A procuradora de Justiça Elda Márcia Moraes Spedo determinou, nesta quarta-feira (15/06), o arquivamento das Representações Criminais 0029501-68.2021.8.08.0000 e 0029505-08.2021.8.08.0000, propostos, respectivamente, pela deputada federal Soraya de Souza Mannato, a Doutora Soraya Manato (PTB), e pelo deputado estadual Carlos Von Schilgen Ferreira, que se identifica pela alcunha de Carlos Von (DC), para apurar supostas irregularidades na licitação que implantou no Espírito Santo o Cerco Cerco Integrado e Inteligente. A decisão do Ministério Público do Estado do Espírito Santo será encaminhada ao relator dos dois procedimentos no Tribunal de Justiça, desembargador Fábio Clem de Oliveira.
As representações fazem parte de uma série de procedimentos levados à Justiça Estadual e Federal por parlamentares de oposição ao governador Renato Casagrande (PSB) e que foram todas analisadas, discutidas e rechaçadas tanto pelo Judiciário no Estado quanto em Brasília – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
Embora em documentos diferentes, as duas Representações Criminais têm os mesmos fundamentos e foram protocoladas por Soraya Manato e Carlos Von no mesmo dia, inicialmente, no STJ. Os procedimentos foram para o STJ porque um dos alvos dos dois parlamentares era o governador Casagrande, que tem prerrogativa de foro no Superior Tribunal de Justiça.
A procuradora de Justiça Elda Márcia Spedo informa que os dois procedimentos arquivados consistem na narrativa de possíveis atos de improbidade administrativa, crimes contra a administração pública e crimes contra o processo licitatório, referente à contratação do “cerco eletrônico” para o Estado do Espírito Santo, licitado pelo Detran nos pregões eletrônicos nº 14/2020 e nº 21/2020 (Processo nº 2019- 3B685), cujo vencedor do certame foi o Consórcio “Pedras Verdes”, liderado pela empresa DAHUA TECHNOLOGY BRASIL.
Os autos foram apensados porque constituem representações direcionadas, na origem, ao Superior Tribunal de Justiça ante a hipótese de eventual participação de autoridade com foro por prerrogativa da função – no caso, o governador do Estado. As peças iniciais foram autuadas como sindicâncias, sob os números 808/DF e 809/DF, e analisadas conjuntamente em razão da conexão e similitude da narrativa exposta nos autos.
A narrativa de Soraya Manato e Carlos Von é a mesma. Alegam que a empresa DAHUA, líder do consórcio “Pedras Verdes”, teria vencido o pregão eletrônico 14/2020 “em decorrência do direcionamento ilícito do certame promovido por agentes públicos, em comunhão de desígnios com diretores da referida empresa, para a celebração de contrato no valor de R$ 139 mil”.
Segundo o dois parlamentares, os elementos que comprovam a narrativa apresentada estão inseridos em um pen drive, enviado a um veículo de imprensa pela área comercial da empresa DAHUA “e que a iniciativa do envio seria a discordância com as práticas de suborno e propina adotadas pelo diretor e gerente de engenharia da empresa.”
Soraya Manato e Carlos Von alegam a participação do governador Renato Casagrande “por não defender a realização de apurações rigorosas e responsabilização dos envolvidos, limitando-se a emitir nota oficial”. O Ministério Público Federal e o relator dos dois procedimentos no STJ, ministro Luís Felipe Salomão, declinaram da competência em favor da Justiça Comum Estadual do Espírito Santo, em razão da ausência de imputações concretas acerca da atuação do governador Casagrande.
Ausência de justa causa para instauração de procedimento de natureza investigatória. Nulidade de provas. Elementos derivados de origem viciada (fruits of the poisonous tree). Incidência do art. 17, §6º-B, da Lei 8.429/1992.
Nas duas Representações Criminais, a procuradora de Justiça Elda Márcia Spedo explica: “Afiro dos autos que o representante lastreia suas alegações em provas flagrantemente ilícitas, qual seja, arquivos dispostos em dispositivo eletrônico de dados (pen drive) de origem incerta e de conteúdo, se verídico, privado. Registre-se que não é informada a origem da prova apresentada, não havendo explicação de como o dispositivo pen drive, contendo supostas mensagens e e-mails trocados entre representantes das empresas participantes do certame e servidores públicos, chegou ao conhecimento do representante e dos veículos de imprensa, a toda evidência porque se trata de meio de prova ilícito, obtido sem autorização judicial, em afronta à inviolabilidade do sigilo das comunicações (art. 5, inciso XII da CF) e à intimidade (art. 5º, X da CF), protegidos pela Constituição Federal, e que apenas podem ser excepcionados por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”
Em âmbito infraconstitucional, prossegue Elda Márcia Spedo, a Lei nº 12.965/2014, que “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”, estipula diversas proteções à privacidade, aos dados pessoais, à vida privada, ao fluxo de comunicações e às comunicações privadas dos usuários da internet, sobretudo em seu art. 7º, inciso III, a inviolabilidade e sigilo das comunicações/dados privados armazenados, “salvo por ordem judicial”.
Afirma a procuradora de Justiça: “Percebe-se, portanto, que os dados armazenados em comunicações privadas somente podem ser acessados mediante prévia decisão judicial – matéria submetida à reserva de jurisdição. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é assente no sentido de inadmitir deflagração de investigação baseada em prova ilícita.”
Ela diz mais: “Com efeito, da análise dos documentos, evidencia-se que o encadeamento de mensagens eletrônicas, cuja autenticidade sequer é atestada, foi igualmente obtida por meio sub reptício, sem autorização dos supostos interlocutores ou de órgão judiciário competente, estando a situação amoldada à tese fixada pelo STF no Tema 1041: ‘Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo’ (aí compreendido o telemático). Portanto, qualquer diligência que advenha da mesma origem de ‘provas’ não se configura diligência proveniente de ‘fonte independente’, mas sim obtenção de novos elementos derivados de uma origem viciada (fruits of the poisonous tree).”
A procuradora de Justiça Elda Márcia Spedo salienta que demandas semelhantes foram minuciosamente analisadas no âmbito do segundo do Ministério Público Estadual nos autos dos procedimentos GAMPES nº 2021.0004.9461-26, 2021.0010.1786-22, 2021.0007.4175-53, 2021.0006.1312-45, 2021.0002.2299-53, 2021.0004.2042-05, 2021.0006.9934- 63, 2021.0008.2383-35, 2021.0010.9492-12, 2021.0009.8202-59, 2021.0008.9638-03, 2021.0014.1780-95 e 2021.0008.3580-53, os quais foram arquivados.
3) Não incidência da lei de improbidade administrativa. Licitação fiscalizada desde o seu início pelo Ministério Público em sede de Inquérito Civil. Fixação da 27ª Promotoria de Justiça como órgão natural prevento. Arquivamento por origem ilícita das provas e ausência de justa causa.
Soraya Manato e Carlos Von suscitam a incidência da Lei de Improbidade Administrativa e assim se utilizam de argumentos para requerer a suspensão do processo licitatório do cerco eletrônico estadual, que já teve seu término homologado e o seu objeto adjudicado ao consórcio vencedor mediante Contrato nº 055/2021.
“Sobre o tema, observo que a 27ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória instaurou Inquérito Civil nº 2020.0005.7716-12 para apurar, de modo preventivo, ainda no curso do certame, possíveis (i)legalidades decorrentes do processo licitatório nº 2019.3B685, notadamente o suposto direcionamento do objeto de contratação (implantação de cerco inteligente de monitoramento) à empresa DAHUA”, diz a procuradora de Justiça.
Vale dizer que, também nesse caso, foram apresentados pelo deputado estadual Carlos Von, pelo vereador Armandinho Fontoura (Podemos/Vitória) e pelo jornal Folha do ES, manifestações que reportavam a existência de um dispositivo pen drive que abrigava supostas provas de direcionamento da citada licitação, contudo, consideradas ilícitas pelo Promotor de Justiça Natural, motivo pelo qual não foram juntadas aos autos.
O Inquérito Civil nº 2020.0005.7716-12 foi arquivado por ausência de elementos mínimos à comprovação da prática de atos de improbidade administrativa, havendo, inclusive, homologação do arquivamento pelo Conselho Superior do Ministério Público.
“Adicione-se, nesse enredo, a Decisão nº 03297/2021-1 do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, que igualmente concluiu pela inexistência de elementos hábeis a suspender o procedimento licitatório e pela carência indícios de direcionamento da licitação.
O mencionado inquérito civil, foi deflagrado no âmbito do Ministério Público capixaba muito antes do caso ‘pen drive da corrupção’ vir à tona. Ele sim – o inquérito civil – é fonte independente e não contaminada, atividade instrutória lícita e desenvolvida dentro do aparato do Estado de Direito, tendo surgido como procedimento de acompanhamento de política pública, já que o que se pretendeu contratar (cerco inteligente) é relevante para o transporte rodoviário de rochas graníticas e outras cargas, em razão dos inúmeros casos de vidas ceifadas com o transporte irregular, algo notório neste Estado, além dos inúmeros prejuízos causados para as estradas de rodagem, em razão do excesso de peso”, ensina Elda Márcia Spedo
Outras representações idênticas apresentadas pelo Deputado Estadual Carlos Von Schilgen Ferreira. Direcionamento genérico à diversas instituições. Ação popular nº 5023976- 45.2021.8.08.0024. Pleitos fulminados.
Na decisão pelo arquivamento, o Ministério Público esclarece que o deputado Carlos Von apresentou reclamações, de semelhante conteúdo, embasadas na mesma origem ilícita – documentos dispostos sem autorização judicial em dispositivo pen drive –, a diversas instituições. É o que se infere das diversas frentes deflagradas pelo mesmo autor já contempladas pelo Ministério Público Estadual, conforme exposto no tópico 2, e nas demais instituições de controle, como é possível aferir da simples conferência do cabeçalho de destinatários constante na presente inicial. A 27ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória arquivou igual representação por ilicitude da prova, e igualmente a matéria no mérito nos autos do inquérito civil público n.º 2020.0005.7716-12 por não ter identificado qualquer irregularidade no bojo procedimento licitatório nº 2019-3B685.
No entanto, o parlamentar ajuizou Ação Popular nº 5023976-45.2021.8.08.0024 contra o DETRAN/ES, no bojo da qual visivelmente requentou os fatos do “pen drive da Corrupção” para tratar sobre o mesmo caso em juízo distinto, explica o Ministério Público. Irresignado com o despacho inicial que sobrestou a apreciação da medida liminar para momento posterior à apresentação de parecer pelo Ministério Público estadual, Carlos Von interpôs Agravo de Instrumento (autos nº 5006611-50.2021.8.08.0000), que foi deferido pelo desembargador-relator Jorge Henrique Valle dos Santos, e, na imediata sequência, suspenso por decisão do presidente do STJ, ministro Humberto Martins, o qual, em sua decisão, fez remissão aos fundamentos utilizados pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo.
Em recente decisão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça replicou os fundamentos expostos na decisão monocrática para negar provimento ao agravo interno. Inconformado, o parlamentar deflagrou a Reclamação nº 51.320, no Supremo Tribunal Federal, também improcedente no Pretório Excelso, por entender a ministra Rosa Weber que a decisão reclamada não ostenta caráter constitucional direto, sendo necessária a prévia interpretação da legislação infraconstitucional.
“Vê-se, pois, que inúmeras demandas restaram frustradas e fulminadas, inclusive no STJ e no STF, tudo a demonstrar a insubsistência das alegações da parte representante”, pontuou Elda Márcia Spedo.