O autor alega, em resumo, na petição inicial de ID nº 8670462 e na emenda de ID nº 8853145, que: (a) foi surpreendido, no dia 18/08/2021, com uma publicação realizada pela ré Soraya em suas redes sociais (facebook e instagram), divulgando informação completamente distorcida da realidade (fake news); (b) a referida publicação busca, a partir de um relato falseado do contexto em que se deu a “Operação Reditus” (segunda fase da “Operação SOS”, conduzida pela Polícia Federal), atingir as estruturas orgânicas do Estado do Espírito Santo, especialmente dos agentes da Secretaria de Estado da Saúde (SESA), de modo a desmoralizá-la e desacreditá-la perante a sociedade capixaba; (c) a publicação maliciosamente veiculada na internet contém a informação de que a Polícia Federal teria cumprido 60 mandados de prisão em operação que apura desvios de R$ 1,2 bilhão na Saúde do Espírito Santo, enquanto a imprensa noticiou que a investigação diz respeito a desvio de recursos em contratos de R$ 1,2 bilhão na saúde do Pará, o que resultou na expedição de mandados de prisão para cumprimento em diversos Estados, inclusive no Espírito Santo.
Além disso, afirma que: (d) a ré Soraya, ciente de que não era verdade o que estava postando em suas redes sociais, pegou o título da notícia veiculada pela CNN Brasil e alterou a redação, para substituir “Pará” por “Espírito Santo”; (e) a partir daí, dezenas de seguidores passaram a atacar as estruturas do Estado do Espírito Santo, especialmente a SESA e o Chefe do Poder Executivo, tendo havido 320 (trezentos e vinte) compartilhamentos, a ensejar a disseminação de desinformação que busca fragilizar os atos praticados pela SESA em plena pandemia; (f) os atos praticados pela ré Soraya devem ser sindicados à luz da Lei nº 12.965/2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, sem que isso implique qualquer ofensa à imunidade parlamentar consagrada pelo texto constitucional (art. 53 da CR/88), já que o objetivo da ação proposta não é punir civilmente a ré Soraya, que é deputada federal, tampouco obter indenização por danos morais, mas obrigá-la a retirar da rede mundial de computadores informações falsas que visam apenas desmoralizar órgãos e agentes estatais.
Assim, veio a juízo pedir a concessão de medida liminar que determine aos réus a remoção (ou indisponibilização) das publicações divulgadas nas redes sociais da ré Soraya (<https://www.facebook.com/drasorayamanato/photos/a.323314868540
460/908804336658174> e <https://www.instagram.com/p/CSui4hEFW81>), arbitrando-se multa para o caso de descumprimento da ordem judicial.
Foi proferido despacho no ID nº 8721150, no sentido de que a alegação de ofensa à imagem e reputação do ente público parece conflitar com a própria essência dos direitos e das garantias fundamentais, consistente em proteger as pessoas contra atos perpetrados pelo Estado, oportunizando-se a manifestação do autor a esse respeito.
Ato contínuo, o autor juntou aos autos eletrônicos a petição de ID nº 8853147, sustentando, em suma, que não busca a reparação por danos impingidos à sua imagem ou reputação, mas única e exclusivamente a tutela repressiva prevista no art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).
Ainda na referida petição, em caráter subsidiário, o autor requereu a emenda da exordial, alterando o procedimento comum, inicialmente adotado, para o procedimento da Lei nº 7.347/1985 (ação civil pública), invocando como causa de pedir a tutela do patrimônio público e social (art. 1º, incisos IV e VIII), além da saúde pública, ao argumento de que a disseminação de fake news contra instituições públicas ofende o interesse difuso (ao lado do próprio interesse público), pelo descrédito que provoca quanto à higidez das medidas sanitárias editadas durante a pandemia do novo coronavírus e pelo desestímulo que passa quanto à necessidade de seu cumprimento.
É o relatório. Decido.
Recebo a emenda à petição inicial de ID nº 8853147.
Conforme relatado, o autor pleiteia a concessão de medida liminar que determine aos réus a remoção (ou indisponibilização) das publicações divulgadas nas redes sociais da ré Soraya, haja vista propagarem informação reputada falsa.
Pelo que se depreende do documento de ID nº 8670465, a ré Soraya publicou em suas contas no Instagram e Facebook a seguinte notícia:
OPERAÇÃO REDITUS
PF cumpre 60 mandados de prisão em Operação que apura desvios de 1,2 bilhão na Saúde do Espírito Santo.
Ação ocorre em oito Estados: Pará, São Paulo, Goiás, Ceará, Amazonas, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso.
Registre-se que a notícia veiculada pela ré Soraya consta de arte por ela produzida, na qual inseriu os dizeres que lhe convinha, além de dados relativos ao seu nome (Dra. Soraya Manato), a indicação de que é parlamentar (Deputada Federal – ES), além dos seus perfis no Instagram, Facebook e Twitter.
Sucede que a notícia divulgada pela ré Soraya parece, à primeira vista, não corresponder à realidade. Isso porque, segundo as reportagens divulgadas pelos portais UOL, Estadão, Valor Investe e G1, a Operação Reditus apurou desvios de recursos públicos na área da Saúde no Estado do Pará.
Relativamente ao Estado do Espírito Santo, o que consta nas reportagens é que foram cumpridos mandados de prisão no território capixaba, bem como em outras Unidades da Federação. Aparentemente, nada mais do que isso.
Vejam-se os links das reportagens:
Assim, parece-me, em juízo de cognição sumária, que a realidade dos fatos foi distorcida pela ré Soraya, de modo a propagar notícia que, em tese, é inverídica.
É importante que se tenha presente que a ré Soraya é parlamentar e, como tal, conta com significativo número de seguidores em suas redes sociais (mais de 19 mil, por exemplo, no Instagram), o que enseja expressiva difusão às suas postagens.
No ponto, é válido o registro de que este juízo não ignora o fato de que, nos termos do art. 53, caput, da CF/1988, “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
No entanto, é preciso que se tenha claro o alcance de tal prerrogativa, convindo trazer à colação os ensinamentos de Uadi Lammêgo Bulos (In: Curso de direito constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1103 e 1106):
Imunidade material é o instituto de Direito Constitucional que proporciona a exclusão de cometimento de ilícito por parte de parlamentares, ou seja, deputados federais e senadores da República (CF, art. 53, caput, com redação dada pela EC n. 35/2001).
Aí está a imunidade material, substancial ou de conteúdo, também chamada de inviolabilidade parlamentar.
A imunidade material abrange opiniões, palavras e votos, excluindo a ilicitude da conduta parlamentar. Isso porque se trata de cláusula genérica de irresponsabilidade substancial.
[…];
Logo, não há falar em responsabilidade por perdas e danos, nem em processo, porque não há crime. O motivo é simples: o caput do art. 53 da Carga Maior contém uma garantia geral, de índole constitucional substancial, que consagra a irresponsabilidade penal, civil, administrativa (ou disciplinar) e política.
Como se pode perceber, a imunidade material contemplada no art. 53, § 1º, da CF/1988 impede tão somente que o parlamentar seja responsabilizado nas esferas penal, civil, administrativa e política por suas opiniões, palavras e votos.
Nada disso, porém, é tratado neste feito, visto que por meio dele não se busca responsabilização de qualquer ordem, mas apenas a cessação de propagação de notícia aparentemente inverídica.
Além disso, não se olvida que, por força do § 1º do art. 53 da CF/1988, “os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”.
O dispositivo cuida da conhecida prerrogativa de foro em razão da função, ensejando o monopólio da jurisdição do C. STF relativamente à apuração de infrações penais comuns, conforme se depreende das lições do já citado Uadi Lammêgo Bulos (In: Curso de direito constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1114):
A prerrogativa de foro em razão da função é um corolário da imunidade propriamente dita, ensejando o monopólio da jurisdição da Corte Suprema.
[…];
Assim, deputados e senadores, desde a expedição do diploma, só podem ser submetidos a julgamento no Supremo Tribunal Federal (CF, art. 53, § 1º, com redação dada pela EC n. 35/2001, cuja novidade ficou por conta da frase “desde a expedição do diploma”.
[…];
Evidente que o dispositivo se reporta ao processo e julgamento, pelo Supremo, das infrações penais comuns, cometidas pelos parlamentares.
Assim, como nos presentes autos não se apura infração penal comum, não há que se cogitar de foro por prerrogativa de função.
Enfim, o que se tem no caso em voga é a divulgação de informação que, prima facie, não corresponde à realidade.
Nesse sentido, a Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) prevê, em seu art. 19, o seguinte:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
- 1º. A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
- 2º. A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.
- 3º. As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
- 4º. O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Como se pode ver, a indisponibilização de conteúdos infringentes, propagados na internet, pode ser objeto de tutela antecipada de urgência, contanto que presentes os requisitos da verossimilhança da alegação do autor e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Num primeiro exame, parece-me coerente o argumento do autor de que se deve compreender, por conteúdo infringente, a conduta de propagação de notícias falsas voltadas a atacar ou ofender o patrimônio moral ou patrimonial de uma pessoa física ou jurídica.
No caso dos autos vislumbro, a princípio, que a ré Soraya divulgou notícia falsa, visto que discrepante das reportagens veiculadas pelos portais UOL, Estadão, Valor Investe e G1, segundo as quais a Operação Reditus apurou desvios de recursos públicos na área da Saúde no Estado do Pará, e não no Estado do Espírito Santo.
Assim, visualizo verossimilhança nas alegações apresentadas pelo autor.
Por igual, vislumbro fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, visto que, se não removida ou indisponibilizada, de imediato, a postagem que veicula informação aparentemente falsa, permanecerão sendo atingidas as estruturas orgânicas do Estado do Espírito Santo, especialmente dos agentes da Secretaria de Estado da Saúde (SESA), de modo a desmoralizá-los e desacreditá-los perante a sociedade capixaba.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de concessão de tutela antecipada, para o fim de determinar aos réus que sejam removidas ou indisponibilizadas as publicações divulgadas nas redes sociais da ré Soraya (<https://www.facebook.com/drasorayamanato/photos/a.323314868540460/908804336658174> e <https://www.instagram.com/p/CSui4hEFW81>), no prazo de 48 (quarenta e oito horas), sob pena de arbitramento de multa para o caso de descumprimento desta ordem judicial.
Intimem-se as partes sobre esta decisão.
Citem-se os réus para, caso queiram, no prazo legal, apresentarem respostas.
Diligencie-se.
Vitória, 21 de setembro de 2021.
HELOISA CARIELLO
Juíza de Direito