O assassinato do soldado da Polícia Militar Ítalo Bruno Pereira, ocorrido no dia 30 de agosto de 2015, no bairro Jardim Carapina, na Serra, e a decisão da população local em ajudar as forças de segurança pública deram início a mudança de estratégia policial para a região. Horas após o assassinato covarde de Ítalo, que foi baleado com tiros de pistola e atacado com pedradas na cabeça, a Polícia Civil prendeu sete dos 11 criminosos. Começava ali uma transformação: considerado um dos bairros mais violentos do Espírito Santo até então, Jardim Carapina se tornou em um local mais tranquilo, sem registrar assassinato há mais de um ano.
Ítalo estava de folga. Jovens policiais, naquele dia, ele e outro soldado, Alan Carlos Ferreira Netto, foram sem farda se encontrar com amigas em Jardim Carapina. Próximo a um baile funk, foram rendidos e atacados. Ítalo morreu, seu colega de farda, Alan, foi ferido a tiros, socorrido e sobreviveu.
Naquele dia 30 de agosto de 2015, o delegado Rodrigo Sandi Mori atuava como delegado-plantonista da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Como de hábito, ele foi ao local do crime junto com a equipe de plantão. Iniciados os primeiros levantamentos, logo identificaram os suspeitos e saíram à caçada dos bandidos, tendo prendido sete deles ainda em situação de flagrante.
Até aquele ano de 2015, Jardim Carapina, bairro localizado do lado esquerdo da Reta do Aeroporto – na pista de sentido Vitória-Serra –, logo depois da região de Maria Ortiz, em Vitória, era o mais violento da Serra e um dos mais problemáticos do Espírito Santo. Registrou, naquele ano, 21 assassinatos. Em 2016, foram 19 homicídios.
A partir daí os índices começaram a despencar: em 2017, foram nove assassinatos e sete homicídios em 2018 e no ano seguinte também. O último assassinato registrado em Jardim Carapina foi exatamente no dia 17 de novembro de 2019. Ou seja, está há mais de um ano sem homicídios.
Esta semana, o delegado Rodrigo Sandi Mori, foi designado para atuar como delegado-adjunto da Delegacia de Crimes Contra a Vida da Serra em 2016, um ano após o assassinato do soldado Ítalo, e o chefe da Superintendência de Polícia Especializada (SPE), delegado José Lopes, falaram do fato de Jardim Carapina ter conseguido driblar a violência assustadora.
Segundo eles, a vitória dos moradores locais se deu após a prisão de todas as lideranças das seis organizações criminosas que atuavam no bairro Jardim Carapina. Para Sandi Mori e José Lopes, o marco histórico, de ficar mais de um ano sem homicídios, está relacionado às ações desenvolvidas e realizadas pelas forças de segurança, em conjunto com a comunidade, que ajuda com fornecimento de informações sobre os crimes e os suspeitos.
Mapeamento das gangues ajudou a identificar assassinos
O delegado Rodrigo Sandi Mori informou que, de 2002 a 2019, Jardim Carapina registrou 305 homicídios, uma média de 17 mortes por ano. Os crimes contra a vida estavam relacionados, em sua maioria, à rivalidade entre grupos criminosos ligados ao tráfico de drogas.
As brigas entre os grupos de tráfico começaram em 2015, quando a maior parte da Gangue do Campo foi presa por envolvimento na morte do soldado Ítalo:
“Com a prisão em flagrante de sete dos 11 assassinos do policial militar, a realidade começou a mudar. Quando vim para trabalhar na DP de Crimes Contra a Vida da Serra, me reuni com a equipe e solicitei um mapeamento de todas as gangues que brigavam pelo domínio do tráfico em Jardim Carapina. Levantamos nomes dos líderes; dos suspeitos de praticarem as execuções; de quem vendia drogas no asfalto; de quem cedia as armas para os assassinatos; e de quem autorizava as execuções, que, geralmente, são os líderes dos grupos criminosos”, explica o delegado.
O mapeamento chegou a seis gangues, que tinham, inclusive, apelidos: Rua 24, Rua 11, Contorno, Campo, Ponto Final e Gangue do Biel. De posse do mapeamento, a Polícia Civil passou a ter um controle maior do bairro. Sempre que ocorria um assassinato, os investigadores já poderiam identificar os suspeitos levando em consideração o local da execução.
“Com esse detalhamento proporcionado pelo mapeamento, conseguimos elucidar a maior parte dos homicídios registrados em Jardim Carapina. O índice de esclarecimento de assassinatos na Serra chega a 70% por ano, enquanto a média nacional está entre 8% a 10%”, afirma o delegado Sandi Mori.
Esse trabalho possibilitou a prisão de mais de 20 bandidos considerados de alta periculosidade: “Prendemos, ao longo dos anos, os atiradores e os líderes dos grupos, que são os mandantes dos assassinatos. São esses líderes que escolhiam quem ia morrer e ainda forneciam as armas para os assassinos”, frisou o delegado.
Entre os bandidos presos está o próprio traficante que dá nome a uma das gangues, Biel. Trata-se de Rafael de Moraes Queirós, o Biel, que foi preso no dia 29 de agosto de 2019, com seu comparsa Artur Nunes, depois de balearem um rival, 11 dias antes,em Jardim Carapina.
“O importante desse trabalho de investigação é a desestruturação da base criminosa; é o enfraquecimento das gangues. Os líderes das seis gangues estão na cadeia à espera de julgamento”, completou Sandi Mori.
Gangue extremamente violenta
O delegado conta que em 12 de março de 2019, a Polícia Civil prendeu o líder da gangue do Ponto Final. Trata-se de um traficante que responde a quatro ações penais pela acusação de assassinato e “já estamos concluindo o quinto Inquérito Policial contra ele”.
Segundo Sandi Mori, os integrantes da gangue do Ponto Final eram “extremamente violentos, se passavam por policiais, vestiam roupas escuras, colocavam capuz na cara, quebravam portões, invadiam casas e executavam as vítimas com mais de 30 tiros na frente dos familiares”.
Ainda de acordo com o delegado, todos os homicídios que ocorreram em 2018 e 2019 no bairro Jardim Carapina foram elucidados pela DHPP da Serra, com a prisão de 20 homicidas no período de pouco mais de um ano.
“Além disso, seis gangues que brigavam pelo domínio do tráfico de drogas no bairro foram desarticuladas por nós, inclusive, com a prisão dos líderes de cada gangue. Fatos que fizeram com que atingíssemos a marca histórica de um ano sem homicídios no bairro”, explicou Sandi Mori.
As principais lideranças
No dia 12 de março de 2019, foi detido, em Jardim Carapina, um suspeito de 23 anos, que integrava a lista dos dez mais procurados do Estado e alvo número um da DHPP Serra. Com ele, foi apreendida uma pistola Glock calibre.40, com 24 munições e seletor de rajada.
“O detido era responsável por comandar o tráfico de drogas no bairro Jardim Carapina. Ele possuía dois mandados de prisão preventiva, sendo um por tráfico e outro pelo duplo homicídio consumado e um tentado, que ocorreu no dia de 29 de maio de 2018, no bairro Divinópolis. Ele também é investigado em cinco homicídios, todos ocorrido no bairro Jardim Carapina”, disse.
Com quatro mandados de prisão em aberto, um suspeito de 25 anos foi detido no dia 28 de agosto de 2019. Ele teria assumido o comando do tráfico do ponto final do bairro Jardim Carapina, após a prisão do suspeito de 23 anos, que aconteceu em março.
“Esse traficante se passava por policial para matar as vítimas. Ele usava roupa e colete da polícia para invadir a casa de rivais e executá-los na frente dos familiares”, afirmou Sandi Mori.
Dois suspeitos de 21 e 25 anos foram detidos no dia 28 de agosto de 2019. Os dois seriam responsáveis por uma tentativa de homicídio que ocorreu dez dias antes da prisão. Em um vídeo que viralizou nas redes sociais, um deles aparece fazendo um ataque a tiros contra traficantes rivais em 19 de julho.
Um dos líderes da “Gangue da Rua 24” foi detido no dia 16 de agosto de 2019. Ele estaria envolvido no homicídio de um adolescente de 15 anos, que foi morto durante a madrugada dentro da própria casa.
Ainda relacionado a este crime, foi detido um suspeito de 23 anos, no dia 14 de outubro, e um de 18 anos, no dia 03 de dezembro. O detido de 18 anos também é suspeito do homicídio de um homem, no Natal de 2018.
No bairro Central Carapina, também na Serra, um dos líderes da “Gangue da Vala” foi preso durante uma operação que aconteceu no dia 18 de março de 2020. O criminoso de 23 anos é suspeito de participar, junto com o grupo que comanda, de três homicídios no município, além de tiroteios em bairros rivais. Ele tinha um mandado de prisão do último homicídio registrado no bairro Jardim Carapina.
Em outubro deste ano, foi preso em cumprimento de cinco mandados de prisão um suspeito de 25 anos, envolvido em seis tentativas de assassinato e quatro assassinatos que ocorreram entre janeiro de 2019 e fevereiro deste ano, em Central Carapina e Jardim Carapina. O suspeito era, atualmente, o principal líder da região da vala, no bairro Central Carapina.
A prisão mais recente foi realizada no dia 13 de novembro. O suspeito tinha três mandados de prisão preventiva relacionados a uma dupla tentativa de homicídio e um homicídio, que ocorreram respectivamente em setembro e novembro de 2019, ambos no bairro Jardim Carapina. E também por um homicídio, no bairro Central Carapina, em fevereiro de 2020.
Último assassinato foi em parceria com bando de Central Carapina
O último assassinato ocorrido em Jardim Carapina, em 17 de novembro de 2019, foi praticado por 10 homens membros da Gangue da Vala, que é de Central Carapina (outro bairro da Serra localizado à margem da BR-101 Norte), e Gangue do Campo, que possuem conexão.
Esses criminosos foram a Jardim Carapina e dispararam diversos tiros no meio da rua. Depois, foram até o mangue do bairro e mataram um de seus “parceiros” com mais de 30 tiros. Oito dos 10 criminosos foram presos pela Polícia Civil.
Comunidade ajuda até por meio das redes sociais
A transformação de Jardim Carapina só foi possível também, segundo o delegado Rodrigo Sandi Mori, com a ajuda da população. Ele criou uma página no Facebook, onde moradores da Serra interagem com a Polícia Civil, fornecendo informações sobre crimes e seus autores. A página se chama Delegacia de Crimes Contra a Vida da Serra.
“A ajuda que recebemos das comunidades é muito importante. Ganhamos a confiança das pessoas por conta do trabalho desenvolvido diariamente. Quando veem o resultado do trabalho da Delegacia de Crimes Contra a Vida, os moradores se encorajam e passam a denunciar os criminosos. Muitos vão até nossa delegacia; outros telefonam diretamente para meu celular; outros usam nosso perfil no Facebook para fazer a denúncia de maneira sigilosa”, explicou o delegado.
As pessoas, segundo ele, reconhecem o bom resultado da Polícia Civil e, por isso, se interessam em participar de um canal direto com as autoridades:
“Recebemos denúncias anônimas sobre bandidos foragidos; onde estão escondidas armas e drogas. As pessoas entram na nossa página e passam a denúncia pelo ‘privado’. Elas sabem que mantemos o sigilo do perfil e dos nomes dos denunciantes. Eu mesmo monitoro a página. Agradecemos muito a ajuda das comunidades, porque os olhos da polícia nos bairros são os moradores de bem”, concluiu o delegado Rodrigo Sandi Mori.
Sindipol elogia atuação da ‘DP de Homicídios da Serra’
O Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santo (Sindipol/ES) divulgou nota em que enaltece o trabalho dos policiais da Delegacia de Crimes Contra a Vida da Serra por ter ajudado a zerar os índices de homicídios em Jardim Carapina.
O Sindipol/ES acredita que, paralelo ao trabalho de polícia, é preciso trabalhar o lado social e econômico nas comunidades dominadas por traficantes. Porém, a diminuição drástica no número de homicídios em Jardim Carapina também mostra a necessidade de se investir na Polícia Civil e nos policiais.
“Queremos parabenizar os policiais da ‘Homicídios da Serra’. O resultado do trabalho dos policiais civis mostra o quanto é importante, necessário e urgente investir na Polícia Civil e nos policiais. Temos uma defasagem que supera os 60% no quadro operacional e, ainda hoje, muitos policiais trabalham em delegacias precárias. Zerar o número de homicídios em um dos bairros mais violentos do Estado é motivo de comemoração para todos”, disse Aloísio Fajardo, presidente do Sindipol/ES.
(Com informações também do Portal da PCES)