Ao determinar a imediata prisão do empresário Luiz Cláudio Ferreira Sardenberg, ao final do julgamento em que ele foi condenado a 23 anos e três meses de prisão pela acusação de matar a ex-namorada, a estudante de Direito Gabriela Regattieri Chermont, o juiz da 1ª Vara Criminal de Vitória (Privativa do Júri), André Guasti Motta, levou em consideração a soberania do Júri Popular – referendada pelo Supremo Tribunal Federal – e a Lei nº. 13.964, de 2019 (Pacote Anticrime), que aperfeiçoou a Legislação Penal e Processual Penal. O senador capixaba Marcos Do Val (Podemos) foi um dos relatores do Pacote Anticrime no Senado.
A nova lei foi produzida pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e apresentada ao Congresso Nacional em 4 de fevereiro de 2019, um mês após a posse do presidente Jair Bolsonaro. O chamado Pacote Anticrime trouxe medidas contra corrupção, crime organizado e crime violento. No entanto, sofreu emendas na Câmara dos Deputados e no Senado.
Foi aprovada no final do ano passado, tendo sido sancionado pelo presidente Bolsonaro no dia 24 de dezembro de 2019. Não saiu com o mesmo rigor defendido pelo ex-ministro Moro, mas endurece penas para diversos tipos de crimes, aumenta a pena máxima aplicada no País de 30 para 40 anos e possibilita o Juízo mandar para a cadeia um réu condenado pelo Tribunal do Júri, independente do recurso da defesa.
Esse foi um dos motivos que levaram o juiz André Motta (Foto) a mandar prender Luiz Cláudio, ao atender pedido do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, depois do julgamento. O julgamento dele foi realizado nos dias 10, 11 e 12 de novembro de 2020. Após os três dias de julgamento, o réu foi considerado culpado pelo crime de homicídio consumado, com motivo torpe e praticado por meio cruel e pelo recurso que dificultou a defesa da vítima.
Na sentença, o magistrado cita que o representante do Ministério Público – o promotor de Justiça Leonardo Augusto de Andrade Cézar – requereu a expedição do mandado de prisão, com fundamento na necessidade de execução imediata da pena das sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri, considerando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, relativo à matéria.
Já o assistente de acusação, Cristiano Medina da Rocha, por sua vez, pugnou pela decretação da prisão preventiva, com fundamento na necessidade de se garantir a aplicação da lei penal, “visto que o condenado permaneceu foragido por quase um ano durante a instrução processual, quando decretada a sua prisão preventiva”.
André Motta ressalta na sentença que a Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, prevendo, ainda, a soberania de seus veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c, CF).
“Referido princípio significa que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo Júri e, no caso de provimento de recurso, apenas determinar que o réu vá a novo julgamento, jamais, no mérito, reformando o julgado”, frisa o magistrado.
Partindo desses vetores, a Primeira Turma do STF, no julgamento do HC 118.770, decidiu que não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso.
Mais adiante, o juiz André Motta afirma que esse entendimento está em consonância com a lógica do precedente firmada em repercussão geral no ARE 964.246-RG, de relatoria do ministro Teori Zavascki, “já que, também no caso de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri”.
Nessa conjuntura, a 1ª Turma da Suprema Corte proclamou a seguinte tese: “A prisão do réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade”.
Para o magistrado, “no caso, o Conselho de Sentença revela-se como uma imposição constitucional decorrente da forma de associação política adotada, que é a democracia participativa, e não mera democracia representativa, exteriorizada no artigo 5º, inciso XXXVIII, da Lei Maior. É a denominada em doutrina “justiça democrática”, na qual a própria sociedade desponta atuando na administração da justiça com direito a voto soberano, secreto e imotivado, tal como ocorre no exercício do direito de sufrágio concernente à capacidade eleitoral ativa”.
Explica ainda o juiz André Motta: “Daí porque necessário reconhecer aplicação imediata ao veredicto do Conselho de Sentença, composto por pessoas do povo, que são os verdadeiros titulares do poder e estão a exercê-lo direta e soberanamente, de modo que nenhum juiz, desembargador ou ministro poderá substituí-lo, mesmo porque a Lei Maior lhe atribui a última palavra nos crimes dolosos contra a vida. Eventual recurso não tem o condão de modificar o mérito da decisão soberana, mas apenas, e tão somente, de submeter o réu a novo julgamento em casos de reconhecimento de nulidade ou que a decisão é contrária a prova dos autos, ou, ainda, redimensionar a pena aplicada”.
André Motta registra ainda que os julgados citados em sua sentença são anteriores à alteração legislativa inserta pela Lei nº. 13.964, de 2019, que inseriu no dispositivo da norma do art. 492, I, alínea e, do Código de Processo Penal, que determinou que no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão – Luiz Cláudio foi condenado a 23 anos e três meses –, perante o Tribunal do Júri, o Juízo determinará a execução provisória das penas, com expedição de mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.
“Ou seja, a norma legislativa alterada, em comparação com o entendimento sedimentado pelo Excelso Pretório (que não estabelecia quantidade de anos – quinze – para a início do cumprimento da pena), é, nesse aspecto, benéfica. Desse modo, não há o que se falar em eventual retroatividade de aplicação de lei processual penal, de caráter híbrido, eventualmente maléfica”, concluiu o magistrado, ao acolher o pedido feito pelo Ministério Público Estadual.
“Pelo exposto, DETERMINO A IMEDIATA EXECUÇÃO da pena do acusado LUIZ CLÁUDIO FERREIRA SARDENBERG, pelos motivos expostos, determinando a expedição de mandado de prisão em seu desfavor, com data limite para cumprimento em 11/11/2040. Determinada a execução imediata da pena, prejudicado o pedido do Assistente de Acusação, quanto a decretação da prisão preventiva, para assegurar a aplicação da lei penal”.
Ministério Público diz que Gabriela foi morta por “motivo torpe” e de forma “cruel”
Gabriela morreu na madrugada de 21 de setembro de 1996. Na denúncia oferecida à Justiça em 3 de março de 1997, o Ministério Público Estadual pediu a condenação do réu Luiz Cláudio por homicídio qualificado, cometido por motivo torpe, meio cruel e uso de meios que dificultaram a defesa da vítima (Art. 121, § 2º, incisos I, III e IV do Código Penal Brasileiro), com observância à Lei 8.072/90, com nova redação na Lei 8.930/94 (crimes hediondos).
O MPES narra na denúncia que a vítima, com 19 anos à época, rompeu o relacionamento com o acusado após descobrir que ele “era usuário de entorpecentes”. Após o término do namoro, Gabriela e Luiz Cláudio se encontraram na noite de 21 para 22 de setembro e foram para um apartamento localizado no 12º andar, na Avenida Dante Micheline, em Vitória.
No local, conforme fotos, laudos de exames e perícias realizados, o empresário teria agredido a estudante, provocando fraturas, quebra de dois dentes e escoriações na região lombar. Em seguida, de acordo com a denúncia, empurrou a estudante do apartamento e a queda causou a morte instantânea dela.
O empresário Luiz Cláudio alegou que a estudante cometeu suicídio. Ele acompanhou, no local do fato, o trabalho da perícia técnica e dos policiais, que, na ocasião, não se atentaram para as lesões nas mãos e braços do réu. Ele foi submetido a exames vários dias depois, após ter adiado a realização. Esses fatos e a alteração do local antes da chegada da perícia geraram dúvidas quanto ao trabalho investigativo preliminar.
Sinais
O promotor de Justiça Leonardo Augusto de Andrade Cézar (Foto) lembrou que o MPES requisitou perícia do local ao Instituto de Criminalística do Distrito Federal e os laudos mostraram que houve luta no apartamento, onde foram encontradas manchas avermelhadas semelhantes a sangue, além de outros sinais do contato do corpo com a janela de onde caiu. Mesmo tendo sido feita a limpeza de manchas deixadas no local, os vestígios permaneceram.
O MPES salienta na denúncia que, à época, os legistas de Brasília confirmaram que não foram feitos os exames periciais que constavam dos autos, conforme se verificou posteriormente, com a exumação do corpo pela perícia do Distrito Federal.
Na denúncia, o MPES também descartou a tese de suicídio, porque a vítima tinha vida saudável, vivia em harmonia com a família e amigos e não falava no assunto. Por fim, o Ministério Público salientou que o acusado fez uso de cocaína na noite do crime e, depois dos fatos, ironizou colegas da vítima e afirmou que ficaria impune.
Tramitação
Apesar da longa tramitação do processo e dos diversos adiamentos, o MPES sempre trabalhou para que o caso fosse levado ao Tribunal do Júri. Em manifestação nos autos, datada de 2 de setembro deste ano, o MPES requereu o regular prosseguimento e a designação de sessão de julgamento ainda em 2020, com a maior celeridade possível, para que se evitasse a eventual ocorrência de prescrição.
“Ressalte-se que os fatos ocorreram em 1996 e até hoje não houve julgamento. Essa demora traz angústia e aflição para a família da vítima e retira a credibilidade de todos os atores da Justiça, haja vista a repercussão nacional do caso”, salienta a manifestação ministerial.
O promotor de Justiça Leonardo Augusto, que atuou no “Caso Gabriela Chermont”, falou do trabalho do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) e destacou a importância para a instituição de dar uma resposta para a família da vítima e para a sociedade capixaba.
Leia aqui a íntegra da sentença que condenou Luiz Cláudio Ferreira Sardenberg