Até então amigos quase inseparáveis, os juízes Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Gutmann tiveram que ser separados tão logo chegaram ao Ginásio de Esportes do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Espírito Santo para cumprir prisão preventiva, determinada pelo Tribunal de Justiça no dia 29 de julho de 2021. Ficaram em quartos separados porque se estranharam e passaram os últimos dias trocando ofensas e tentando entrar em luta corporal. Passaram a ser vigiados 24 horas por policiais militares.
Nesta semana, que está se encerrando, os dois bons amigos tiveram de novo destino diferente. Na última terça-feira (03/08), o ministro Joel Ilan Paciornik, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indeferiu pedido da defesa de Carlos Gutmann, em um Habeas Corpus impetrado no dia anterior, mantendo, assim, o magistrado capixaba preso.
Na última quinta-feira (05/08), o mesmo ministro Joel Ilan Paciornik, do STJ, deferiu pedido da defesa de Alexandre Farina, determinando a imediata soltura do magistrado capixaba. Os mesmos argumentos utilizados pela defesa de Gutmann foram os apresentados pelos advogados de Farina.
Os dois magistrados capixaba são acusados pelo Ministério Público Estadual de, em tese, praticar os mesmos crimes. Farina e Gutmann foram presos por decisão unânime do Pleno do Tribunal de Justiça, que acolheu pedido da procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade. Eles são acusados de venda de sentença – crimes de corrupção.
No caso do Habeas Corpus nº 684639-ES (2021/0246574-6), os advogados Israel Domingos Jório, Raphael Boldt de Carvalho e Matheus Sardinha da Motta, que defendem o juiz Carlos Gutmann, sustentam que não teria sido apresentada fundamentação idônea para a imposição “da custódia cautelar”, afirmando que não demonstrada qualquer conduta do paciente (juiz) que justificasse a imposição da medida.
Eles ainda ponderaram a ausência de contemporaneidade da prisão, decretada após mais de quatro anos dos fatos, afirmando não existir qualquer risco atual à instrução criminal. Aduziram a suficiência da aplicação de medidas alternativas. Ponderaram que não teriam sido individualizadas as condutas de cada réu.
Alegaram a nulidade da audiência de custódia, uma vez que no ato processual não foram reavaliados os fundamentos que ensejaram a decretação da custódia cautelar.
Ressaltaram, ainda, que a Procuradoria Geral de Justiça teria apreciado e indeferido pedidos defensivos, providências que seriam de competência da desembargadora relatora, Elisabeth Lordes, presidente do Inquérito Judicial. Por isso, requereram, em liminar e no mérito, a revogação da prisão preventiva, expedindo-se alvará de soltura. Subsidiariamente, pugnaram pela substituição da custódia cautelar por domiciliar.
No entanto, na última terça-feira (03/08), o relator do HC, ministro Joel Ilan Paciornik, indeferiu o pedido, com a seguinte argumentação:
“No caso, ao menos em juízo perfunctório, não é possível identificar de plano o constrangimento ilegal aventado ou, ainda, a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, elementos autorizadores para a concessão da tutela de urgência. Confundindo-se com o mérito, a pretensão deve ser submetida à análise do órgão colegiado, oportunidade na qual poderá ser feito exame aprofundado das alegações relatadas após manifestação do Parquet. Por tais razões, indefiro o pedido de liminar. Oficie-se à autoridade coatora, bem como ao juízo de primeiro grau, a fim de requisitar-lhes, no prazo legal, as informações pertinentes a serem prestadas, preferencialmente, pela Central do Processo Eletrônico – CPE do STJ. Requisita-se, também, o envio de senha para acesso ao processo no site do Tribunal, se for o caso. Após, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para parecer”.
A defesa do juiz Alexandre Farina, no Habeas Corpus nº 684790 – ES (2021/0247732-2), é assinada por nove advogados: seis de Brasília, onde fica o STJ; dois do Espírito Santo e um do Rio de Janeiro. Dentre os advogados está o milionário Antônio Carlos de Almeida, conhecido como Kakay e experiente em defender, sobretudo, políticos acusados de corrupção, como o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), que teve duas condenações proferidas pela Justiça Federal do Paraná anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – Lula terá que ser novamente submetido aos dois processos, mas, por decisão do STF, no âmbito da Justiça Federal do Distrito Federal.
Kakay, que tem vasta experiências nas Cortes Superiores, em Brasília, assinou o HC com os advogados ROBERTA CRISTINA RIBEIRO DE CASTRO QUEIROZ (DF), MARCELO TURBAY FREIRIA (DF), LILIANE DE CARVALHO GABRIEL (DF), RAFAEL FREITAS DE LIMA (RJ), ÁLVARO GUILHERME DE OLIVEIRA CHAVES (DF), MARIAH SARTORIO JUSTI (ES), ANANDA FRANÇA DE ALMEIDA (DF) e LARAH BRAHIM DUARTE DOS SANTOS (ES).
Eles sustentam no HC que “não teria sido apresentada fundamentação idônea para a imposição da custódia cautelar, afirmando que não está demonstrada qualquer conduta do paciente (Farina) que justificasse a fixação da medida. Apontaram ofensa aos arts. 312 e 315 do Código de Processo Penal.
Os advogados de Farina pontuaram ainda no HC, conforme consta no despacho do ministro Joel Ilan Paciornik: “…Que aproximadamente 15 dias antes da decretação da custódia, teriam sido fixadas medidas alternativas com base em motivação idêntica a do decreto prisional. Deste modo, afirmam que não haveria razão para, invocando os mesmos fundamentos, decretar, posteriormente, medida mais gravosa, mormente em se considerando que o paciente vinha cumprindo todas as providências impostas. Ponderam que não demonstrados elementos que evidenciassem estar o réu causando embaraço à investigação criminal ou risco à aplicação da lei penal. Salientam que os fundamentos da prisão preventiva seriam extemporâneos. Destacam as condições pessoais favoráveis do paciente, como primariedade. Aduzem a suficiência da aplicação de medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP. Requerem, em liminar e no mérito, a revogação da prisão preventiva, aplicando-se, caso se entenda necessário, medidas menos gravosas”.
Diferente do que viu no HC de Carlos Gutmann, o ministro Joel Ilan Paciornik, logo de cara afirma no pedido feito pela banca de advogados de Alexandre Farina que, “mesmo em juízo perfunctório, é possível identificar de plano o constrangimento ilegal aventado, bem como a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, elementos autorizadores para a concessão da tutela de urgência”.
O ministro do STJ diz mais: “…Em que pese a gravidade concreta do delito, verifica-se, em uma análise superficial, a desnecessidade da custódia cautelar, uma vez que anteriormente à decretação da prisão preventiva, o Tribunal de origem, deferindo pleito ministerial, impôs ao paciente medidas cautelares alternativas, consistentes no afastamento do cargo, na forma do art. 29 da LOMAN e do art. 319, inciso VI do CPP, bem como na proibição de acesso/frequência e aproximação das dependências do Fórum da Serra/ES (distância mínima de 500 metros) e de contato com assessores e servidores deste Poder judiciário”.
Joel Ilan Paciornik prossegue: “Não havendo notícias do descumprimento das referidas medidas, estas se mostram, a princípio, suficientes ao resguardo da ordem pública e da instrução processual. Nesse sentido, de se destacar que ‘com o advento da Lei n. 12.403/2011, a prisão cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade, devendo-se sempre verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto” (AgRg no RHC 146.247/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 29/06/2021)”.
Por tais razões, conclui o ministro, “defiro a liminar para, revogando a prisão preventiva, restabelecer, até o julgamento do mérito do presente habeas corpus, as medidas cautelares impostas anteriormente pela Corte estadual, bem como fixar nova medida alternativa consistente na proibição de contato com os corréus, a ser implementada pela autoridade coatora, sem prejuízo da possibilidade de fixação de novas medidas caso se entenda necessário”.
Decisão tomada na quinta-feira (05/08), dois dias dois que o mesmo ministro manteve o juiz Carlos Gutmann na cadeia.