O juiz Marcos Assef do Vale Depes, da 3ª Vara Cível de Vitória, determinou, na tarde desta sexta-feira (29/09), o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo (Sindijudiciário) a retirar, imediatamente, todas as postagens eletrônicas, cartazes, placas, ilustrações, outdoors, fotografias e outros materiais informativos que contenham conteúdo ofensivo contra a magistratura capixaba.
Conforme o Blog do Elimar Côrtes noticiou com exclusividade em 28 de agosto deste ano, o Sindijudiciário, por meio de outdoor, deu continuidade a uma campanha contra os juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Na campanha, feita também em outras redes sociais, o Sindijudiciário alegava, em síntese, que os servidores do Judiciário recebem tratamento diferenciado, em termos salariais, em relação aos magistrados. Na foto da campanha agressiva, o Sindijudiciário põe uma panela de barro cheia de moqueca – para retratar os magistrados –, ao lado de um prato vazio, que seria dos servidores.
Na medida liminar concedida nesta sexta-feira à Associação dos Magistrados do Estado do Espírito Santo (Amages), o juiz Marcos Assef do Vale Depes determina ainda ao Sindijudiciário de se abster de promover novas veiculações desse viés, sob pena de multa diária de R$ 20 mil limitada ao montante de R$ 600 mil.
“Especificamente quanto às publicações via outodoor, determino que o sindicato disponibilize à autora (Amages), no prazo de 5 dias, espaços idênticos aos utilizados para a veiculação na referida mídia e ilustrado na folha 296 dos autos, apresentando nos autos a comprovação, como autoriza o artigo 497 do CPC, devendo a Associação autora informar ao réu o conteúdo da publicação a ser veiculada, a expensas do Sindicato réu”, prosseguiu o magistrado na decisão.
Ao dar sua decisão nos autos de número 0031849-94.2015.8.08.0024, o juiz Marcos Assef do Vale Depes ressalta que houve, na peça inicial, sucessivas declarações de suspeição e impedimento manifestadas “pelos ilustres magistrados que me antecederam”. E pondera: “Quanto a este Juízo, não vejo configuradas quaisquer das hipóteses elencadas nos artigos 144 e 145 do CPC/2015, razão pela qual passo a apreciar o pedido de tutela de urgência deduzido pela autora, de conteúdo inibitório”.
Na peça, a Amages pede a retirada de todas as postagens eletrônicas, cartazes, placas, ilustrações, fotografias e outros materiais informativos que contenham conteúdo ofensivo contra a magistratura capixaba, abstendo-se de promover novas veiculações, “notadamente para criticar a classe da magistratura capixaba de modo genérico e inominado, sob pena de multa de diária.”
A Amages diz mais: “Os textos em questão lançam dúvidas sobre a higidez de toda a magistratura capixaba, responsabilizada (indistintamente) pelas perdas salariais dos servidores do Poder Judiciário e por supostos privilégios financeiros imorais dados à classe dos Juízes, a quem inclusive é imputada, GENERICAMENTE E REITERADAMENTE, a pecha de gananciosos.”
Também ressalta que “os injustos ataques proferidos contra os juízes capixabas, imputando-lhes, inclusive, ganância ante os denominados privilégios imorais, dissociam as condutas perpetradas pela entidade ré do legítimo exercício da atividade sindical.”
Ao longo da tramitação processual, outras publicações ditas ofensivas foram juntadas pela Amages, sendo a última a que acompanha o petitório protocolizado em 19 de setembro de 2017, e que teria veiculado em outdoors e redes sociais.
O Sindijudiciário se manifestou nos autos, alegando que “a pretensão autoral de medidas inibitórias às publicações e manifestações do sindicato merecem ser rechaçadas, tendo em vista a proteção constitucional do direito à liberdade de expressão e a vedação a qualquer tipo de censura. Tais preceitos são inquestionáveis, inclusive á luz do entendimento exarado pela Suprema Corte na ADI 4815.”
E prossegue: “Se não há comprovação do fumus boni iuris, por outro lado, também não há qualquer urgência que justifique o pleito antecipatório, já que as publicações referenciadas são antigas, datadas de outubro de 2015, não havendo argumento de renovação, mas tão somente da permanência das publicações.”
Na decisão, o juiz Marcos Assef Depes considera que há publicações de autoria do Sindijudiciário que, “efetivamente, a despeito de simplesmente transmitirem informações, veiculam críticas à classe dos juízes, notadamente à magistratura estadual”.
O magistrado ressalta que opiniões críticas, “como cediço, são plenamente aceitas pela ordem jurídica vigente no país, e isso desde o advento da Carta Constitucional de 1988, frutos das conquistas democráticas, do direito de livre manifestação e de proibição à censura, conforme positivado no artigo 220 da CF”. Entende que as críticas, na maioria das vezes, desagradam, magoam, melindram.
Mais adiante, o juiz concorda que a própria constituição institucional do Sindijudiciário o permite promover discussões e reivindicações por melhoria nas condições de trabalho, nos salários e benefícios, na igualdade de tratamento entre os servidores, etc., “podendo, para isso, manifestar publicamente o descontentamento da classe que representa em relação a determinada questão, e até mesmo promover críticas a órgãos e entidades de governo e gestão”.
No entanto, Marcos Assef Depes afirma: “Não pode o Sindicato réu, todavia, promover manifestações e reivindicações a despeito das balizas limitadoras de seu direito institucional. Isso porque, conforme dito alhures, se por um lado é livre a associação profissional ou sindical para efeitos de manifestação e reivindicação (art. 8º da Constituição da República de 1988), por outro, não se pode olvidar que devem ser respeitados os demais direitos e garantias fundamentais (individuais e coletivos), dentre os quais a preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem”.
Com efeito, a liberdade de reivindicação, em casos como o presente, mantém íntima ligação com a liberdade de expressão e com o direito à informação, mas as mencionadas garantias não são absolutas, e devem, portanto, ser respeitadas e analisadas de forma sistêmica, conforme sobredito.
Cita também que, no pedido em análise, os documentos anexados aos autos “denotam, senão, que houve certo grau de excesso na forma como a parte ré fomenta – em seus sindicalizados – o desejo de reivindicação. A gravura inserta à fl. 04 da peça inicial, por exemplo, simboliza a figura de um juiz com um ponto de interrogação no lugar da cabeça, a indagar: ‘que juiz teria coragem de negar aos outros o que concedeu a si mesmo?’, assentando o recebimento de ‘privilégios imorais’ pelos magistrados estaduais, e com o slogan de campanha “JUSTIÇA SIM, GANÂNCIA NÃO”.
O juiz Marcos Assef Depes lembra: “Mais recentemente, a imagem veiculada em outdoors e outras mídias sob o título “NO TJES É ASSIM” faz sugerir ao cidadão médio que os benefícios concedidos aos juízes correspondem àqueles que deveriam ter os servidores como beneficiários, mas não o foram. Não se pode negar que tais publicações, da forma como veiculada (material impresso, site, redes sociais), teve grande alcance na sociedade capixaba, achincalhando, desacreditando e desqualificando frente à população, de forma indistinta, toda classe da magistratura estadual, colocando em risco o interesse público, e, em última análise, o próprio Estado Democrático de Direito, a despeito do dever que obriga o réu a agir com responsabilidade e ética”.
De acordo com o magistrado, a Amages logrou êxito em demonstrar, mesmo em sede de cognição sumária, que a assertiva veiculada pelo sindicato não exprime com franqueza e transparência o contexto que circunscreve os fatos.
“Vislumbro, pois, ocorrência de dano concreto, porque as publicações foram manifestadas publicamente; atual, porque as veiculações continuam ocorrendo, e, a despeito de algumas serem antigas, permanecem visíveis na rede mundial, como dito pelo próprio réu; e grave, porque traz profundo descrédito junto à população em relação às instituições democráticas”, conclui o magistrado, que, no entanto, pondera:
“Não se está, a toda evidência, negando à parte ré o direito de organizar seus sindicalizados para perseguirem suas pretensões, porque mencionada função, conforme salientado alhures, é deveras importante. O que não se pode permitir, todavia, é a postura ofensiva e o ataque direto a determinadas pessoas ou a determinadas categorias de servidores. Portar-se dessa forma, lamentavelmente, confere tom agressivo à luta (tão legítima) pela igualdade e melhorias nas condições de trabalho”.