Três anos depois de ter sido vítima de prisão arbitrária – reconhecida pela Justiça – e de agressão por parte de policiais militares do 13º Batalhão da Polícia Militar (São Mateus), o advogado Bruno dos Santos Ramos, 36 anos, foi absolvido no âmbito criminal e ainda vai ser indenizado pelo Estado em R$ 8 mil. A absolvição na Justiça Criminal acolhe pedido da defesa e do próprio Ministério Público do Estado do Espírito Santo, que, nas Alegações Finais do processo, reconheceu a inocência de Bruno, que havia sido indiciado pela Polícia Civil pelo suposto crime de desacato à autoridade só porque havia filmado a prisão de um cliente acusado de manter passarinhos em gaiola. À época dos fatos – setembro de 2019 –, Bruno Ramos era membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (OAB/ES). A Ordem já era presidida pelo atual mandatário, José Carlos Rizk Filho, e a entidade nada fez para defender as prerrogativas de seu filiado.
De acordo com o processo 0003878-89.2020.8.08.0047, julgado no dia 14 de dezembro de 2021 pela juíza Fábia Médice de Medeiros, do 2º Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública de São Mateus, o advogado Bruno foi preso ilegalmente em 23 de setembro de 2019, quando foi chamado para comparecer à residência de seu cliente Patrick de Oliveira Trega, onde ocorria uma operação da Polícia Militar, no distrito de Braço do Rio, em Conceição da Barra. A operação visava recolher pássaros.
O advogado alega na Ação Cível que “o soldado Wagner deu-lhe um golpe no pescoço (gravata) e algemou suas mãos”, após tentar filmar com seu celular a operação na residência. Bruno Ramos foi algemado e colocado dentro do camburão, junto com seu cliente. Afirmou ainda no processo que no trajeto de Braço do Rio a São Mateus – onde foi autuado na Delegacia Regional – bateu a testa na grade de compartimento da viatura, após o motorista da guarnição “passar propositadamente por trechos esburacados, no distrito de Sayonara.
Disse ainda que no estacionamento da Delegacia de São Mateus permaneceu algemado dentro da viatura por mais de 20 minutos, com os vidros fechados; que as algemas só foram retiradas às 19h32, momento em que pôde acenar para sua família que estava do lado de fora da delegacia.
De pronto, a juíza Fábia Médice de Medeiros registra na sentença que “é um direito do advogado exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional, conforme preceitua o artigo 7º, inciso I, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.” Ademais, explica a magistrada, “nos termos do art. 7º, inciso IV, c.c. § 3º, do mesmo Estatuto, somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, bem como de ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB.”
E sacramenta: “Analisando as provas carreadas aos autos, verifica-se que a sobredita prisão em flagrante foi realizada sem a observância dos preceitos legais, sendo, inclusive, sucedida de vários abusos cometidos pelos agentes policiais.” A juíza Fábia Médice de Medeiros transcreve na sentença trechos do depoimento da testemunha Karliesiane de Oliveira Trega:
“…Que a depoente é mãe de Patrick; que foi a depoente quem pediu para chamar o Dr. Bruno em sua residência, localizada na mesma rua em que mora o Dr. Bruno; […] que quando chegou em sua residência o autor já estava no interior da mesma; que o advogado estava calmo e não falava nada; […] que o autor se identificou perante os policiais como advogado; que os policiais aparentavam estar nervosos e um deles falou que Bruno deveria ser preso, pois estava com o celular ligado; que Bruno não atrapalhou a operação policial; que antes de ser algemado Bruno sofreu uma imobilização comumente conhecida como “gravata”; que Bruno não apresentou nenhuma resistência quanto ao uso das algemas; […] que a depoente veio a delegacia; que ouviu a Dr.ª Simone pedir para tirar as algemas de Bruno, mas essas não foram retiradas de imediato; […] que quando chegou a delegacia Bruno ainda estava no interior da viatura. (grifamos).
Para a magistrada, “restou satisfatoriamente comprovado o dano moral experimentado pelo requerente (Bruno Ramos), ante a sua prisão ilegal, sucedida de abusos cometidos pelos agentes do Estado, mediante o uso injustificado da força, fazendo jus, desse modo, a uma indenização pelos danos morais sofridos.”
Fábia Médice de Medeiros condenou o Estado a pagar ao advogado Bruno Ramos uma indenização, a título de dano moral, no valor de R$ 12.000,00, com correção monetária a partir do arbitramento. No entanto, a Procuradoria-Geral do Estado recorreu e ação foi analisada pela 5ª Turma do Colegiado Recursal do Tribunal de Justiça. O relator do recurso, juiz Felipe Leitão Gomes, manteve a condenação, mas reduziu a indenização para R$ 8 mil. O acórdão foi publicado no dia 4 de outubro de 2022.
O descaso da OAB/ES com seu associado
Dono da inscrição 28543 – ele atua na advocacia desde 28 de julho de 2017 – na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Espírito Santo, Bruno dos Santos Ramos tem críticas a fazer à gestão do atual presidente da OAB/ES, José Carlos Rizk Filho. “Embora eu tenha sido preso ilegalmente e no exercício da advocacia, agredido e algemado em setembro de 2019, até este momento a Ordem não promoveu nenhum desagravo a meu favor. Depois do meu caso, surgiram outros em que a OAB se manifestou em favor dos colegas. E olha que, na época, eu era membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem”, desabafa Bruno Ramos.
Ele se desligou da Comissão de Direitos Humanos, “por conta da inércia” do dirigente máximo da Ordem: “É lamentável a falta de manifestação do presidente da OAB/ES (Rizk Filho). Não me deu apoio em momento algum. Tive apoio do Judiciário, que reconheceu, em duas ações – Cível e Criminal –, que fui vítima de violação e tive minhas prerrogativas de advogado desrespeitadas pelos policiais militares. A OAB foi omissa; a Justiça, não”, disse Bruno Ramos.
A Comissão de Prerrogativas da OAB/ES deu dois pareceres em favor de Bruno Ramos. No primeiro parecer, datado de 11 de maio de 2020, o conselheiro Paulo Braga cita que “as informações preliminares indicam possível ofensa às prerrogativas profissionais, posto que o Reclamante (Bruno) foi até o local, identificando-se como advogado da pessoa que era socorrida e recebeu, ao que tudo indica, tratamento totalmente inadequado, para se dizer o mínimo.” As informações se referem ao laudo médico, que constatou agressões físicas sofridas pelo advogado quando foi preso por policiais militares em 23 de setembro de 2019.
“Ainda numa análise superficial, o caso parece comportar a utilização da figura do desagravo”, relatou Braga, que, no mesmo documento, sugeriu à OAB/ES “auxiliar o Reclamante (Bruno Ramos), seja assistindo-o ou patrocinando sua defesa no bojo da persecução criminal em destaque, bem como, em eventuais processos cível e administrativo que sejam instaurados em razão do ocorrido.”
O segundo parecer é de 01 de junho de 2020. Nele, o conselheiro Paulo Braga pontua que, “como adiantado, o caso em análise parece comportar a utilização da figura do desagravo, sendo necessário todo apoio ao colega. Após referido parecer, aportaram aos autos novos documentos que ao meu sentir só reforçam a opinião já externada alhures.” E mais: “Cumpre reiterar que, dadas as formalidades ínsitas ao instituto do desagravo, bem como à sua força simbólica, é indispensável ouvir as autoridades envolvidas, policiais e delegado de polícia, para que seja possível deliberação acerca do desagravo.”
Paulo Braga finaliza: “Ressalto que a situação ora trazida ao conhecimento da Ordem dos Advogados do Brasil é muito séria, e que se comprovadas as violências e desrespeito às prerrogativas profissionais, cumpre-nos ser intransigentes na busca da punição de todos os envolvidos.”
Apesar dos dois pareceres elaborados pela Comissão de Prerrogativas, ainda em 2020, nada foi feito pelo presidente da OAB/ES, José Carlos Rizk Filho (Foto), em favor do advogado Bruno Ramos até o momento da postagem desta reportagem. Embora a atual presidência da OAB/ES o tenha abandonado, o advogado Brumo Ramos nunca desistiu de contar com o apoio institucional da entidade que ele ajuda a se manter. No dia 14 de outubro de 2020, ele encaminhou outro ofício à Ordem, relatando que “a transgressão à prerrogativas de Advogado denunciada nestes autos 154222020-0), já com parecer para realização de Desagravo ( advogado preso no exercício da profissão, algemado, mantido em compartimento de viatura no pátio da delegacia, com Laudo de Lesões Corporais Positivo) encontra-se tramitando perante a Corregedoria do 13º Batalhão da Policia Militar de São Mateus, já contando com ato para oitiva deste advogado para o dia 19 de Outubro de 2020, às 14horas, na sede daquela instituição, conforme anexo. Consulto a OAB/ES, por meio de sua Seccional e Subseção, se haverá apoio ao colega nesta ocasião.” A resposta foi ‘NÃO’.
O advogado Bruno Ramos desistiu de continuar sua luta dentro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/ES. No dia 24 de maio de 2021, ele encaminhou ofício ao Colegiado, em que faz um relato de seu duplo sofrimento: primeiro, nas mãos de policiais militares, em setembro de 2019, em Conceição da Barra; depois, mediante à omissão da presidência da Ordem, que nada fez para defender a prerrogativa do advogado: “Os fatos que se encontram em tramite pelo sistema DATAGED, Processo Nº 154222020-0, contam hoje com mais de 02 anos. Ou seja, a OAB/ES tem total conhecimento da violência contra mim praticada. Eu, que sempre atuei na defesa dos Direitos Humanos, tive os meus lesionados, sem que nenhum ‘Bruno’ viesse em meu favor”, pontua ele.
Bruno Ramos desabafa: “…Registro que não há palavras pra expressar o tamanho da minha dor pelo ocorrido contra mim, no exercício da Advocacia. E o que mais me dói é assistir do lugar mais privilegiado, a omissão da Ordem com relação ao meu sofrimento. Durante este período tentei ser ouvido, por diversas vezes, solicitando reunião com o Presidente da Seccional e da Comissão de Prerrogativas, inclusive via Gabinete da OAB/ES mesmo que de forma remota, sem sucesso. Peticionei no Dataged, como sempre exigiam que o fizesse para ‘se obter uma resolução mais célere’. Sem Sucesso. Assim sendo, me parece ser a decisão mais acertada, há muito tempo, recolher o que resta da minha dignidade e desligar-me do quadro de colaboradores voluntários da atual gestão da OAB/ES e consequentemente declino da Nomeação de Membro da Comissão de Direitos Humanos. Faço isso, embora muito magoado com a Omissão da OAB para com as violações que sofri, de coração aberto, sem qualquer viés ideológico e sem quaisquer razões políticas, caráter que pode ser sugerido em razão do aproximar das eleições.”