A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo acolheu recurso do Ministério Público do Estado e mudou decisão de primeiro grau, para condenar um homem já condenado por tráfico de drogas e pagar uma indenização de R$ 10 mil por danos coletivos. A decisão da 1ª Câmara Criminal foi tomada na sessão virtual do dia 30 de outubro de 2020 e, cujo acórdão, foi publicado na sexta-feira (23/10) passada.
No dia 17 de dezembro de 2019, Rodrigo Alves Oliveira foi condenado pela acusação de tráfico de drogas a uma pena de cinco anos e 10 meses de reclusão, 15 dias de detenção e 593 dias-multa, pela prática dos crimes previstos no artigo 33 da Lei 11.343/2206 e no artigo 330 do Código Penal. A sentença foi proferida pelo juiz Ivo Nascimento Barbosa, da 2ª Vara Criminal de Nova Venécia, no processo número 0003079-10.2019.8.08.0038.
Na mesma ação penal, a Promotoria de Justiça Criminal de Nova Venécia pediu também a condenação do réu ao pagamento de uma indenização por dano moral coletivo. O juiz, no entanto, indeferiu esse segundo pleito.
O Ministério Público Estadual recorreu da decisão de primeiro grau e o caso chegou ao Tribunal de Justiça, sendo distribuído para o gabinete do presidente da 1ª Câmara Criminal desembargador Pedro Valls Feu Rosa para ser o relator. Veja aqui o recurso da Promotoria de Justiça Criminal de Nova Venécia.
Em seu voto, o relator narra que “que no dia 18/07/2019, os policiais faziam patrulhamento no bairro Bethânia (Nova Venécia) quando se depararam com denunciado próximo ao campo de futebol. O denunciado demonstrou atitude suspeita e, com a aproximação dos policiais empreendeu fuga, sendo que os policiais deram ordem para que ele parasse, não sendo atendidos pelo denunciado. Os policiais perseguiram o denunciado e, num dado momento, ele adentrou em uma residência. Foi feito o cerco de acordo com os procedimentos e os policiais observaram que o denunciado jogou algo pela janela da casa. Foi solicitado ao morador que franqueasse a entrada e, além disso, o morador disse que não conhecia o denunciado. Continuando a diligência, os policiais encontraram o denunciado. Em revista pessoal, foi encontrado no bolso do denunciado uma nota rasgada no meio de R$ 50,00 (cinquenta reais) e, no local onde ele jogou algo, foi encontrado um saco de ‘chup-chup’ com 20 (vinte) pedras de crack, embaladas e prontas para comercialização”.
Segundo o desembargador Pedro Valls em seu voto, o Ministério Público interpôs o recurso, visando o arbitramento de R$ 10 mil a título de reparação pelos danos morais coletivos suportados em razão da ação criminosa.
“Inicialmente, entendo pertinente realizar ponderações acerca da configuração do dano moral coletivo”, frisa o relator. E afirma que em esclarecedora manifestação, a ministra Nancy Andrighi, do Supremo Tribunal Federal, assim delimitou os aspectos do instituto:
“4. O dano moral coletivo é categoria autônoma de dano que não se identifica com os tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), mas com a violação injusta e intolerável de valores fundamentais titularizados pela coletividade (grupos, classes ou categorias de pessoas). Tem a função de: a) proporcionar uma reparação indireta à lesão de um direito extrapatrimonial da coletividade; b) sancionar o ofensor; e c) inibir condutas ofensivas a esses direitos transindividuais. Se, por um lado, o dano moral coletivo não está relacionado a atributos da pessoa humana e se configura in reipsa, dispensando a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral, de outro, somente ficará caracterizado se ocorrer uma lesão a valores fundamentais da sociedade e se essa vulneração ocorrer de forma injusta e intolerável. 6. A lesão de interesses individuais homogêneos pode acarretar o comprometimento de bens e institutos jurídicos superiores cuja preservação é cara à própria comunidade, vulnerando, pois, valores fundamentais da comunidade, razão pela qual é passível, em tese, de reclamar a compensação de danos morais coletivos”.
Ainda de acordo com o voto do desembargador Pedro Valls, “analisando a questão do ressarcimento de danos morais sofridos pela vítima de uma infração penal, o Superior Tribunal de Justiça admitiu a possibilidade de o magistrado, caso sinta-se apto, arbitrar valor mínimo, condicionado à existência de pedido expresso na denúncia, como se observa: 1. Considerando que a norma não limitou e nem regulamentou como será quantificado o valor mínimo para a indenização e considerando que a legislação penal sempre priorizou o ressarcimento da vítima em relação aos prejuízos sofridos, o juiz que se sentir apto, diante de um caso concreto, a quantificar, ao menos o mínimo, o valor do dano moral sofrido pela vítima, não poderá ser impedido de faze-lo.”
Para o desembargador-relator, é possível concluir que o dano moral coletivo decorre de lesão aos valores e direito fundamentais da coletividade.
“Sua caracterização e consequente imposição do dever de indenizar visam principalmente a reparação indireta do dano ao direito extrapatrimonial, a sanção do ofensor e a inibição de condutas de mesma natureza. Nesse cenário, tenho por inquestionável o dano moral coletivo decorrente da prática do crime de tráfico de drogas, cuja existência baseia-se na reiterada lesão a direito titularizados por toda sociedade, pelos motivos que passo a expor. Em razão da ascensão do tráfico de entorpecentes, convivemos com grave problema de saúde pública, relacionado ao uso abusivo de substâncias entorpecentes”, completa Pedro Valls Feu Rosa.
Em seu voto, o desembargador cita que existe uma associação do uso de drogas com a violência e diz que nos Estados Unidos, “50% das mortes violentas guardam ligação direta com as drogas. Esta relação está presente em 33% das mortes na faixa etária de 15 a 29 anos, naquele país”.
Explica ainda que as demandas de saúde pública relacionadas aos impactos causados pelo vício envolvem tratamento multidisciplinar e especializado, “o que impacta diretamente no orçamento do Estado destinado ao Sistema de Saúde. Ademais, observamos ainda o exponencial crescimento da prática de crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes, sendo de variadas naturezas, dentre os quais destaco especialmente os homicídios cometidos no contexto de disputas por pontos de comercialização e os crimes patrimoniais, usualmente cometidos por usuários, visando obter recursos para financiar o vício”.
Pedro Valls ainda registra “que o mercado de substâncias entorpecentes tem seu propulsor na crescente demanda de consumo de produtos ilícitos, de modo que a estrutura de compra e venda funciona sem o devido recolhimento de tributos. Evidencia-se, assim, que não somente o tráfico incrementa exponencialmente as despesas estatais, como também não apresenta qualquer tipo de contrapartida. Considero pertinente destacar, ademais, que a imposição isolada de penas corpóreas aos agentes do tráfico não tem se mostrado medida eficaz para inibir a reiteração delitiva, tampouco mitigar os prejuízos suportados pela sociedade”.
O desembargador diz ainda em seu voto que o tráfico de drogas tem ultrapassado limites e não encontra qualquer empecilho nas medidas usualmente utilizadas em seu combate, movimentando vultosas quantias em prejuízo e às custas da imposição de mazelas à sociedade.
“Neste contexto, entendo que a fixação de valor mínimo a título de indenização pelos danos morais coletivos gerados pelo tráfico é medida que se impõe, a fim de assegurar que crime de tamanha gravidade e impacto social não seja agraciado com a impunidade. Assim, considerando que na inicial acusatória foi formulado pedido expresso de condenação pelos danos morais decorrentes da prática criminosa nos termos do artigo 387, IV do Código de Processo Penal, bem como que o dano moral coletivo que se configura in re ipsa, tenho por devida a fixação de valor mínimo a título de indenização”.
O voto do relator Pedro Valls foi provido e acompanhado pela maioria dos desembargadores da 1ª Câmara Criminal.