Notável estudioso, inclusive com uma ótima obra sobre a temática da segurança pública, o professor e coronel da Polícia Militar do Espírito Santo Júlio Cezar Costa assegura que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 003/2014), que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo, está fora da ordem legal, porque somente a União pode legislar em termos de organização Policial Militar.
Conforme o Blog do Elimar Côrtes informou com exclusividade no dia 28 de maio, se aprovada, a PEC dará independência funcional aos oficiais da Polícia Militar paulista pela formação da livre convicção nos atos de polícia judiciária, de polícia administrativa, de polícia ostensiva e preventiva e de polícia de preservação da ordem pública, além de considerar os oficiais como integrantes da carreira jurídica. A PEC ainda exige que, para se inscrever nos próximos concursos públicos para o Curso de Formação de Oficiais da PM de São Paulo, os candidatos terão de ser formado em Bacharel em Direito.
Blog do Elimar Côrtes – De antemão, na sua avaliação, porque a PEC é inconstitucional?
Coronel Júlio Cezar Costa – A estrutura constitucional brasileira define como privativo da União a responsabilidade de legislar sobre organização, direitos, deveres, entre outros temas, vinculados às Policias Militares. Só o Congresso Nacional pode tratar desses assuntos, ou seja, instituir ou transformar regras.
– Por que surge neste momento no Brasil a necessidade de exigir título de Bacharel em Direito aos futuros oficiais das Polícias Militares? O senhor concorda com essa exigência?
– Essa é uma tendência que o nosso saudoso mestre Nazareth Cerqueira chamava de processo de advogadização da polícia brasileira. É um traço cultural e não profissionalizante de nossas instituições.
– Onde os oficiais das Polícias Militares, notadamente agora os de São Paulo, querem chegar com carreira jurídica para oficiais?
– Há no Brasil um discurso de integração e uma prática de individualização corporativista pela busca de direitos. Não passa de uma estratégia para se nivelar aos demais operadores sistema de Justiça Criminal. Ao meu modo de ver é também uma fórmula de buscar o nivelamento salarial com delegados, promotores de Justiça e juízes, visto que historicamente estamos num processo de descontrução das Policias Militares no Brasil.
– De longe, já que se aposentou desde 2011, como o senhor analisa a disputa de poderes entre policiais civis e militares em algumas situações pelo País afora?
– Historicamente as Policias Militares sempre foram vinculadas e semelhantes às tropas do Exército, mantendo uma cultura de hierarquia e de férrea disciplina castrense. Foram sempre usadas pelo Estado para reprimir os movimentos sociais, irem a três guerras e hoje para intervir em casos de desordem pública em todo território nacional, através da pseudo Força Nacional de Segurança, que nada mais é do que o fracasso e ausência de uma política de segurança pública.
Já as Policias Civis são egressas do tempo em que no Brasil existiam os “juízes de fora”. Seus quadros, a exceção de São Paulo, que desde 1904 os profissionalizou, sempre foram formados por militares e agentes políticos para potencializarem a esdrúxula e desnecessária figura do Inquérito Policial, uma reedição da inquisição romana, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro em 1871. Sou favorável {à introdução do Juizado de Instrução (Segundo ensina Fernando da Costa Tourinho Filho, no Juizado de Instrução, a função da Polícia se circunscreveria a prender os infratores e a apontar os meios de prova, inclusive testemunhal. Caberia ao Juiz Instrutor colher as provas. A função que hoje se comete à autoridade policial ficaria a cargo do Juiz Instrutor. Assim, colhidas as provas pelo citado magistrado, vale dizer, feita a instrução propriamente dita, passar-se-ia à fase do julgamento. O inquérito seria suprimido).
As diferenças são abissais no que concerne a funcionalidade e formação de ambas as instituições. Ao perceberem que o inquérito na democracia é um instrumento obsoleto, desacreditado pela comprovada ineficiência de seus métodos investigativos, os jovens delegados de forma capaz e inteligente passaram a buscar a carreira jurídica. O que vem conseguindo com êxito pelo organizado lobby. Eles descobriram uma saída para se manterem migrando de localização dentro da geopolítica da segurança. Descobriram o caminho e agora as Polícias Militares despertaram do sonho guerreiro e seus líderes, uma oficialidade jovem e culta, vai também em busca da melhoria salarial, através de fórmulas inadequadas, tal qual a carreira jurídica que não é o seu mister. Ao meu ver, não existem enfrentamentos, mas cada um busca o seu lugar ao sol.
– Na semana passada, o Banco Interamericano de Desenvolvimento anunciou que o programa Estado Presente, instituído pelo governador Renato Casagrande em 2011, tirou a maior nota (9.5) dentre os diversos projetos de segurança pública já avaliados pela instituição na última década. Como o senhor analisa essa conquista?
– O governo atual vai crescendo em ideias e buscando cumprir o seu papel de provedor da ordem. Admiro o que está em andamento, mas sabemos que investimentos materiais não traduzem no controle da violência e da criminalidade. Parabenizo o governo por ter encerrado a fase de espetacularização e rambonização da segurança pública que tão mal fez ao povo capixaba e à Polícia. O governo agora precisa se voltar para a capacitação e para o nivelamento e melhoria salarial das categorias policiais.