Com menos de 35 mil habitantes, Itapemirim, município localizado no Sul do Espírito Santo, parece insistir em permanecer no seu inferno astral. Desde 2013, ainda sob a administração do médico Luciano Paiva Alves, Itapemirim agoniza com ondas de denúncias de corrupção, desvio de recursos e diversos outros escândalos.
Condenado a prisão e cassado pela Justiça, Luciano Paiva foi substituído em 2017 por seu colega de Medicina e amigo Thiago Peçanha Lopes (PRB). Mas a receita da mudança parece não ter dado certo: Itapemirim continua na UTI.
A revolta é tanta que, no dia 18 de maio de 2020, mesmo em meio às medidas de isolamento social impostas pela pandemia do novo coronavírus, políticos, religiosos e lideranças comunitárias fizeram um protesto em Vitória.
Deslocaram-se de Itapemirim até a capital para mostrar sua insatisfação com o prefeito Thiago Peçanha. Denunciaram irregularidades e cobraram dos órgãos fiscalizadores e julgadores – como Ministério Público, Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas e Justiça Eleitoral – rapidez na apuração das denúncias relativas às irregularidades que, segundo eles, vêm acontecendo em Itapemirim. São, conforme falaram na manifestação, denúncias de supostos atos de corrupção.
A relação da Prefeitura com os recursos públicos é tão estranha que, no dia 30 de agosto de 2016, o então prefeito Luciano Paiva firmou contrato com a empreiteira Alas no valor de R$ 3.005.417,33 para obras de arte especial (construção de pontes e bueiros) em estradas municipais.
Houve aditivo de R$ 535 mil, totalizando, assim, R$ 3,540 milhões. O Município chegou a pagar 90% do contrato. Entretanto, em maio de 2018, o já prefeito Thiago Peçanha decidiu rescindir o contrato, de maneira unilateral, quando faltavam ser concluídos 2% das obras. E a empreiteira ficou sem receber R$ 850 mil.
O vereador Joceir Cabral de Melo, o Ceir (PP), por exemplo, aponta as principais irregularidades na gestão de Thiago Peçanha. Segundo ele, maior parte dos royalties do petróleo é gasto com a folha de pagamento, que hoje seria de R$ 14 milhões por mês, incluindo servidores efetivos, comissionados e terceirizados de pelo menos três empresas que prestam serviços ao Município. Itapemirim tem população aproximada de 34.300 pessoas.
“Hoje, Itapemirim recebe por mês cerca de R$ 12 milhões royalties. Significa que o gasto com a folha de pagamento é maior do que esta receita. Porém, a cada três meses, a receita é de R$ 25 a R$ 30 milhões”, disse Ceir.
Em 2017, a folha de pagamento ultrapassou a casa dos R$ 40 milhões em sete meses e meio de mandato do atual prefeito.
Atualmente, a Prefeitura de Itapemirim conta com três empresas que prestam serviços públicos: a Liderança Conservação e Limpeza, uma empresa de segurança e outra de engenharia, para elaborar projetos – que, segundo o vereador Ceir, nunca saem do papel.
O vereador Ceir informa que o prefeito Thiago Peçanha assinou contrato para a construção do Terminal Pesqueiro de Itaipava, com valor inicial de R$ 41 milhões. “No entanto, ao longo desse período o prefeito incluiu aditivos e hoje o valor do contrato está em torno de R$ 90 milhões”.
A Câmara Municipal de Itapemirim chegou a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI) para apurar as supostas irregularidades nos aditivos ao contrato com o Terminal Pesqueiro, mas, segundo Ceir, a CPI foi arquivada por decisão da maioria dos vereadores que apoiam Thiago Peçanha, que são: Vagner Santos Negrine (PDT), Paulo Sérgio de Toledo Costa (PMN), Waldemir Pereira Gama, o Bil (PRP), Leonardo Fraga Arantes (DEM), Lenildo Henrique (PP) e Vanderli Louzada Bianchi (PSB).
No dia 18 de maio de 2020, um grupo de lideranças políticas, religiosas e comunitárias realizou manifestação em Vitória, mantendo os procedimentos de distanciamento por conta do novo coronavírus, na porta de órgãos como Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual, Tribunal Regional Eleitoral e Tribunal de Contas do Estado.
Eles cobraram, principalmente, celeridade na tramitação de procedimentos investigatórios instaurados em desfavor do prefeito Thiago Peçanha.
Segundo o vereador Ceir, as contas de 2017 de Peçanha já foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas, mas até este momento os autos ainda não foram enviados à Câmara de Vereadores para a devida apreciação – que pode culminar em julgamento de impeachment do prefeito.
Padre aponta falta de transparência
O padre Valdece Schuenk, pároco da Paróquia Sagrado Coração (Itaoca/Itaipava), disse que o que chama a atenção da população local é a falta de transparência da gestão de Thiago Peçanha na prestação de contas:
“Eu mesmo enviei ofícios, solicitando informações a respeito de obras, como o Terminal Pesqueiro de Itaipava, mas não recebo resposta. O Portal de Transparência da Prefeitura não funciona adequadamente. Dizem que a obra do Terminal Pesqueiro custou R$ 40 milhões e que hoje estaria na casa dos R$ 90 milhões, mas nada disso pode ser confirmado, porque a Administração Pública não presta contas”, lamentou o padre Schuenk.
“Certeza vez fizemos uma Representação sobre o valor do Terminal. Estava já em R$ 60 milhões, devido aos aditivos. Por isso, solicitamos uma investigação por parte do Ministério Público Estadual”, prosseguiu o padre. “A obra do Terminal Pesqueiro encontra-se a todo valor, mas a falta de informações cria um ambiente obscuro”, lamentou Schuenk.
O pastor Josué Batista da Silva, da Assembleia de Deus, esteve em Vitória no dia 18 de maio. “Estivemos na capital com um número pequeno, para evitar aglomeração por conta da pandemia, mas um grupo bastante seletivo e representativo. Não podemos nos omitir”, destacou o religioso.
O pastor Josué lembra que, em setembro de 2013, ele foi um dos autores de Representação em desfavor do então prefeito de Itapemirim, Luciano de Paiva Alves. A Representação foi protocolada na Câmara de Vereadores, que, no entanto, arquivou o documento contendo as denúncias de supostas irregularidades.
A mesma Representação foi encaminha ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo, que, por meio do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), iniciou uma extensa investigação. E, em marco de 2016, Luciano Paiva e um grupo de secretários e servidores públicos municipais foram afastados dos cargos por ordem da Justiça.
Luciano Paiva conseguiu retornar ao cargo e em 2016 foi reeleito prefeito. Neste período, porém, ele chegou a ser afastado por mais duas vezes, até que mais tarde ele foi condenado a 11 anos de prisão.
Logo após ter sido reeleito em outubro de 2016, Luciano Paiva sofreu a primeira cassação por parte da Justiça Eleitoral. Mesmo assim, foi diplomado para o segundo mandato, que ele assumiu em janeiro de 2017. Entretanto, em abril de 2017, Luciano Paiva acabou sendo cassado em definitivo, com Thiago Peçanha – que era seu vice – assumindo o cargo de prefeito.
Luciano Paiva e Thiago Peçanha têm algo em comum: ambos são médicos. No início da cassação de Luciano Paiva, ele e Thiago se tornaram rivais. Nos últimos anos, no entanto, reataram a amizade. Tanto que hoje maior parte da equipe de governo de Thiago Peçanha trabalhou também com Luciano Paiva. Inclusive, gestores que se tornaram réus em processos junto com o ex-prefeito.
O outro lado
Desde segunda-feira (08/06), o Blog do Elimar Côrtes vem tentando contato com o prefeito Thiago Peçanha e com um de seus advogados, Gabriel Coimbra. O Blog conseguiu contatar a Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Itapemirim, na segunda-feira, quando repassou ao prefeito a demanda sobre o teor desta reportagem.
No entanto, até o momento desta postagem, o prefeito Thiago Peçanha e nem sua Assessoria retornaram com as respostas. O Blog do Elimar Côrtes, todavia, está à disposição para qualquer manifestação do prefeito e de sua Administração.