Sempre que um policial militar, principalmente, atira e mata suspeitos de crimes no Espírito Santo, a imprensa capixaba, em sua maioria, é a primeira condenar o policial, que representa o Estado. A imprensa não toma o zelo de se aprofundar no que levou a reação do agente da lei. Por sua vez, as autoridades policiais, sobretudo o Comando Geral, por meio de sua Corregedoria, e a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), se reservam à divulgação de nota oficial já previamente redigida em casos semelhantes, para informar que o fato “está sendo devidamente apurado”.
Não se vê nenhum superior aos agentes da lei envolvidos em confronto com criminosos vir a público esclarecer ou mesmo defender a própria atitude do Estado-Lei, como é comum em países como os Estados Unidos ou mesmo estados como São Paulo, onde os governantes defendem seus agentes sem medo da opinião pública ou da imprensa.
No que cabe à Polícia Judiciária (Civil), por seu turno, o devido Inquérito Policial regular e legítimo é aberto: o policial é autuado em flagrante; sua arma apreendida; e ele (policial) é preso. Foi assim com o soldado Leandro Basseti Barbosa, que na última sexta-feira (15/07) teria reagido a um ataque de dois jovens: sacou de sua arma, atirou nos dois e os matou. Basseti, senão reagisse, certamente seria morto porque é policial.
Pelo menos é o que informa o Boletim Unificado (BU) número 29323029, elaborado por policiais militares do 6º Batalhão da Polícia Militar (Serra) e ao qual o Blog do Elimar Côrtes teve acesso com exclusividade. O BU descreve que o soldado Basseti agiu em legítima defesa ao atirar e matar os jovens Hallafy Patrick Silva, 22 anos, e Kevim Douglas da Silva, 19, na manhã da última sexta-feira, no bairro Chico City, próximo a Colina de Laranjeiras, na Serra.
Um dos rapazes mortos, Hallafy, respondia a uma ação penal em liberdade pela acusação de tráfico de drogas e aliciamento de menores para o tráfico. O processo é o de número 0016416-75.2015.8.08.0048 e tramita na 2ª Vara Criminal da Serra desde julho do ano passado.
De acordo com o BU, a viatura da CPU, RP 3858, onde estavam o tenente Sacha e cabo Izquerdo, enquanto se deslocava pela Avenida Eudes Scherer, foi informada pelo Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes) da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) que um policial militar teria se envolvido em uma troca de tiros na Rua Catarina, “Bairro Colina de Laranjeiras e que um grupo de pessoas estaria colocando a vida do militar em risco.”
A guarnição e outras viaturas prosseguiram ao local, onde se depararam com um grupo de pessoas “agressivas tentando invadir um ponto comercial.” Porém, ao ver a aproximação policial, o grupo se dispersou pelas ruas do bairro. No local, a guarnição foi recebida pelo soldado Basseti.
O PM alegou ter ido a mercearia de sua irmã e que, ao estacionar sua motocicleta, foi surpreendido por um Fiat Punto, placa MRU-3567, “com dois homens armados a bordo, que, sem razões, e de forma direta e agressiva, apontaram as armas contra sua pessoa e lhe ordenaram que levantasse a blusa.”
Diante o risco, descreve o BU, o militar se identificou como policial e determinou que a dupla largasse as armas. No entanto, um dos jovens gritou para o comparsa para que o atirasse no PM Leandro. “Em seguida, os dois empunharam as armas em sua direção determinados a tirar sua vida. Neste momento, diante do risco, para cessar a injusta agressão, em legítima defesa, efetuou (o PM Leandro Basseti Barbosa) seis disparos contra os dois indivíduos com sua pistola calibre ponto 40, carga da PMES.”
O BU: “Cessado o risco, o militar disse a guarnição que se abrigou dentro do estabelecimento da irmã, fez contato com o SAMU para prestar os devidos socorros e ligou para o 190 para repassar a informação. Porém, enquanto aguardava o apoio policial, comparsas dos suspeitos, ligados ao tráfico, estimularam e incentivaram populares a irem contra sua pessoa. Em questão de minutos, de acordo com o policial, dezenas de pessoas vieram agressivas contra o estabelecimento.”
Basseti diz no BU ter ouvido pessoas dizendo que um deles estava em posse de uma das armas que seria de um dos jovens mortos e que iria invadir o comércio e matar Leandro. Revelou ainda que, nesse momento, se abrigou dentro do imóvel e aguardou o apoio policial. O soldado relatou que moradores, a todo instante, chutavam as portas e portões do imóvel, “gritavam que a todo custo o linchariam e o matariam.”
No local da ocorrência a guarnição constatou o Fiat Punto com as portas abertas e revirado e “dois indivíduos alvejados pelo militar: o primeiro, Hallafy Patrick Silva, dentro do carro; e o segundo, Kevim Douglas da Silva, do lado de fora do carro. Como ambos ainda apresentavam sinais de vida, e o SAMU ainda não tinha chegado, os militares socorreram os dois na viaturas 3838 e 3354 até o Hospital Jaime dos Santos Neves, onde deram entrada com vida.”
O soldado Basseti foi encaminhado para a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), em Vitória, onde foi autuado em flagrante e sua arma recolhida. Por sua vez, durante a confecção da ocorrência na DHPP, a guarnição foi informada de que os dois jovens baleados pelo PM não resistiram aos ferimentos e “vieram a óbito”, e que a Perícia PC 1562, durantes os trabalhos, encontrou uma arma, mas não soube especificar as características técnicas.
Ainda na sexta-feira, Basseti foi autuado em flagrante na DHPP e preso. Encaminhado à carceragem do Quartel do Comando Geral da PM, em Maruípe, o policial foi solto no dia seguinte, depois de submetido a Audiência de Custódia.
A juíza Auricélia Oliveira de Lima, que presidiu a audiência, entendeu que a Autoridade Policial agiu em conformidade com a lei ao autuar o militar em flagrante. Entretanto, a magistrada ressalta em sua decisão que, além de ser primário, o policial Basseti é portador de bons antecedentes, já que ainda não ostenta nenhuma condenação transitada em julgado, “possui endereço fixo, trabalho lícito e família constituída, de modo que a sua liberdade não implica em risco a investigação ou instrução criminal ou para a futura aplicação da lei penal.”
Assim, prossegue a juíza Auricélia Oliveira de Lima, os elementos do auto de prisão em flagrante delito e “aqueles colhidos por esta Magistrada através do contato pessoal oportunizado pela Audiência de Custódia”, indicam que presentes a conveniência e adequação da aplicação das seguintes medidas cautelares diversas da prisão preventiva (Art. 319, do CPP) ao policial militar: a) comparecimento mensal em Juízo para informar e justificar as suas atividades; b)proibição de sair da Grande Vitória sem prévia autorização do Juiz natural da causa; c) comparecimento a todos os atos do processo; d) proibição de mudar-se de endereço sem prévia comunicação judicial; e) prisão domiciliar no período de folgas, podendo sair para cumprimento de sua escala de trabalho, a ser cumprida exclusivamente em serviços administrativos, até ulterior deliberação pelo Juízo competente; f) suspensão do porte de arma de fogo no curso do processo. Caso o PM Basseti descumpra qualquer condição imposta na presente decisão poderá ter decretada sua prisão preventiva. Ainda por decisão judicial, ele foi solto sem pagamento de fiança
Versão da família
Segundo testemunhas e familiares dos jovens mortos, o militar Basseti estava em uma moto e à paisana circulando pelas ruas da região durante a sexta-feira pela manhã. Às 10h30, o PM ar parou a moto em frente a uma mercearia na Rua Cristiano.
Do outro lado da rua da mercearia, em pé na calçada, estava Kevin.
Ainda segundo versão de familiares, minutos depois, Hallaffy Patrick, que dirigia o Fiat, chegou ao local. Segundo a mãe do rapaz, o filho saiu para passear com a cadela. Uma testemunha contou que o jovem questionou o que o policial fazia no bairro naquele momento. “Sem dizer nada, o policial pegou a pistola e atirou contra as vítimas”, disse uma testemunha.
Jovem morto já tinha sido preso
No ano passado, um dos jovens mortos, Hallafy Patrick Silva, havia sido preso pela Polícia Militar e autuado em flagrante pela Polícia Civil pela acusação de tráfico de drogas e aliciamento de menores. No entanto, no dia 17 de julho de 2015, ele, que estava no Centro de Triagem de Viana (CTV), foi solto pelo juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, durante Audiência de Custódia realizada pelo Serviço de Plantão de Flagrantes do Poder Judiciário do Espírito Santo.
Na audiência, em que o Hallafy foi assistido pelo advogado Frank Willian de Moraes Leal Horácio, o juiz entendeu que a prisão do autuado (Hallafy) “não se enquadra em nenhuma das situações ao art. 302 do CPP, especialmente porque segundo declarações dos policiais, nada de ilícito foi encontrado na sua posse, nem no momento da ação, assim como após esta. O que se extrai dos autos é uma mera declaração de um dos detidos, quando ouvidos pelos militares, que teria dito que trafica para o depoente (Hallafy), o que não foi confirmado por aquele que, ao revés, assumiu toda a propriedade da droga apreendida o que, por si só, já excluiria a concretização do estado flagrancial.”
Por isso, o magistrado Carlos Eduardo Ribeiro Lemos relaxou a prisão em flagrante do autuado, determinando a imediata expedição de alvará de soltura. Entretanto, o jovem continuou respondendo o processo.