Em maio de 2011, o delegado de Polícia Civil do Espírito Santo Márcio José Pedrosa Braga e um grupo de policiais civis começaram a cair em desgraça. Eles, que eram lotados da Divisão de Repressão a Crimes contra o Patrimônio – chefiada por Mário Braga à época –, foram presos pela Corregedoria Geral de Polícia pela acusação de vários crimes.
Passados dois anos, o delegado e um de seus colegas começam a dar a volta por cima. Pelo menos em uma das ações penais que passaram a responder, eles acabam de ser inocentados. Foram absolvidos pela Justiça da acusação de roubo e tortura. A sentença de absolvição é relativa ao processo número 0000509-85.2004.8.08.0035 (035.04.000509-8), que tramita na 5ª Vara Criminal de Vila Velha. A decisão de absolvição foi tomada pela juíza Ilacéia Novaes.
Dificilmente a decisão da magistrada será recorrida, pois a absolvição de Márcio Braga, do investigador Patrick Serrano de Almeida e do portuário Thadeu Henrique Bonazo foi pedida pelo próprio Ministério Público Estadual, que, anteriormente, havia denunciado o grupo do qual fazia parte outro policial civil – que já morreu.
Segundo consta nos autos do processo, “no mês de setembro de 2001, em data não especificada, por volta das 18 horas, os acusado Patrick e Carlos Alberto (falecido), na época, investigadores de Polícia Civil da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (Deten), em concurso com Thadeu Henrique e uma quarta pessoa não identificada, denominados os dois últimos como informantes, em cumprimento de determinação da autoridade competente, o Delegado Márcio Braga, titular da DETEN, após o recebimento de uma denúncia anônima que apontava que Armstrong Fardim Vieira estaria promovendo o tráfico ilícito de entorpecentes, adentraram em sua residência, no bairro Ataíde, informando que eram policiais.”
Ainda segundo a denúncia, “sem portarem o devido mandado judicial, iniciaram buscas pelo local, quando danificaram diversos objetos da residência, amarraram a vítima com fios que foram retirados da geladeira e do liquidificador, torturando-a em sessão de espancamento, desferindo na mesma, diversos socos, tapas, chutes e joelhadas, com sequenciais ameaças físicas a suas, esposa e mãe, que se desesperaram ante ação truculenta.”
De acordo com a denúncia do Ministério Público, “os acusados tinham o objetivo de obter a confissão ilícita da vítima, a propósito de fato delituoso inexistente, mediante violento espancamento e tortura física, constrangendo, de igual forma, os familiares da mesma.”
Além de todo o ocorrido, prosseguiu o Ministério Público na denúncia, “Patrick apropriou-se de alguns objetos pessoais da vítima, a saber: um relógio, um telefone celular, da quantia de aproximadamente R$ 100,00 (cem reais) e, Thadeu, se apropriou de um par de tênis Nike. Destaca-se ainda que, o relógio e o celular subtraídos, foram devolvidos à vítima pelo delegado denunciando.”
Depois de fazer a denúncia, ouvir depoimentos dos acusados, da suposta vítima e de testemunhas, o Ministério Público, que havia denunciado o delegado e os policiais, requereu, em memorial, a absolvição dos réus, alegando para tanto a insuficiência de provas, principalmente pelo fato da vítima não ter sido submetida a exame de lesões corporais, além das testemunhas não terem narrado qualquer visualização de lesão, hematoma ou marca de fio no corpo da vítima. Ademais, disse que todos os bens apreendidos foram devolvidos ao delator.
Na sentença, a juíza Ilacéia Novaes ressalva: “O que tenho a lamentar é que o acusado (Armstrong Fardim Vieira) só foi convocado a comparecer perante a Corregedoria de Polícia Civil mais de um ano após os fatos, entretanto, haja registro nos autos que a vítima noticiou os fatos ao Ministério Público e a Corregedoria de Polícia Civil em 05/12/2001, dizendo que fora torturado em sua residência, numa quinta feira do mês de setembro de 2001…O crime se perdeu no tempo e no espaço. Porquanto a vítima, amedrontada, certamente, tardou em procurar auxílio, bem ainda as autoridades que investigaram a notícia não tiveram nenhum ardor em fazê-lo.”
Mais adiante na sentença, a magistrada decide, inclusive, excluir Márcio Braga da prática de crime de tortura, porque o delegado sequer esteve na casa de Armstrong Fardim Vieira quando este diz ter sido torturado:
“Assim, lamentando profundamente, convenho com o Ministério Público, que o caso é de absolvição dos acusados, por falta de prova, material e oral quanto ao crime de tortura. Devo, todavia, sendo justa, excluir da pessoa do acusado Márcio José Pedrosa Braga, pois o mesmo não esteve na casa da vítima e a vítima só o viu quando ele a liberou. Censuro-o, todavia por não ter tomado providência, caso tenha tido conhecimento dos fatos praticados por seus subordinados. E, ele diz que não tomou conhecimento dos fatos.”
Quanto à conduta do crime de contra o patrimônio, a juíza Ilacéia Novaes conclui: “Mais uma vez tenho que ceder ao entendimento do Ministério Público de que a prova quanto ao roubo é ineficaz. E, quanto ao acusado Márcio José Pedrosa Braga, é inexistente.”
E a magistrada sacramenta: “Diante do exposto, por insuficiência de provas, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva Estatal, contida na denúncia,portanto, ABSOLVO MÁRCIO JOSÉ PEDROSA BRAGA, da prática do crime previsto no art. 157, § 2º, II e V, ambos do CP e art. 1º, I, “a” e § 1º da Lei 9.455/97 com fulcro no art. 386, II do CPP. Bem como absolvo PATRICK SERRANO DE ALMEIDA e THADEU HENRIQUE BONAZO, da prática do crime previsto nos arts. 157, § 2º, II e V, ambos do CP e art. 1º, I, “a” da Lei 9.455/97, com fundamento nos termos do art. 386, VII do CPP.”
Nota do Blogueiro: O sistema jurídico brasileiro tem se deparado com denuncismo sem provas. Há muito tempo no Brasil o cidadão cai em desgraça, tem seu nome manchado, é denegrido pela imprensa, passa a responder ação na Justiça sem sequer ter tido culpa. Este caso, em que o delegado Márcio Braga, Patrick Serrano de Almeida e Thadeu Henrique Bonazo acabam de ser absolvidos, é exemplo de que a denúncia foi feita sem a obtenção de provas concretas. Tanto que, ao final da ação, foi o próprio Ministério Público quem pediu a absolvição dos réus. Foi o Ministério Público quem reconheceu, ainda na denúncia levada à Justiça, que o delegado Márcio Braga sequer esteve na casa da suposta vítima e que devolveu ao sujeito os objetos retirados de sua residência por outros policiais. Por que, então, o delegado foi denunciado pelos crimes de tortura e roubo?