Em artigo publicado na edição desta quinta-feira (22/02) do jornal A Gazeta, o promotor de Justiça Rodrigo Monteiro da Silva questiona a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que, na sessão da última terça-feira (20/02), por maioria de votos, concedeu Habeas Corpus (HC 143641) Coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP). No artigo, que leva o título ‘Mulheres cooptadas para o crime’, o promotor de Justiça entende que a decisão do STF está tapando o sol com a peneira.
“A liberação indiscriminada e generalizada de mulheres grávidas ou com filhos menores causará uma inegável expansão das atividades criminosas no Brasil…Inegável que a partir de agora ocorrerá a cooptação generalizada dessa ‘nova mão de obra especializada’…Os adolescentes infratores serão substituídos por mulheres com filhos menores ou em idade fértil. O número de detentas que ficarão grávidas com o único propósito de alcançarem a liberdade será enorme. Essas crianças irão nascer sem qualquer planejamento familiar e servirão apenas como verdadeiros habeas corpus”, resume o promotor de Justiça Rodrigo Monteiro, que é Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
Ao comentar sobre o seu artigo, Rodrigo Monteiro deixa claro o que vivencia no dia a dia como promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo:
“Não sou pesquisador da área de segurança pública, mas há anos, todos os dias, enfrento em meu trabalho as consequências da violência urbana. Até ontem o crime organizado (e também o desorganizado) se valia de adolescentes para a prática dos mais diversos delitos, em especial, do tráfico de drogas. A partir de agora, com a criação dessa nova ‘mão de obra especializada’, haverá uma inevitável migração de mulheres para as atividades criminosas. Nesse contexto, apresento uma breve análise da recente decisão do STF que concedeu prisão domiciliar, de forma indiscriminada, para ‘todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes”.
Abaixo, a íntegra do artigo do doutor Rodrigo Monteiro:
Mulheres cooptadas para o crime
Após à repercussão negativa da concessão de prisão domiciliar para a ex-primeira dama do Estado do Rio de Janeiro, acusada de envolvimento com corrupção e desvio de verbas públicas, sob o fundamento de necessidade de sua presença ao lado de seus filhos menores, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou um habeas corpus coletivo apresentado pela Defensoria Pública da União em favor de mulheres submetidas à prisão cautelar, que ostentem a condição de gestantes ou de mães com crianças com até 12 anos de idade.
Em suma, o pedido da Defensoria Pública sustentou que manter as crianças longe de suas mães “constitui tratamento desumano, cruel e degradante”.
Restou sustentado, também, que “a política criminal responsável pelo expressivo encarceramento feminino é discriminatória e seletiva, impactando de forma desproporcional as mulheres pobres e suas famílias”.
Outro argumento utilizado pela Defensoria Pública foi o artigo 5º, XLV, da Constituição Federal, segundo o qual “a pena não poderá passar da pessoa do condenado” e, a manutenção da prisão de mulheres com filhos pequenos faria com que estes sofressem o impacto da privação de liberdade de suas mães.
É inegável que o encarceramento brasileiro guarda relação direta com pessoas em situação de vulnerabilidade. Em sua maioria a população carcerária é formada por negros e pobres, em regra, desprovidos do direito fundamental de acesso à Justiça. A própria Defensoria Pública, incumbida pelo artigo 134, da Constituição Federal, de promover a defesa judicial gratuita de pessoas necessitadas não consegue suprir a demanda. Isso faz com que pessoas pobres, homens e mulheres, não recebam uma defesa técnica adequada e capaz de preservar todos os direitos e garantias fundamentais.
Prova dessa omissão estatal em relação aos direitos de pessoas em situações de vulnerabilidade social é a ausência de implementação da Lei nº 13.257/2016, que possibilitou a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para gestantes e mães de crianças.
É importante frisar que o pleito levado ao STF já é albergado por uma lei, bastando que haja sua aplicação. A ausência de uma política pública voltada ao atendimento jurídico de mulheres presas não pode servir de fundamento para que o Poder Judiciário decida “tapar o sol com a peneira”.
A liberação indiscriminada e generalizada de mulheres grávidas ou com filhos menores causará uma inegável expansão das atividades criminosas no Brasil, eis que, tal qual atualmente ocorre com adolescentes que se envolvem com a criminalidade, haverá um maciço processo de aliciamento de mulheres para as entranhas do crime organizado. Inegável que a partir de agora ocorrerá a cooptação generalizada dessa “nova mão de obra especializada”.
Os adolescentes infratores serão substituídos por mulheres com filhos menores ou em idade fértil. O número de detentas que ficarão grávidas com o único propósito de alcançarem a liberdade será enorme. Essas crianças irão nascer sem qualquer planejamento familiar e servirão apenas como verdadeiros “habeas corpus”.
Com o propósito de se resolver um problema social, deu-se início a uma situação muito mais grave. Não é preciso entender de política criminal para se enxergar que o habeas corpus coletivo apresentado pela Defensoria Pública da União e acolhido pelo STF ocasionará um significativo aumento da criminalidade. Os efeitos da decisão do STF ultrapassam a seara jurídica, eis que relacionados a uma verdadeira política pública criminal voltada ao desencarceramento em massa.
Se continuarmos nesse caminho não será de se estranhar a defesa de um “Direito fundamental à reprodução assistida para as detentas com dificuldades de engravidar, como forma de garantia ao princípio da isonomia em relação àquelas que já alcançaram a liberdade”.
(Rodrigo Monteiro da Silva é Promotor de Justiça; Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais-FDV)