Manato nas eleições de 2022. Foi durante a campanha que ele e Manato foram desmascarados pelo candidato à reeleição, o atual governador Casagrande, num debate na TV Vitória, no dia 20 de outubro do ano passado: “Como deputado federal você viu a Izabella machucada e não tomou providência. Seria o mínimo levá-la à Delegacia de Mulheres”, provocou Renato Casagrande na ocasião. “Walter Matias bateu na mulher e foi condenado, ficou vários dias preso…A relação dele com a mulher dele é problema dele, não é meu”, reagiu Manato, ao assumir ter sido omisso.