Esio José Bassetti Cavalcante está na Polícia Civil do Estado do Espírito Santo desde fevereiro de 1987. Lá se vão 28 anos no mesmo cargo de Escrivão de Polícia, que ele abraçou e defende com muito orgulho. Prestes a se aposentar, Esio Cavalcante relata, nesta entrevista ao Blog do Elimar Côrtes, como é o cotidiano de sua profissão. Defende a autonomia administrativa e financeira da Polícia Civil:
“Enquanto não conseguir sua autonomia administrativa e financeira e a indicação por eleição do Chefe de Polícia pela categoria, a nossa instituição continuará vivendo momentos não tão difíceis como no passado, entretanto continuará submissa à política dos governantes e à mercê das ingerências políticas”, diz Esio Cavalcante.
Ele é uma importante liderança de classe entre todos os policiais civis. Já foi diretor do Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindipol) e da Associação dos Escrivães de Polícia do Estado (Aepes). Recorda que, na base do diálogo e respeito, “porém sem submissão”, conseguiu intervir em várias transferências de policiais por causa “da perseguição de delegados sem fundamento.” Do alto de sua experiência, o escrivão de Polícia Esio Cavalcante critica outras lideranças dos policiais que, na sua visão, buscam tão somente a divisão e o enfraquecimento da categoria:
“Vejo que o Sindipol vem, de forma firme, enérgica e combativa, defendendo o interesse coletivo da categoria, buscando a unicidade e o fortalecimento, mesmo tendo contra um pequeno grupo, porém influente, que persiste em sua ambição pessoal e na divisão da categoria”, lamenta Esio.
– Blog do Elimar Côrtes – Por quais unidades passou nesses mais de 28 anos de carreira?
– Esio José Bassetti Cavalcante – Inúmeras, a primeira localização foi na Depol de Jaguaré, depois passei pelas Delegacias de Ibiraçu e Fundão (Praia Grande) e sem ordem pelas Delegacias de Delitos de Trânsito, Costumes e Diversões, Tóxicos e Entopercentes (Deten), distritais da Serra e Campo Grande, Plantão do DPJ de Vitória, Crimes Contra a Vida (hoje, Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, a DHPP), DHPP, Defraudações e Falsificações (DEFA), Divisão de Promoção Social, Serviço de Transporte e Viatura, Central de Inquéritos, DPJ de Vitória, DPJ da Serra, PEM e atualmente 1ª DR (DPJ de Vitória). Também passei algumas administrações na Associação dos Escrivães da PCES.
– Qual a sua formação acadêmica?
– Administração e Direito com pós em penal e processual penal.
– O senhor poderia citar alguns momentos mais difíceis vividos pela Polícia Civil nesses quase três décadas de trabalho?
– Posso afirmar que, enquanto não conseguir sua autonomia administrativa e financeira e a indicação por eleição do Chefe de Polícia pela categoria – como ocorre com o chefe do Ministério Público Estadual –, a nossa instituição continuará vivendo momentos não tão difíceis como no passado, entretanto continuará submissa à política dos governantes e à mercê das ingerências políticas.
Porém, não podemos negar que, mesmo de forma lenta, a Polícia Civil vem crescendo, saindo da máquina manual na década de 80 passando para o computador na década de 90; saindo das mobílias arcaicas passando para as mobílias ergométricas; saindo de um efetivo bastante reduzido para um efetivo satisfatório, mas não ideal; saindo do revólver calibre 38 passando para a pistola ponto 40; saindo do Fuscão e Fiat 147 passando para Hilux e outros veículos modernos. Há necessidade faz a hora. Muito ainda há que se fazer, principalmente na construção de novas delegacias e reformas de outras, e na contratação de pessoal.
– Como é rotina de um escrivão de Polícia?
– É uma das mais sacrificantes do trabalho de Polícia Judiciária, porém admirável e louvável. Nosso trabalho vai da atenção intelectual na oitiva do condutor, testemunha, vítima e conduzido, passando pela emissão da nota de culpa, termo de fiança e outras peças, aos ofícios de comunicações da prisão do autuado; da atenção aos prazos prescricionais do Inquérito Policial à guarda dos materiais apreendidos e sua remessa à Justiça; da juntada do relatório da autoridade policial ao Inquérito Policial à conclusão de mais um livro criminal. O escrivão de Polícia é o elo entre o Inquérito Policial e as atividades profissionais, tudo passa por suas mãos para juntada aos autos. É dele o cumprimento do data-juntada, certidão-conclusão e certidão-remessa.
– Cite alguns casos que o senhor trabalhou e que tiveram grande repercussão na mídia e na sociedade.
– Recordo-me de um Inquérito Policial de crimes de estelionato e falsificação de documentos instaurado na DEFA envolvendo empresários e conhecidos no meio político, além de outros crimes de chacinas envolvendo policiais militares ocorridos nos municípios da Serra e Cariacica quando trabalhava na Delegacia de Crimes Contra a Vida (hoje DHPP) e na própria DHPP.
– Como o senhor analisa a situação hoje na segurança pública?
– O caos hoje vivido na segurança pública é o reflexo do descaso e omissão no passado, da falta de investimento em especial nas áreas sociais e educacionais. Depois da efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente a criminalidade avançou, cresceu e se expandiu sem os órgãos governamentais conseguirem frear essa revolução da criminalidade. Regiões consideradas pacatas tornaram-se palcos da audácia da criminalidade, parece que quanto mais se aperta a lei mais a criminalidade aumenta. Por isso sou a favor da pena de morte nos crimes hediondos.
– No passado, se falava muito que alguns escrivães faziam papel de delegados.
– No passado era uma aberração, muito devido ao medo das perseguições e transferências, a amizade com a autoridade policial e a responsabilidade profissional. Com a exigência em concurso público do curso de Direito para o cargo de Escrivão de Polícia a partir do ano de 1990, o escrivão passou a ter postura profissional mais firme, bem como a entrada de novos delegados. Claro que hoje o vício persiste, mas muito pouco. Eu, como escrivão, prefiro inquirir as pessoas do que ouvir o delegado ditar, pois, assim, percebo melhor as contradições e as mentiras. Agora, despachar e relatar, não!
– Qual é o verdadeiro papel de um Escrivão de Polícia numa delegacia?
– Cumprir o que determina a lei, ou seja, suas atribuições profissionais: ele recebe do Estado para isso e mais nada.
– O senhor sempre foi uma liderança entre escrivães e demais policiais. Como analisa a atuação do Sindicato dos Servidores Policiais Civis (Sindipol), que representa todas as categorias na Polícia Civil?
– Entendo que todas as diretorias que passaram pelo Sindipol deixaram suas marcas, suas conquistas e suas obras, relevantes ou não para a categoria. Cada uma tinha sua forma de trabalhar, de atuar, seja na base do diálogo, seja na base do caminhão de som, seja na base da amizade com os superiores ou base da inimizade. Quando era diretor do Sindipol e da Aepes (Associação dos Escrivães de Polícia do Estado do Espírito Santo), na base do diálogo e respeito, porém sem submissão, consegui intervir em várias transferências de policiais por mera perseguição do delegado sem fundamento e até na transferência de delegados, como ocorreu anos atrás no DPJ da Serra, hoje 3ª Distrito Regional. Nesse sentido também conseguimos tornar sem efeito a transferência de um diretor da Assinpol/Sinpol, de Aracruz para Linhares.
Em relação à atual diretoria do Sindipol, tive o prazer enquanto diretor da Aepes participar de conquistas importantes e significativas para a categoria, como a mudança na promoção, no reconhecimento da aposentadoria especial, na redução das duas últimas referências na tabela de subsídio e na incorporação de duas escalas especais ao salário. Também tive o prazer de continuar com as visitas as delegacias de polícia, uma parceria entre Aepes e Sindipol, divulgando todas as dificuldades estruturas e humanas das delegacias. O único deslize da atual administração do Sindipol foi não ter comunicado e ou divulgado a intenção no recolhimento legal da Contribuição Sindical. Contudo, entendo que existem umas dezenas de policiais que não são sindicalizados, mas beneficiados quando do avanço em algumas conquistas, que devem de uma forma ou outra compensar o benefício ao Sindipol.
O Sindipol vem, de forma firme, enérgica e combativa, defendendo o interesse coletivo da categoria, buscando a unicidade e o fortalecimento, mesmo tendo contra um pequeno grupo, porém influente, que persiste em sua ambição pessoal e na divisão da categoria. Por isso, a atual diretoria merece continuar seu trabalho por mais um mandato. Estamos no rumo certo.
– E como analisa a atuação da Aepes?
– Quando saí da Aepes no final do ano de 2013, tinha perdido a eleição por apenas um voto. Deixamos uma estrutura digna, um site elogiado por todos os policiais que consideravam como o mais atualizado da Polícia. Deixamos também inúmeras conquistas nesse lapso temporal e nesse último mandato as conquistas acima mencionadas e, em especial, um trabalho individual da associação, a abertura de concurso público e a nomeação de dezenas de excedentes, num trabalho de convencimento/necessidade junto a Chefia de Polícia e a Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa, onde todas as segundas-feiras lá estávamos e, quando possível, usando o microfone para defender a nomeação dos excedentes e graças a Deus e da ajuda política, conseguimos mais uma vitória. Deixamos nossa marca de um trabalho sério, digno, combativo, de respeito e de orgulho. A Chapa Tradição, por um voto, passou o bastão para a Renovação, onde espero e torço que a diretoria obtenha novas conquistas, novas vitórias, pois sua glória será a nossa também e que não deixem o bastão cair nessa caminhada, que honrem o escrivanato como eu honrei.
– A Administração (esta e as do passado) da Polícia Civil do Espírito Santo sabe preparar seus servidores para a aposentadoria?
– Entendo que a Divisão de Promoção Social, nossa querida DPS, necessita de um imóvel maior, amplo, estruturado, confortável para ampliar o atendimento nesse quesito e em outros, bem como de mais profissionais. Contudo, muito depende do interesse governamental na liberação de recursos. Se não possuímos uma Academia digna para preparar, ensinar, formar, treinar e especializar nossos policiais de forma adequada, como vamos ter um setor digno para preparar nossos policiais para a aposentadoria? Há muito ainda a que se fazer, e como falei lá trás, sem autonomia administrativa e financeira fica difícil evoluir.
– Quando se aposentar, dentro de um ano, o que o senhor vai fazer?
– Estou ainda pensando, planejando meu futuro pós aposentadoria, mas ficar parado com esse salário nada dá. De repente posso me tornar um empreendedor, fazer outro concurso, porém vamos devagar.