Quando a Polícia Civil desarticulou, no dia 17 de agosto deste ano, denúncias de um dos maiores escândalos de desvio de dinheiro no Instituto de Atendimento Sócio Educativo do Espírito Santo (Iases), muitos bambambãs da política capixaba ficaram de queixo caído, demonstrando surpresa com a prisão da então presidente do Iases, Silvana Galina, e de três diretores da autarquia, além do ex-frei colombiano Gerardo Mondragon, diretor da ONG Acadis, contratada para dar apoio pedagógico ao Iases.
Foi puro cinismo; pura hipocrisia. Na verdade, as denúncias de supostas corrupção do Iases, que é uma autarquia da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), se tornaram públicas desde 2009, quando o jornal eletrônico Século Diário iniciou uma série de reportagens sobre o assunto.
Antes das denúncias se tornarem públicas, entretanto, o atual secretário da Justiça, Ângelo Roncalli – que na ocasião já era o titular da Sejus –, já havia sido alertado por seus principais assessores sobre o que rolava no Iases.
Desde esta época a Sejus era administrada só por feras, inclusive por coronéis da Polícia Militar e do Exército, oficiais da reserva que tinham (e ainda têm) toda influência e intimidade com os Serviços de Inteligência de todo o Brasil. E mais: são coronéis que ainda têm domínio sobre as ações da Sejus, seja de forma direta ou indireta, por meio de empresas privadas, como prestadoras de serviço.
Mas ninguém tomou providência. Era como se aqueles coronéis tivessem esquecido o que aprenderam nas Academias Militares e nos quartéis. Viraram as costas para as denúncias.
Governo – por meio de seus órgãos de investigação e controle –, Tribunal de Contas, Ministério Público, Judiciário e Assembleia Legislativa também viraram as costas para as denúncias que sempre eram feitas por servidores do próprio Iases e por representantes do Conselho Estadual dos Direitos Humanos e das Pastorais Carcerária e do Menor e que chegavam ao Século Diário por meio de farta documentação.
A farra da omissão, no entanto, começou a chegar ao fim a partir de 1º de janeiro de 2011, quando Renato Casagrande assumiu o governo do Estado e uma nova legislatura se iniciou na Assembleia Legislativa.
O agora presidente da Comissão de Segurança da Ales, deputado Gilsinho Lopes, começou a falar nas sessões da Comissão e em Plenário sobre graves denúncias de irregularidades no Iases e na Sejus.
Alertado, Casagrande mandou mudar os rumos da história, até que em meados de 2011 criou uma Força Tarefa, comandada pelo delegado Rodolfo Queiroz Laterza, para investigar, desta vez com a presença do Ministério Público, denúncias de corrupção e maus tratos a adolescentes em conflito com a lei internados nas unidades do Iases.
Por sua vez, o Judiciário entrou também no caso, já a partir da posse da atual gestão – no final de dezembro de 2011 –, sob o comando do desembargador Pedro Valls Feu Rosa como presidente do Tribunal de Justiça.
Ao longo dos últimos anos outras denúncias também foram feitas contra gestores da Sejus, como o subfaturamento na construção de mais de 20 unidades prisionais.
Como o momento exigia urgência, porque o Estado enfrentava caos – geralmente criado e estimulado por quem tem interesse em fomentar a indústria do caos – no sistema prisional, os presídios foram construídos sem licitação.
E as denúncias, também já escancaradas pelo Século Diário e que fazem parte de um robusto relatório recente do presidente do Tribunal de Justiça, Pedro Valls Feu Rosa, a respeito da Operação Lee Oswald, continuam sem resposta.
A construção de presídios no Espírito Santo deixou algumas personagens capixabas milionárias e essa situação já deveria também ter sido alvo de investigação.
O dinheiro da suposta corrupção na construção de presídios era repassado por meio de um envelope pardo, cheio de notas de R$ 100, em um almoço que os envolvidos tinham uma vez por mês em uma churrascaria, na orla de Camburi. Era dinheiro vivo, “sobra” da construção dos presídios.
Os serviços de Inteligência do Estado têm imagens que comprovam a entrega do envelope pardo a determinadas figuras da República. Basta sinal verde das verdadeiras autoridades para que tudo vem à tona e a casa caia de vez.
O que causa surpresa, todavia, é ler na coluna da jornalista Andréia Lopes, em A Gazeta deste domingo (02/09), o procurador geral de Justiça, Eder Pontes, demonstrar certa inquietude com o fato do delegado Rodolfo Laterza ter realizado a Operação Pixote, em que prendeu Silvana Gallina e mais um grupo de servidores públicos do Iases e dirigentes da Acadis, sem a presença do Ministério Público Estadual.
O MPE, de fato, iniciou, com pelo menos quase três anos de atraso, investigações para apurar supostas denúncias de desvio de dinheiro no Iases. Deveria ter começado as investigações lá pelos anos de 2009, quando elas se tornaram públicas por meio do Século Diário.
Se tivesse desempenhado seu papel, talvez Silvana Gallina e o tal “frei” hoje não estariam presos. Já teriam sido expurgados do sistema há muito tempo e ido embora dessas terras tão complascentes com forasteiros.
Como dizia um ex-chefe da Procuradoria Regional da República no Espírito Santo, “aos promotores de Justiça e procuradores da República, vale investigar até denúncias feitas em papel higiênico”.
Ele dizia “investigar” e não “indiciar” ou “condenar” por antecipação os investigados.