O advogado Thiago Pereira Malaquias obteve, nos últimos dias, cinco sentenças favoráveis para seus clientes em “Ações Indenizatórias” em face do Estado do Espírito Santo. A condenação é mais um desfecho de um dos episódios mais tristes da história do sistema prisional capixaba, em que 52 presidiários, como “castigo”, foram obrigados a sentar em uma quadra de concreto em pleno sol do meio-dia, na Penitenciária Estadual III de Vila Velha (PEVVIII), dentro do Complexo Penitenciário de Xuri, em Vila Velha. Resultado: todos sofreram queimaduras graves nas nádegas.
As sentenças foram proferidas pelo juiz Aldary Nunes Júnior, da Vara da Fazenda Estadual de Vila Velha. Quatro das decisões foram assinadas no dia 7 de abril deste ano e, a quinta, na última quinta-feira (15/04). Na decisão de primeiro grau, cada um dos cinco apenados terá direito a uma indenização de R$ 20 mil. Os autos, no entanto, serão remetidos ao Tribunal de Justiça, em “remessa necessária”, para confirmação das sentenças ou modificações.
Na esfera criminal, a Justiça já condenou os três servidores denunciados pelo Ministério Público Estadual pela tortura aos apenados. O então diretor da PEVVIII, Rodrigo de Souza, foi condenado a dois anos, oito meses e 20 dias de reclusão pelo crime de tortura; e mais a três meses de detenção pelo crime de prevaricação. Jhonatan Sinhorelli de Caldas e Máximo da Silva Oliveira foram condenados pela acusação de tortura: pegaram dois anos, oito meses e 20 dias de reclusão. O Tribunal de Justiça já confirmou a sentença proferido no primeiro grau. Os três servidores foram exonerados ainda em 2013 pela Secretaria de Estado da Justiça.
O advogado Tiago Malaquias tem ainda mais cinco ações com o mesmo teor. Em todas as 10 ações, ele alega que no dia 2 de janeiro de 2013, quando se encontravam privados de sua liberdade, cumprindo pena na Unidade Prisional PEVIII, seus 10 clientes foram submetidos por agentes penitenciários, a condições de tortura física e psicológica, com o emprego de grave ameaça e agressões.
Tiago Malaquias (foto) relata que nessa data os 52 apenados foram levados ao pátio do presídio nus, obrigados a sentar no chão, sob o sol quente, por mais de duas horas.
“Em contínua tortura e abuso de poder, a direção do presídio suspendeu as visitas aos demais apenados e isolou os 52 presos que sofreram o castigo, deixando-os sem atendimento médico, com queimaduras expostas pelo corpo até a data de 10 de janeiro de 2013, quando o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo determinou que eles fossem retirados da unidade prisional e levados para fazer exames e receber medicamentos”, pontuou o advogado.
Na sentença, o juiz Aldary Júnior informa que a Procuradoria-Geral do Estado contestou, “sem documentos, sustentando a prescrição da pretensão autoral, haja vista que os fatos relatados ocorreram em 02/01/2013 e a demanda só foi ajuizada em 30/07/2020, transcorridos, portanto, mais de cinco anos”.
Argumentou, ainda, sobre a falta de documentos essenciais ao ajuizamento da demanda, pois faltariam documento pessoal do autor e procuração. No mérito, afirma que é ônus dos apenados comprovarem o fato constitutivo de seu direito, e que dele não se desincumbiram.
Porém, “pelo princípio da eventualidade”, diz a PGE, “caso o pedido indenizatório seja julgado procedente, requer seja arbitrado de forma a não permitir o locupletamento indevido pelo requerente”.
O magistrado rechaçou as preliminares arguidas pelo PGE. Sobre a prescrição, o juiz Aldary Nunes Júnior explica que a Procuradoria-Geral do Estado “deixou de observar a existência de uma Ação Civil Pública proposta pela Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, ajuizada nesta unidade judiciária em 20 de dezembro de 2013, visando a responsabilização do ente estatal em danos morais coletivos e individuais, pelos mesmos fatos narrados nestes autos”.
Na referida ACP, diz o magistrado, foi proferida sentença declarando a responsabilidade do Estado do Espírito Santo “pelos danos individuais ocasionados aos apenados que sofreram tortura no PEVV III, no dia 02/01/2013, na forma do art. 95 da Lei nº 8.078/90”.
Diz que os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça em 28/03/2016, sem notícia do trânsito em julgado até o momento. Por isso, “o ajuizamento da Ação Civil Pública em comento acabou por suspender o prazo prescricional no que se refere à responsabilização e indenização pleiteada pelos detentos. Isto porque, trata-se de uma demanda coletiva, que culminou por determinar que as vítimas sejam indenizadas, ensejando, assim, o ajuizamento de demandas individuais de conhecimento, a fim de se comprovar o status de vítima, o prejuízo sofrido e o valor”.
No mérito, o juiz Aldary Nunes Júnior destaca que a Procuradoria Geral do Estado “teceu inúmeras argumentações evasivas, que, a meu sentir, não justificam os atos perpetrados em desfavor dos detentos do PEVV III. Destaco alguns desses dizeres que, como dito, não subsidiam a improcedência do pleito autoral:
[…] Na data de 02 de janeiro de 2013, em função de um motim que estava sendo realizado pelos presos que estavam nas galerias D e E, e dado ao pequeno número de agentes penitenciários, foi determinado pelos superiores que fosse realizada uma revista nas celas e nos detentos, a fim de que evitar uma rebelião (sic).
Por tal razão, foram os presos encaminhados para o pátio de banho de sol, todos com bermuda, porém, como não havia sombra, todos ficaram, de fato, expostos ao sol. Para que fosse realizada a revista, ficaram todos sentados, em fila, porém, nenhum deles reclamou acerca de uma possível queimadura nas nádegas.
Veja-se, portanto, que os detentos só foram encaminhados ao pátio de banho de sol dado o princípio de motim que estava acontecendo em algumas galerias. Sendo assim, a única forma de se evitar o pior era realizando revista nos próprios detentos e na cela […]
Conforme antigo brocado jurídico, “fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente”. Tal brocado se aplica integralmente à situação emanada dos autos, uma vez que a parte AUTORA acusa os agentes estatais de terem cometido um crime gravíssimo, mas não colacionam provas inequívocas da prática deste crime.[…]
Prosseguindo, o Laudo Médico anexado, atesta a apresentação de discreta descamação epidérmica de 1 a 2 centímetros em fase de resolução na nádega esquerda, sendo que não é possível precisar qual instrumento provocou tal lesão.
Ademais, diga-se que lesão, se acaso configurada, NÃO RESULTOU em incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias e NÃO RESULTOU em perigo de vida etc.
Ficam então as indagações: (I) teria a descamação sido provocada por uma queda ou outro tipo de acidente? (II)Teria sido proveniente de uma briga com outros detentos? (III) Teria sido proveniente da prática de atividades físicas dentro do presídio? Não se sabe. […]
O magistrado faz ponderações e critica a postura da PGE: “É lamentável ver que o requerido, a despeito de zelar pela integridade física e psicológica daqueles que estão sob sua custódia prisional, venha, nesta via judicial, tecer argumentações evasivas, que não se coadunam com a realidade dos fatos. Ora, não se pode tentar transmudar uma postura nitidamente abusiva de poder (modalidade de excesso de poder) em uma postura legítima. A prova dos autos é flagrante em demonstrar que houve represália aos detentos. Entretanto, ainda que a conduta do requerido tenha se pautado em ‘ato de revista pessoal’, tal deveria ocorrer de forma comedida, sem abusos, sem exposição dos detentos à situação de penúria, de grave dor física e psicológica”.
Ao final da sentença, o juiz Aldary Nunes Júnior decidiu: CONDENO o requerido ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), incidindo sobre tal valor juros de mora desde o evento danoso (02/01/2013), na forma do art. 398 do CC c/c Súmula nº 54 do STJ, conforme índice previsto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 c/c Lei nº 11.970/09 e correção monetária desde a data do arbitramento (data em que o Cartório certificar o recebimento desta Sentença), pelo índice IPCA; CONDENO o requerido ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao pagamento de honorários sucumbenciais, ora arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação atualizado, nos termos do artigo 85, § 3°, I, do Código de Processo Civil, devendo-se incidir juros de mora desde intimação em eventual execução, conforme índice previsto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 c/c Lei nº 11.970/09, e correção monetária a partir do arbitramento (data em que o Cartório certificar o recebimento desta Sentença), pelo índice IPCA.