Sob o título “Polícia Científica Autônoma da Polícia Civil e suas Consequências”, o ilustre diretor do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil, Bruno Taufner Zanotti, expõe neste renomado Blog do Elimar Côrtes artigo com interpretação pessoal a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 6621/TO que reconhece e reitera a constitucionalidade da AUTONOMIA DA POLÍCIA CIENTÍFICA.
Importante frisar para conhecimento público que a Polícia Científica é autônoma em relação às Polícias Civis já em 19 (dezenove) Estados da federação. Importante frisar, também, que os Peritos Oficiais da Polícia Científica nutrem profundo respeito pelas demais Instituições Policiais, notadamente a Polícia Civil, pretendendo continuar lado-a-lado o trabalho de parceria em prol do enfrentamento da criminalidade como sempre pautaram as atividades periciais.
Reiteradas Recomendações de órgãos nacionais e internacionais defendem a autonomia da Polícia Científica. Ela vem contida, inclusive, no Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3): “que os órgãos de perícia em todo o país possuam autonomia administrativa, financeira, orçamentária, funcional e independência institucional”.
A autonomia se dá em face do evidente fato de que compete à Polícia Científica a materialização das provas contra toda e qualquer pessoa, tanto fundamentando condenações quanto absolvições, devendo ser um órgão com plenas garantias para exercer suas imprescindíveis atividades, objetivando solucionar os crimes e conter a impunidade.
Naturalmente, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade Interpostas no Supremo Tribunal Federal – STF se opondo à AUTONOMIA da Polícia Científica (Pericia Oficial), contestando a constitucionalidade das leis estaduais que asseguram esse direito, foram quase todas de inciativa da Entidade Nacional dos Delegados de Polícia.
Segundo afirma o autor do artigo: “como o rol do art. 144 da constituição federal é meramente exemplificativo, o STF consignou que os órgãos de segurança pública são aqueles indicados pelo art. 9º, §2º, do sistema único de segurança pública (SUSP)”. Respeitando sua opinião pessoal, o STF não criou novo “rol taxativo” baseado unicamente no SUSP, e sim “promove a flexibilidade dos órgãos responsáveis pela segurança pública, retirando, portanto, a taxatividade do caput do art, 144 da CRFB/88”.
Ao fazê-lo, o STF reafirmou (já por várias vezes) a AUTONOMIA da Polícia Científica, assegurando a plena constitucionalidade de sua vinculação direta à Secretaria de Segurança. E mais: deu em várias ADI’s ao termo Polícia Científica “interpretação conforme”, não delimitando os departamentos ou institutos que a integram – diversos em cada unidade federada – às disposições do SUSP. Não excluiu, portanto, estruturas de Polícia Científica que albergam também departamentos de laboratórios forenses, além dos departamentos de criminalística, de identificação e de medicina legal previstos no SUSP.
Nos exatos termos do voto do e. Ministro Relator da ADI 6621/TO: “No mérito, assevera que, em precedente firmado pelo Tribunal Pleno (ADI nº 2575, de minha relatoria, DJe de 16/11/20), a Corte assentou que a faculdade de desenhar institucionalmente os órgãos de polícia científica foi garantida aos estados. Parte, portanto, dessa premissa para afirmar que ‘tanto podem os estados optar por garantir a autonomia formal aos institutos de criminalística, quanto podem integrá-lo aos demais órgãos de segurança pública, sem que isso importe ofensa material à Constituição’.”
Deixando de ser policiais civis evidentemente perde-se as prerrogativas a eles inerentes, mas passa-se a ter prorrogativas inerentes à Polícia Científica (a par de os Peritos Oficiais já possuírem atribuições específicas mesmo como policiais civis). Estas prerrogativas podem e devem ser uma “construção” estadual feita junto à segurança pública de cada ente federado, observando-se a autonomia funcional em conjunto com leis dos demais estados já autônomos e com as decisões do STF nas ADI’s interpostas versando sobre o assunto. Notadamente, em face da decisão do STF na ADI 6621/TO e várias outras sobre este tema.
No que tange à aposentadoria especial dos integrantes da Polícia Científica, os Peritos Oficiais lidam diretamente com o crime e com os criminosos, são responsáveis por exames de corpo de delito em incontáveis perícias diárias de locais de extrema violência e criminalidade e correm risco de vida extremo no exercício de suas atividades. Soma-se a isso o exercício de atividades absolutamente insalubres. Ou seja: as atividades policiais exercidas pelos Delegados nas delegacias se assemelham às desempenhadas pelos Peritos. Deixar de observar esses fatos incontestáveis na construção da autonomia da Polícia Científica seria desumano, desarrazoado e contrário a preceitos e princípios constitucionais. Um direito legalmente assegurado não pode gerar consequências nefastas a vidas humanas.
Além disso, o STF já julgou constitucional a adoção da aposentadoria especial para os Peritos Oficiais na ADI 5403: “Os trabalhadores expostos a situações de risco pessoal ou a condições insalubres estão entre os que podem ser beneficiados por requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria (artigo 40, parágrafo 4º, incisos II e III, atuais parágrafos 4º-B e 4º-C). Por maioria de votos a favor do entendimento do ministro Alexandre de Moraes, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em deliberação virtual, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.403, em que a Procuradoria-Geral da República questionava leis complementares do Rio Grande do Sul que disciplinam a aposentadoria especial de servidores ligados ao Sistema Penitenciário e ao Instituto-Geral de Perícias, órgão autônomo vinculado à Secretaria de Segurança Pública do estado”. Marcelo Camargo/Agência Brasil
A Carteira de Policial Civil, muito honrosamente utilizada, naturalmente será trocada para a Carteira de Policial Científico. Quanto ao porte de armas, a recente decisão do STF na ADI 6621/TO alarga sobremaneira a interpretação conforme dada ao termo Polícia Científica. O porte de armas curtas e longas deve estar atrelado às atribuições do órgão, notadamente observando-se o “poder de polícia” no exercício das atividades periciais para a resolução dos crimes, no risco iminente das atividades da Polícia Científica e na indiscutível exposição da vida dos Peritos Oficiais lidando direta e permanentemente com os crimes e com os criminosos.
Poder de Polícia: “Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.” (Lei 5172/66).
Por fim, em nenhum local do país a autonomia fez com que os Peritos Oficiais passassem a “ser categorizados como servidores civis em sentido estrito”. Possuem leis próprias, estatuto próprio, regime jurídico específico, direitos e deveres próprios como Policiais Científicos.
O ES pode vir a ser modelo nacional na estruturação da segurança pública e da Polícia Científica. Mais do que “consequências”, são as CAUSAS que constitucionalmente impõem uma Polícia Científica plenamente reconhecida, cidadã, voltada para a resolução efetiva e fundamentada dos crimes e o enfrentamento da impunidade. Investimentos diretos e crescimento da Perícia Oficial.
A população será a maior beneficiada com a AUTONOMIA DA POLÍCIA CIENTÍFICA.
(*Antônio Tadeu Nicoletti Pereira – Presidente do Sindicato dos Peritos Oficiais – SINDIPERITOS; Pós-graduado em Direito na Escola da Magistratura e na Escola Superior do Ministério Público)