Preocupado com interpretações distintas que um grupo de oficiais quer dar à Lei Federal nº 13.954/2019 que reestrutura a carreira militar e dispõe sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares estaduais de das Forças Armadas, o governador Renato Casagrande baixou o Decreto nº 4558-R, de 8 de janeiro de 2020, que transfere para até o dia 31 de dezembro de 2021 o fim do pedágio para que policiais e bombeiros militares possam se aposentar no Espírito Santo.
O decreto foi publicado no Diário Oficial de quinta-feira (09/01) e causou uma reação de um grupo de militares que, pelo entendimento da lei imaginado por eles, poderiam ser promovidos agora em fevereiro quando pelo menos 300 policiais – entre oficiais e praças – iriam para a Reserva Remunerada por força da Lei Federal.
Membros desse grupo, que se sente prejudicado por ter a promoção frustrada, acabaram criando mensagens falsas contra as Associações de Classe dos Policiais e Bombeiros Militares. Por meio de uma fake news, eles produziram uma nota como se fosse das associações, relatando mentiras no comunicado. As associações reagiram e desmentiram a nota falsa.
No final do ano passado, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Márcio Eugênio Sartório, fez uma consulta à Procuradoria-Geral do Estado a respeito da Lei Federal nº 13.954/2019, que, dentre outros pontos, dispôs sobre o sistema da proteção social dos militares e impôs alterações em relação ao regime jurídico da inatividade e pensões das políticas militares e bombeiros militares. A resposta da PGE, ao final desta reportagem, foi no sentido de se continuar sendo cumprida a lei estadual, até que venham decisões superiores.
O decreto assinado pelo governador Casagrande prorroga para 2021 artigos da lei que criou a política de subsídios na PM e no Corpo de Bombeiros, em 2008.
Um determinado grupo dentro da PM vinha entendendo que a Lei Federal de dezembro de 2019, que estabelece pedágio de 17% para se aposentar, poderia lhes favorecer, antecipando, por exemplo, a aposentadoria de coronéis.
No entanto, no Espírito Santo, o pedágio já vem sendo aplicado desde 2008. Pelo entendimento desse grupo, o pedágio agora seria menor, o que provocaria a aposentadoria de pelo menos 300 militares a partir de fevereiro de 2020. A Lei Federal, no entanto, permite que o fim do pedágio chegue a dezembro de 2021, conforme cita trecho do parecer da PGE ao Comando-Geral da PMES.
“A Lei Federal nº 13.954/19 entrou em vigor na data de sua publicação (art. 29), constando uma faculdade no art. 26 a respeito da edição de ato pelo Chefe do Poder Executivo do ente federativo, no prazo de 30 (trinta) dias e cujos efeitos retroagirão à data de publicação da lei, para “autorizar, em relação aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em atividade na data de publicação desta Lei, que a data prevista no art. 24-F e no caput do art. 24-G do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, incluídos por esta Lei, seja transferida para até 31 de dezembro de 2021.”
Ainda na noite de quinta-feira (09/01) quando a fake news contra as entidades de classe começou a ser compartilhada nas redes sociais, a Associação de Cabos e Soldados da PM e do Corpo de Bombeiros Militares (ACS/ES) divulgou nota repudiando e desmentindo o ato:
“A ACSPMBM-ES vem esclarecer que este comunicado, datado de 09 de janeiro de 2020, vem sendo compartilhado nas redes sociais, falando em nome das associações representativas dos militares do Espírito Santo, é FALSO. A diretoria da Cabos e Soldados têm lutado para que os direitos de nossos associados sejam protegidos e seguirá incansavelmente até conseguir. Os documentos oficiais, bem como declarações dadas por nossa associação, sempre serão divulgados através de nosso site e nossas redes sociais”. A nota é assinada pelo presidente da ACS/ES, cabo Eugênio.
O que diz o Decreto
DECRETO Nº 4558-R, DE 08 DE
JANEIRO DE 2020.
Autoriza, nos termos do art. 26
da Lei Federal nº 13.954, de 16
de dezembro de 2019, que a data
prevista no art. 24-F e no caput do
art. 24-G do Decreto-lei nº 667, de
2 de julho de 1969, seja transferida
para 31 de dezembro de 2021.
O GOVERNADOR DO ESTADO
DO ESPÍRITO SANTO, no uso das
atribuições que lhe são conferidas
nos termos do art. 91, V, a, da
Constituição Estadual, na forma do
art. 26 da Lei Federal nº 13.954, de
16 de dezembro de 2019;
DECRETA:
Art. 1º A data prevista no art.
24-F e no caput do art. 24-G do
Decreto-lei nº 667, de 2 de julho
de 1969, incluídos pela Lei Federal
nº 13.954, de 16 de dezembro de
2019, fica transferida para até 31
de dezembro de 2021.
Art. 2º Este Decreto entra em
vigor na data de sua publicação,
retroagindo seus efeitos ao dia 17
de dezembro de 2019.
Palácio Anchieta, em Vitória, aos
08 dias do mês de janeiro de
2020, 199º da Independência,
132º da República e 486º do Início
da Colonização do Solo Espíritosantense.
JOSÉ RENATO CASAGRANDE
Governador do Estado
Protocolo 554040
2.2.2 PARECER – PGE
Processo nº: 88275558
Interessado: PMES
Consulta a respeito da Lei Federal nº 13.954/2019
Ao Comando da Polícia Militar,
1. Trata-se de consulta formulada pelo Comandante Geral da Polícia Militar, Sr. Márcio Eugênio Sartório, em que solicita manifestação desta Procuradoria-Geral do Estado a respeito da Lei Federal nº 13.954/2019, que, dentre outros pontos, dispôs sobre o sistema da proteção social dos militares e impôs alterações em relação ao regime jurídico da inatividade e pensões das políticas militares e bombeiros
militares.
Solicita, assim, a manifestação desta consultoria jurídica de forma a assegurar a regularidade do cumprimento do processo administrativo de inativação dos militares. O comandante solicitou a manifestação da PGE de forma a assegurar a regularidade do cumprimento do processo administrativo de inativação dos militares.
2. A Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2013 (Reforma da Previdência), alterou o sistema de previdência social, incluindo novas regras para o Regime Geral de Previdência Social e para o Regime Próprio de Previdência Social. No que interessa a presente consulta, a EC nº 103/2019 modificou o modelo existente no ordenamento jurídico brasileiro, que conferia plena autonomia aos Estados-membros para cuidar das regras referentes a inatividades e a pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares, e passou a dispor sobre a competência legislativa da União para estabelecer normas gerais a respeito da inatividade e pensões por meio da alteração do art. 22, inc. XXI, da Constituição Federal. Vejamos a redação do citado dispositivo:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(…)
XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares;
Pela leitura do citado inciso, pode-se obter as seguintes conclusões: (a) a modificação introduzida pela EC nº 103/19 envolve apenas a competência legislativa; (b) ocorreu uma limitação da autonomia dos Estados para editar normas referentes a inatividade e a pensões; (c) a competência legislativa da União envolve apenas a publicação de normas gerais a respeito da inatividade e pensões dos militares estaduais; (d) cabe aos Estados editar noras específicas acerca da inatividade e pensões dos militares estaduais; e (e) enquanto não editada a norma geral federal, os Estados ainda continuam com a competência plena para tratar dos temas citados acima.
No exercício dessa competência legislativa, a União editou normas gerais a respeito da inatividade e pensões dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, por meio da inclusão dos arts. 24-A a 24-J no Decreto-lei nº 667/69 pela Lei Federal nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019.
A Lei Federal nº 13.954/19 entrou em vigor na data de sua publicação (art. 29), constando uma faculdade no art. 26 a respeito da edição de ato pelo Chefe do Poder Executivo do ente federativo, no prazo de 30 (trinta) dias e cujos efeitos retroagirão à data de publicação da lei, para “autorizar, em relação aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em atividade na data de publicação desta Lei, que a data prevista no art. 24-F e no caput do art. 24-G do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, incluídos por esta Lei, seja transferida para até 31 de dezembro de 2021.”
Apesar de ter entrado em vigor na data de sua publicação, a Lei Federal nº 13.954/19 não é aplicada imediatamente em relação às alterações introduzidas no que toca à inatividade e pensões dos militares estaduais, já que essa mudança em relação as regras de inatividade e pensões depende da alteração da legislação estadual, atualmente em vigor.
O caráter geral e abstrato das novas normas inseridas na Lei Federal nº 13.954/19 impede sua incidência sem que ocorra a alteração da legislação local. As normas gerais federais necessitam ser densificadas, não tendo o condão, isoladamente, sem o complemento normativo local, de serem aplicadas imediatamente.
E isso fica muito claro ao se observar que a lei federal cria um sistema de proteção social e impede que os militares sejam submetidos ao Regime Próprio de Previdência Social (art. 24-E), o que enseja a necessidade de uma total reformulação do modelo de gestão dos inativos militares no âmbito do Estado do Espírito Santo, que são abrangidos pelo RPPS, com a atuação do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado do Espírito Santo – IPAJM e a gestão das receitas e despesas por meio dos fundos previdenciário e financeiros.
É, pois, impossível “girar a chave” do sistema de gestão dos inativos do modelo de previdência social para o modelo de proteção social de maneira imediata, sem a realização de estudos e alterações legislativas.
Apesar de válida e vigente, falece eficácia técnica à Lei nº 13.954/2019 no que toca as regras de inatividade e pensões dos militares estaduais, afastando a produção de efeitos jurídicos. Isso porque o dispositivo não é aplicado imediatamente aos Estados devido à falta de regras regulamentadoras locais.
Com efeito, a eficácia, que está relacionada à produção de efeitos da norma, pode ser classificada em técnica, social, jurídica ou social.
A respeito da eficácia, Ferraz Junior afirma que: Eficácia é uma qualidade da norma que se refere à possibilidade de produção concreta de efeitos, porque estão presentes as condições fáticas exigíveis para sua observância, espontânea ou imposta, ou para a satisfação dos objetivos visados (efetividade ou eficácia técnica), ou porque estão presentes as condições técnico-normativas exigíveis para sua aplicação (eficácia técnica). 1 Especificamente em relação à eficácia técnica, Frota salienta que ela “dia respeito à técnica legislativa, ou seja, quando uma norma depender de outra para ser aplicada ou quando se exigir certo equipamento não existir falta à norma eficácia técnica.”2 Pela leitura dos arts. 24-A a 24-J do Decreto-lei nº 667/69, vemos que não é possível aplicar suas regras sem que ocorra uma modificação da legislação estadual, carecendo, assim, a nova legislação de eficácia técnica. Isso porque a norma federal depende do advento de norma estadual que
lhe complemente o alcance e o sentido para ser aplicada.
Além do citado exemplo referente à necessidade de modificação de todo o sistema de gestão dos militares estaduais, o que não é factível de ser realizado prontamente, temos inúmeras regras que necessitam de uma definição pelo ente federado, como a transferência para a reserva remunerada de ofício, e outras que, por força de princípios constitucionais, dependem de legislação local, como as mudanças nas contribuições dos militares.
Por derradeiro, destaca-se que previsão do art. 26 da Lei Federal nº 13.954/19 quanto à possibilidade de edição de ato pelo Chefe do Poder Executivo para transferir para até 31 de dezembro de 2021 a data prevista no art. 24-F e no caput do art. 24-G do Decreto-lei nº 667/69 não altera o entendimento exposto acima.
Os arts. 24-F e 24-G são os únicos em que foi mencionada uma data específica (31.12.2019), sendo salutar que subsista essa possibilidade de postergação da data em que suas regras deveriam ser aplicadas, até porque, como dito acima, a modificação dos comandos quanto à inatividade e pensões dependerá da alteração da legislação local, o que não é passível de ser efetuado de maneira imediata.
3. Ante o exposto, a Administração Pública estadual deve continuar adotando os procedimentos fixados na legislação atualmente em vigor do Estado do Espírito Santo, até que advenha sua alteração a fim de se adaptar as normas gerais recentemente editadas pela União.
Vitória, 30 de dezembro de 2019.
Rodrigo Francisco de Paula
Procurador-Geral do Estado
– Em 03.01.2020
Em consequência, a DRH continuará adotando os procedimentos fixados na legislação atualmente em vigor do Estado do Espírito Santo, até que advenha sua alteração a fim de se adaptar as normas gerais recentemente editadas pela União.