Pintou estresse entre os juízes Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Gutmann na primeira noite dos dois magistrados na prisão. Tão logo foram alojados em quitinetes dentro do Ginásio de Esportes do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, em Maruípe, Vitória, os dois amigos se estranharam. Começaram a trocar xingamentos e, para evitar que entrassem em vias de fato, tiveram que ser separados pela Guarda da Carceragem.
Farina e Gutmann foram presos por decisão unânime do Pleno do Tribunal de Justiça, que acolheu pedido do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, em sessão realizada na tarde de quinta-feira (29/07). Nesse mesmo dia, a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, ajuizou denúncia contra os juízes Alexandre Farina e Carlos Gutmann e também requereu a prisão preventiva dos magistrados. Todos os desembargadores presentes na sessão virtual acompanharam o voto da relatora do Inquérito Judicial, desembargadora Elizabeth Lordes, que atendeu aos pedidos cautelares do MPES em ação que investiga venda de sentença.
Os juízes Farina e Gutmann se apresentaram no Quartel da PM na noite de quinta-feira. De acordo com policiais militares, os dois começaram a se estranhar tão logo se encontraram nas dependências do Ginásio de Esportes. Quem começou as agressões verbais teria sido Alexandre Farina, que teria xingado Carlos Gutmann, que respondeu.
O que causou estranheza entre oficiais praças que tiveram que intervir na discussão entre Farina e Gutmann é que os dois juízes são amigos. Um costuma chamar o outro pelo apelido de pitchuca. Segundo fontes ouvidas pelo Blog do Elimar Côrtes, Alexandre Farina teria se revoltado com o amigo porque Gutmann, nos últimos dias, tem dado declaração, por meio de sua Assessoria de Imprensa, alegando ser inocente e que seu nome teria sido usado no suposto esquema de corrupção – leia mais a respeito da defesa do juiz Carlos Gutmann no final desta reportagem – sem o seu consentimento.
Os dois magistrados estão quartos separados. Cada quarto possui banheiro, cama e ar condicionado. O local é vigiado durante 24 horas por policiais militares litados na carceragem do QCG. Por serem magistrados, eles têm direito a ficar em salas reservadas ao Estado-Maior da PM. De acordo com fontes da PM, Carlos Gutmann passou boa parte da primeiro noite na prisão em prantos, teria chorado bastante. Alexandre Farina, depois da discussão com o até então amigo, dormiu. Estaria, segundo relatos, sob efeito de remédios.
Os quartos instalados no Ginásio de Esportes são usados, geralmente, tem por policiais que vêm do interior para cumprir algum tipo de missão operacional ou administrativa na Grande Vitória. Trata-se, portanto, de um ambiente simples, mas bem cuidado com toda a higiene por funcionários do QCG.
Além dos juízes Alexandre Fatina e Carlos Gutmann, também foram denunciados pela procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, e tiveram a prisão preventiva decretada o ex-funcionário da Associação dos Magistrados do Estado do Espírito Santo (Amages) Davi Ferreira da Gama e o empresário Eudes Cecato. Também foram denunciados o ex-investigador de Polícia Civil e ex-assessor do Tribunal de Justiça Hilário Antônio Fiorot Frasson, o empresário Valmir Pandolfi e o advogado Luiz Alberto Lima Martins.
A suposta venda de sentença foi descoberta após a Justiça autorizar acesso ao conteúdo do telefone apreendido judicialmente do ex-policial Hilário Frasson, que teria mantido conversas pelo WhatsApp com Farina, negociando a compra da sentença para favorecer o empresário Eudes Cecato. As negociações teriam ocorrido ao longo do mês de fevereiro de 2017, e a sentença foi proferida no dia 3 de março daquele ano. Segundo a denúncia, Farina e Gutmann atuaram em conluio para, em troca de vantagem econômica, atender aos interesses do empresário Eudes Cecato.
Na sustentação oral que fez ao pedir a prisão preventiva, a procuradora-geral de Justiça esclareceu que, na condução da investigação no âmbito do Ministério Público, os fatos apurados dizem respeito a crimes de corrupção ativa e passiva praticados pelos dois magistrados em conluio com os demais denunciados.
“Ficou constatada a interferência dos investigados na produção da prova, notadamente em razão de ligações telefônicas realizadas após o protocolo dos pedidos ministeriais e no próprio dia do deferimento das medidas, assim como a interferência junto a testemunhas”, evidenciou Luciana Andrade.
De acordo com a procuradora-geral de Justiça, mesmo após as primeiras medidas cautelares, que determinaram o afastamento dos juízes dos cargos que ocupavam, de manter uma distância de pelo menos 500 metros do Fórum da Serra, Comarca em que atuam, e de não ter contato com assessores e demais servidores do Judiciário, os magistrados mantiveram um cenário de contínua interferência na produção de provas pelos investigados. Luciana Andrade revelou que Farina e Eudes Cecato se encontraram em São Paulo, que houve uma intensa comunicação telefônica entre Davi Ferreira e o magistrado Gutmann, e registrou um histórico de busca na internet para informações a respeito de transferência e como apagar dados de aparelhos celulares.
Luciana Andrade lamentou o fato de magistrados se envolverem com ilícitos e reafirmou que o Ministério Público vai continuar aprofundando as investigações e citou Platão: “O juiz não é nomeado para fazer favores com a Justiça; o juiz é nomeado para fazer justiça julgando segundo as leis”, ponderou a chefe do Ministério Público Estadual.
O Juiz Carlos Alexandre Gutmann teve seu nome usado de modo unilateral e desautorizado em conversas das quais nunca participou, diz defesa.
Em nota enviada ao Blog do Elimar Côrtes na manhã desta sexta-feira (30/07), os advogados Israel Jório e Raphael Boldt, que representam o juiz Carlos Gutmann, reafirmaram a inocência do magistrado nas investigações do Ministério Público sobre suposta venda de sentença. As investigações foram concluídas e se transformaram em denúncia formal, que está sendo analisada pelo Tribunal de Justiça:
Apesar da comunicação registrada nos autos, é preciso deixar claro que não há uma só mensagem que tenha partido do Juiz Gutmann ou que tenha sido a ele enviada pelos suspeitos.
Gutmann está sendo massacrado por ter examinado um processo e por ter dado uma decisão juridicamente fundamentada, a respeito da qual desconhecia, totalmente, a existência de bastidores envolvendo tratativas ilícitas – as quais repudia.
O juiz tem se colocado à disposição das autoridades desde o início das investigações. Abriu mão de sua prerrogativa funcional de ser ouvido pela desembargadora relatora do caso e declarou toda a verdade na sede do GAECO/MPES, demonstrando seu claro e sincero desejo de provar sua inocência.
Gutmann nunca trocou de aparelho celular ou de chip de telefonia. Não apagou mensagens, não destruiu evidências, não realizou qualquer ato de eliminação de provas ou de obstrução da Justiça. Mantendo a coerência, submeteu-se à decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo e se apresentou voluntariamente para o cumprimento da prisão preventiva decretada.
Segue, apesar de tudo, com o firme propósito de cooperar e com a absoluta confiança de que a elucidação dos fatos trará a verdade e, consequentemente, levará à sua absolvição.
Dr Israel D. Jório
Dr Raphael Boldt