Com 88 anos de idades, completados no dia 20 de maio de 2016, o professor de Direito e procurador de Justiça aposentado Ezequiel Ronchi Netto acaba de lançar sua mais nova obra literária – a quinta da carreira –, que é o livro “Recordações de Uma Vila”. O lançamento foi em um local apropriado, onde começou a história desse cidadão capixaba: a Igreja de Santo Antônio do Araguaia, no distrito de Araguaia, município de Marechal Floriano, Região Serrana do Estado, onde o doutor Ezequiel nasceu em 1928.
O lançamento do livro ocorreu numa data romântica – 12 de junho –, Dia dos Namorados, onde o doutor Ezequiel esteve ao lado de sua esposa e sua namorada há mais de 60 anos, conforme ele faz questão de declarar, a professora aposentada Jahel Ofranti Ronchi. Foi também quando comunidade comemorou o Dia de Santo Antônio, padroeiro da localidade.
A seguir, o doutor Ezequiel Ronchi – como professor, ele foi responsável pela formação intelectual de dezenas de advogados, promotores e procuradores de Justiça, magistrados e demais operadores do sistema de Justiça no Espírito Santo – apresenta parte da história que vem vivenciando ao longo de quase nove décadas de vida.
A história do Contestado
Aos poucos, Ezequeiel Ronchi vai falando de cada obra. O primeiro livro, lançado em 1995, se chama ‘Bangue-Bangue do Café’ e relata contos sobre a vida no Contestado. Nessa época, Ezequiel residia com sua família em Barra de São Francisco, Região Noroeste do Espírito Santo, onde atuava como advogado. Aqui, ele relata o que foi o Contestado:
“Quando setembro de 2016 chegar, nós, capixabas e os mineiros, teremos motivos para fazer uma grande festa cívica e cultural, reverenciar a memória e celebrar um episódio de expressão nacional. O fim da Guerra do Contestado aconteceu em 15 de setembro de 1963, quando, depois de décadas de litígio, Minas e Espírito Santo, pelas mãos, respectivamente, dos governadores Magalhães Pinto e Lacerda de Aguiar, assinaram um acordo de paz. A discórdia começou no início do século XX e seis décadas depois as relações entre os dois Estados atingiram o auge do estremecimento, quase resultando em conflito armado. Foi nesse período que eu e minha família residíamos em Barra de Francisco, onde meus dois filhos nasceram”, recorda Ezequiel Ronchi.
O motivo era a disputa por uma área rica em plantações de café, o Contestado, de cerca de 10 mil quilômetros quadrados, e localizada na divisa dos dois Estados. A briga pelos limites teve seu ponto forte em Mantena e em Barra de São Francisco. As tropas (Polícias Militares dos dois Estados) ficaram de prontidão e se estranharam, mas não chegaram ao combate. O episódio deixou marcas profundas em moradores e militares, que nunca se esqueceram dos anos de tensão e das confusões administrativas. Sãos esses fatos que renderam belos contos pelas mãos de Ezequiel Ronchi.
Poesia para homenagear as belas pedras do Espírito Santo
O segundo livro, ‘Pedras e Sentimentos’, é recheado de poesias, em que o escritor homenageia as belas pedras e montas capixabas com lindos sonetos. Uma das poesias, revela Ezequiel Ronchi, foi extraída do livro ‘Tempo de Sonhos’, de seu amigo pessoal, o escritor capixaba José Carlos da Fonseca. “Trata-se de uma poesia sobre a Pedra de Pontão”, diz Ezequiel.
Ele também descreve seu sentimento a respeito da Pedra do Sapo, que fica quase que de frente ao seu apartamento, na Praia da Costa: “Na história ingênua da criação/Todos os bichos deveriam povoar/A terra com plena satisfação/Lealdade, fazendo-se respeitar./Assim, cada ser deveria viver/Em seu habitat pacificamente/Mas, a adaptação ao meio de conviver/Gerou lutas e mortes permanentemente./No pensar de um batráqueo audacioso/O Oceano poderia ser seu novo lar/E nas ondas morreu o sapo tinhoso./Por sua atitude insólita, o belo mar,/Modelou-o em granito preciso/Na Pedra do Sapo, para mostrar… Sapear…”
Lançado em 2012, outra obra poética se chama ‘Transição’, em que Ezequiel Ronchi escreve 50 poesias sobre “mulheres que passam”. Outro livro é o ‘Ruflar de Ideias’.
Uma viagem ao passado do Araguaia
O procurador de Justiça considera todas as suas obras literárias importantes, mas, atualmente, falar do “Recordações de Uma Vila” faz Ezequiel Ronchi Netto fazer uma viagem ao passado dele, da família e dos amigos.
“Este livro tem uma parte com histórias da Vila do Araguaia. A outra parte traz histórias que passam pela convivência humana entre 1926 e 1950, baseadas na memória de pessoas e de fatos. Recordo meu tempo de criança, quando caçava borboletas para pesquisa. Falo também do time de futebol da nossa região, que se chama Esporte Clube Araguaia, e, do qual, fui jogador com muito orgulho. Cito na íntegra de como foi composto o hino oficial de nosso time, escrito em 1920”, diz Ezequiel Ronchi.
A obra reserva um capítulo da história dos chamados “Integralistas” da Região Serrana do Espírito Santo, que recebeu um número expressivo de imigrantes alemães e italianos. “Os Integralistas eram conhecidos como Verdinhos. Descendentes de alemães e italianos, eles defendiam o nazismo. Mas não sabiam o que era de verdade o nazismo, porque não recebíamos informações em tempo real naquela época. Na nossa região, mal tínhamos radinho de pilha. E, quando aparecia algum aparelho, só pegava a Rádio Nacional”, recorda o doutor Ezequiel.
Outro capítulo mostra a importância do milho como alimento para a população do Araguaia e toda a região no desde o início de sua povoação, ainda no início do século XX. “Nosso alimento básico era a polenta, feita de milho e que podia ser plantado em qualquer pedaço de terra. Na falta de arroz, do feijão, da carne e do pão, a polenta era nosso principal sustento. Comíamos polenta com folhas e, assim, centenas de crianças e jovens foram criados. E bem criados”, salienta o autor de “Recordações de Uma Vila”.
Emoção ao falar do pai, que salvou centenas de capixabas
Um capítulo que deixa o doutor Ezequiel Ronchi emocionado é a história das cobras. Filho de Carlos Ronchi e Gracinha Borgo Ronchi, Ezequiel recorda que seu pai, com um gesto corajoso e humanitário, ajudou a salvar centenas de vidas na Região Serrana.
“Em 1935, meu pai foi ao Instituto Butantan, em São Paulo, porque, desde aquela época, o instituto já era o principal produtor de imunobiológicos do Brasil. Morriam muitas pessoas em nossa região Serrana por conta de picada de cobras peçonhentas (venenosas). ‘Seu’ Carlos foi ao Butantan aprender a extrair soro de cobras e como enviá-las ao instituto. Então, ele retornou à Vila do Araguaia e convenceu aos demais lavradores de que não deveriam matar as cobras e sim capturá-las e coloca-las numa caixa, que, posteriormente era levada de trem para o Rio de Janeiro e, de lá, despachada para São Paulo. Para cada grupo de quatro cobras enviadas ao Butantan, a comunidade ganhava uma ampola de soro contra o veneno. O soro era para ser usado em caso de necessidade, para aplicar na pessoa que fosse mordida por cobra. A partir da atitude de meu pai, vidas foram salvas”, relembra Ezequiel Ronchi, ao acrescentar que seu pai foi lavrador, sapateiro, comerciante e chegou até a trabalhar em garimpos existentes entre os anos 30 e 40 na Região Serrana capixaba.
Ezequiel Ronchi atuou como advogado e delegado de Polícia
O doutor Ezequiel é pai de um casal, tem cinco netos e um bisneto. Os filhos seguiram a carreira do Direito: Ezequiel Ronchi Júnior é formado em Advocacia, enquanto a filha, Sídia Nara Ofranti Ronchi, é procuradora de Justiça do MPE/ES
Antes de entrar para a carreira do Ministério Público, ele foi servidor público estadual, trabalhou como delegado de Polícia durante um mês – “fui delegado de Santo Antônio, em Vitória, nomeado pelo saudoso general Frota”, recorda – e advogado. Assumiu o cargo de promotor de Justiça em 1964.
Ezequiel Ronchi Netto tomou posse como promotor de Justiça substituto em 20 de outubro de 1964, sendo designado para atuar na então 3ª Zona Judiciária do Estado, que englobava os municípios de Ecoporanga, Mantenópolis e Barra de São Francisco. Em fevereiro de 65, foi promovido a promotor de Justiça Titular, designado para Mantenópolis. Em 7 de julho de 1983, foi promovido, por antiguidade, ao posto de procurador de Justiça e, em 9 de março de 1995, se aposentou.
Na gestão do então procurador-geral de Justiça, o doutor Ezequiel exerceu o cargo de subprocurador de Justiça e ajudou a organizar a Lei Orgânico do MPE/ES.
‘O Ministério Público renasceu com a nova Constituição’
Em 1995, quando Ezequiel Ronchi Netto saiu da Ativa e tornou-se membro Inativo do Ministério Público, já acontecia, segundo ele, a grande virada do ‘Parquet’, que passou a tomar forma como o grande guardião da Carta Magna, do Estado Democrático de Direito e da defesa dos interesses dos cidadãos e da sociedade:
“Vejo que o Ministério Público Brasileiro renasceu com a Constituição Federal de 1988. Passou a ter muitas obrigações em todos os setores, mas a Carta Magna deu também independência administrativa e institucional ao MP. Antes de 88, já se discutia a ampliação das atribuições do Ministério Público, mas foi o Constituinte que deu esse grande passo”, pontua Ezequiel Ronchi.
Ezequiel Ronchi é lembrado por diversos operadores do Direito como um dos grandes mestres capixabas. Ajudou a formar diversos magistrados e membros do Ministério Público. Deu aulas na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e na Faculdade de Colatina. Sua esposa, dona Jahel, foi diretora da Escola estadual Carlos Lindenberg, localizada no centro de Barra de São Francisco.
A importância de viver
No final da entrevista, o doutor Ezequeil Ronchi Netto recita um pensamento do autor chinês Lin Yutang, em sua obra ‘A Importância de Viver’. O pensamento retrata uma das maiores paixões desse capixaba que, aos 88 anos, planeja escrever outras obras literárias: a pedra.
“As pedras transmitem para o homem uma ideia de eternidade”.