Deu a louca na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa que visa a apurar sonegação de tributos municipais e estaduais no Espírito Santo. Mais uma vez, seus membros tomaram uma decisão atabalhoada, sem qualquer propósito e fora da lei. Em vez de investigar os que vivem à margem da lei – sonegadores –, eles decidiram investigar as autoridades que combatem o crime organizado no Estado.
Desta vez, o presidente da CPI da Sonegação, deputado Enivaldo dos Anjos, e seus parceiros de Legislativo extrapolaram todo o bom senso e resolveram pedir a quebra do sigilo telefônico do delegado Rodolfo Queiroz Laterza, ex-integrante do Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas (Nuroc), da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). Em 2013, o Nuroc colocou diversos políticos, empresários e servidores públicos na cadeia pela acusação de desvio de dinheiro arrecadado de tributos fiscais, dentro da Operação Derrama.
Antes, a CPI da Sonegação tinha como foco apurar sonegação de tributos municipais e estaduais. Como dois dos políticos presos fazem parte da comissão, seus membros decidiram ampliar o foco da CPI, para “eventuais abusos de autoridade por agentes públicos durante as operações desencadeadas entre o final de 2012 e início de 2013.”
A decisão de pedir a quebra do sigilo telefônico do delegado Laterza foi tomada ao final da sessão desta terça-feira (30/06), quando foi promovida uma acareação entre o ex-senador Francisco José Gonçalves, o Xyko Pneus, o advogado Beline Salles Ramos, o juiz aposentado compulsoriamente Antônio Leopoldo e o delegado Danilo Bahiense.
Leopoldo é um dos três acusados de ser o mandante do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, ocorrido em abril de 2003. Leopoldo tem tido espaço reservado e garantido na CPI da Sonegação, em que ele utiliza para se defender da acusação de mandar matar o juiz Alexandre Martins, como se a Assembleia Legislativa fosse o Tribunal do Júri de Vila Velha, onde ele vai se sentar ainda este ano para ser julgado.
De acordo com a Assessoria de Imprensa do Gabinete do deputado Enivaldo dos Anjos, o pedido de quebra de sigilo telefônico do delegado Laterza foi justificado “com base na suspeita de que pode ter havido um conluio entre autoridades e empresas sonegadoras de impostos.
Na última semana, o delegado Rodolfo Laterza disse que houve interferência para que a Operação Derrama não se desdobrasse e ficasse apenas na primeira fase, inclusive fazendo comparações com a Operação Lava-Jato, da Justiça Federal, que está desmontando um esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, empreiteiras e campanhas políticas.
Durante a acareação desta terça-feira, o delegado Danilo Bahiense não respondeu a perguntas relacionadas ao caso do assassinato do juiz Alexandre Martins por ser testemunha arrolada para o Tribunal do Júri convocado para agosto.
A proposição da quebra de sigilo foi dos deputados Theodorico Ferraço (DEM) e Guerino Zanon (PMDB). Laterza foi um dos principais delegados da Operação Derrama, que levou várias pessoas à prisão em janeiro de 2013, sendo 10 ex-prefeitos, entre eles o próprio Guerino, além do deputado Edson Magalhães (DEM) e a esposa de Ferraço, Norma Ayub (DEM), que é ex-prefeita de Itapemirim.
O pedido da CPI da Sonegação será levado à Justiça. Antes, o Ministério Público Estadual vai se manifestar a favor ou não da quebra do sigilo telefônico do delegado Laterza. Somente depois a Justiça tomará uma decisão.
Caso não pode ser mais federalizado
Aproveitando o espaço dado pela CPI da Sonegação, o juiz aposentado compulsoriamente Antônio Leopoldo disse que o caso da morte de seu colega Alexandre Martins deveria ser federalizado. Ele esquece, no entanto, que esta hipótese já está totalmente descartada. Conforme o Blog do Elimar Côrtes informou com exclusividade em 16 de outubro de 2014, o procurador geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, determinou o arquivamento do Procedimento Preparatório de Incidente de Deslocamento de Competência que analisava o pedido de federalização da ação penal que apura o assassinato do juiz Alexandre Marins de Castro Filho, ocorrido em 24 de março de 2003, em Itapoã, Vila Velha.
No despacho, Rodrigo Janot enumera as razões que o levaram pela não provocação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para o deslocamento da ação penal. A federalização da ação penal foi pedida pela Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência no Espírito Santo em 2011.
Em maio do ano passado, o procedimento começou a ser analisado pelos procuradores Regionais da República Denise Neves Abade e Walter Claudius Rothenburg, da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (São Paulo), que atuaram na instrução dos autos.
Em agosto de 2014, os dois estiveram em Vitória, quando ouviram testemunhas da entidade que propôs a federalização e encerraram a instrução e devolveram os autos ao procurador geral da República, Rodrigo Janot, já com seu parecer contrário ao encaminhamento ao STJ do pedido de deslocamento de competência.
No despacho, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, informa que o relatório dos dois procuradores Regionais da República sustenta que “não estão presentes os requisitos para a provocação ao Superior Tribunal de Justiça para o deslocamento da ação penal que apura o homicídio” do juiz de Direito Alexandre Martins.
Ele lembra que o caso foi apurado na fase policial, resultando na condenação, pelo Tribunal do Júri de Vila Velha, de Odessi Martins da Silva Júnior e Giliarde Ferreira de Sousa, “aos quais se imputou a condição de executores do homicídio do juiz de Direito Alexandre Martins de Castro Filho”.
Rodrigo Janot ressalta que também foram julgados e condenados pelo crime André Luiz Tavares, Leandro Celestino dos Santos, Heber Valêncio, Ranilson Alves da Silva e Fernando de Pliveira Reis, “os quais já cumpriram ou ainda cumprem pena que lhes foi imposta”.
Ainda segundo o procurador geral da República, “na tramitação do processo penal, surgiram elementos suficientes para que se imputasse a responsabilidade penal a Walter Gomes Ferreira, Cláudio Luiz Andrade Baptista e ao também juiz de Direito Antonio Leopoldo Teixeira”.
Sustenta ainda Rodrigo Janot em sua decisão que “não há qualquer indicativo de ofensa ao contraditório e ampla defesa nos processos em que são partes” os acusados de serem os mandantes do crime, “que contam com advogados diligentes, que provocaram incidentes processuais e recursos de várias naturezas, que atingiram os Tribunais Superiores, sem sucesso.”
Por fim, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, afirma que “de outro lado, o que poderia levar ao deslocamento de competência seria o homicídio em si, de que foi vítima um juiz de Direito, em razão de sua atuação no combate ao crime organizado, mas, quanto a tal fato, também não se mostram reunidos os motivos para a provocação ao STJ, já que, como se viu, parte dos acusados já foi julgada e os demais envolvidos, diretamente interessados em eventual pedido de deslocamento de competência, após buscarem todas as formas para evitar o julgamento, finalmente estão prestes a ser submetidos ao tribunal do júri.”
Rodrigo Janot esclarece que, “embora o homicídio represente um caso de violação a direitos humanos, o contexto de atuação do ente estatal não demonstra inércia ou descumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil e o fato, já submetido a uma investigação adequada, não parece ser hábil a provocar o contencioso internacional de direitos humanos. Não se tem, então, demonstrados os requisitos para a instauração do Incidente de Deslocamento de Competência.”
Bem, como se observa, qualquer notícia que aborda a tal federalização é falácia.