A Federação Nacional dos Delegados de Polícia Civil (Fendepol) lançou esta semana os 21 Enunciados aprovados no II Encontro Nacional dos Delegados de Polícia sobre Aperfeiçoamento da Democracia e Direitos Humanos, ocorrido entre os dias 6 e 9 de agosto deste ano, em Foz do Iguaçu, no Paraná. O evento, segundo a Fendepol, teve como tema principal as estratégias de enfrentamento à corrupção e contou com a participação de delegados e autoridades de todo o País.
As conclusões dos 21 Enunciados são acompanhadas das respectivas justificativas, amparadas na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, além de se fundamentarem no ordenamento jurídico pátrio e na melhor doutrina, conforme explicação do presidente da Fendepol, José Paulo Pires.
“Iniciativas como os nossos Enunciados, tão comuns nas demais carreiras jurídicas, ainda são extremamente escassas na Polícia Judiciária brasileira, omissão que deve cessar especialmente ao considerarmos os ataques sofridos pelos delegados de Polícia e as inconstitucionalidades diuturnamente praticadas na persecução penal”, afirma o delegado José Paulo Pires.
Segundo a Fendepol, ao lançar os 21 Enunciados, a entidade adota uma postura pioneira, difundindo-a junto às polícias judiciárias de todo Brasil. A construção do documento envolveu uma profunda sistemática de pesquisa acadêmica, empírica e técnica, com análises de inúmeros delegados de Polícia com grande experiência e capacidade acadêmica, além de advogados e até magistrados.
“Afinal, cuida-se de questões de alta envergadura, de fundamental relevância para a consolidação dos delegados de Polícia como garantidores de direitos fundamentais e primeiras autoridades protetoras da legalidade e da justiça. Por todas essas razões, pugnamos para que todos analisem e adotem os enunciados relacionados em seu cotidiano profissional, como um norte a ser seguido pelos delegados de Polícia em suas atribuições legais e constitucionais, até porque tais enunciados referendam o que já é consagrado na legislação, doutrina e farta jurisprudência. As justificativas podem e devem ser usadas nas fundamentações exigidas nos trabalhos procedimentais de polícia judiciária”, diz o presidente da Fendepol, José Paulo Pires.
De acordo com a entidade, a aplicação correta dos enunciados com suas fundamentações técnicas será fundamental à sobrevivência e evolução institucional dos delegados de Polícia. Todos estes enunciados se originam inclusive dos postulados estabelecidos no movimento “Pacto Pela Legalidade”, de iniciativa pioneira do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado do Espírito Santo (Sindepes) e difundido nacionalmente com extrema recepção.
Os Enunciados
Enunciado 1
O poder geral de cautela administrativo do Delegado de Polícia encontra-se em consonância com os postulados da reserva relativa de jurisdição e da dignidade da pessoa humana, sendo consectário lógico do sistema acusatório e da busca da verdade.
Enunciado 2
A Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e a Guarda Municipal não possuem autorização constitucional para lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência, criar cartórios de investigação de crimes comuns, conduzir civis a destacamentos militares, tipificar condutas em Boletim de Ocorrência, apurar crimes não militares pela P2, lavrar flagrantes de crime comum de homicídio praticado por militar contra civil, representar ou executar autonomamente busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica ou qualquer outra medida cautelar, sob pena de ilicitude das provas, violação ao princípio da eficiência, condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, além de responsabilização pessoal por improbidade administrativa e crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade.
Enunciado 3
O Delegado de Polícia é a autoridade que exerce a presidência exclusiva do procedimento policial, seja inquérito policial, termo circunstanciado de ocorrência ou outro procedimento investigatório, de maneira discricionária e segundo seu livre convencimento técnico-jurídico.
Enunciado 4
O Delegado de Polícia goza dos predicados da independência funcional e inviolabilidade de suas decisões fundamentadas confeccionadas no bojo da investigação criminal, que devem ser documentadas para possibilitar controle interno e externo, não respondendo por crime ou infração disciplinar em razão de suas deliberações motivadas.
Enunciado 5
O Delegado de Polícia, que integra carreira jurídica, age stricto sensu em nome do Estado, sendo o primeiro garantidor da legalidade e da justiça.
Enunciado 6
Consiste em atribuição exclusiva do Delegado de Polícia a decisão sobre a lavratura ou não de auto de prisão ou apreensão em flagrante, através de análise técnico-jurídica do fato, não se sujeitando a requisição de qualquer autoridade ou órgão.
Enunciado 7
O Delegado de Polícia pode reconhecer a existência de causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade e deixar de lavrar auto de prisão ou apreensão em flagrante, sem prejuízo da instauração de investigação policial e do controle interno e externo.
Enunciado 8
O Delegado de Polícia pode aplicar o princípio da insignificância e deixar de lavrar auto de prisão ou apreensão em flagrante, sem prejuízo da instauração de investigação policial e do controle interno e externo.
Enunciado 9
A decisão de indiciamento ou desindiciamento insere-se no plexo de atribuições exclusivas do Delegado de Polícia, não sujeitando a requisição de qualquer autoridade ou órgão.
Enunciado 10
O controle externo da atividade policial incide sobre a atividade-fim da Polícia Judiciária, a saber, a investigação criminal, não abrangendo as atividades-meio consistentes nas tarefas policiais administrativas.
Enunciado 11
O Delegado de Polícia pode determinar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se a condução coercitiva de pessoas para prestar esclarecimentos, ainda que sem mandado judicial ou estado de flagrância.
Enunciado 12
Caso o perito destinatário de requisição do Delegado de Polícia não encaminhe o laudo pericial no prazo de 10 dias, deve requerer fundamentadamente dilação de prazo, a ser deferida pela Autoridade de Polícia Judiciária apenas em casos excepcionais, sob pena de responsabilização criminal do perito recalcitrante.
Enunciado 13
O poder requisitório do Delegado de Polícia abarca o prontuário médico que interesse à investigação policial, não estando albergado por cláusula de reserva de jurisdição, sendo dever do médico ou gestor de saúde atender à ordem no prazo fixado, sob pena de responsabilização criminal.
Enunciado 14
O poder requisitório do Delegado de Polícia, que abrange informações, documentos e dados que interessem à investigação policial, não esbarra em cláusula de reserva de jurisdição, sendo dever do destinatário atender à ordem no prazo fixado, sob pena de responsabilização criminal.
Enunciado 15
Em razão da inamovibilidade do Delegado de Polícia, sua remoção somente ocorrerá por ato fundamentado no interesse público que indique concretamente as circunstâncias fáticas justificadoras, não sendo suficientes ilações, meras referências a dispositivos legais ou utilização de termos genéricos.
Enunciado 16
O Delegado de Polícia não é obrigado a atender requisições ministeriais de instauração de inquérito policial ou de diligências que não se revistam de legalidade ou que não indiquem elementos mínimos.
Enunciado 17
O Delegado de Polícia não está obrigado a instaurar inquérito policial se entender que lhe falta justa causa, podendo determinar a verificação de procedência das informações mediante decisão fundamentada.
Enunciado 18
É poder-dever do Delegado de Polícia dispensar a fiança que houver arbitrado, mediante decisão fundamentada, no caso de preso pobre.
Enunciado 19
É incito ao feixe de atribuições decisórias do delegado de polícia e imbuído da qualidade técnico jurídica dos fundamentos de uma carreira exclusiva de Estado a declaração de invalidação de norma jurídica que afronte as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos e as interpretações por esta realizada nos casos contenciosos e nas opiniões consultivas, exercendo controle de convencionalidade.
Enunciado 20
A lei 12.830/13 é norma materialmente constitucional por garantir ao investigado o instituto do delegado natural, necessário à democraticidade do sistema, assim como os postulados do juiz natural, do promotor natural e do defensor natural.
Enunciado 21
A avocação de qualquer procedimento investigatório presidido por Delegado de Polícia viola frontalmente o princípio do delegado natural, quando desprovida de motivação que tenha como parâmetro as razões explícitas que motivariam o interesse público, bem como os motivos da inobservância dos procedimentos previstos em regulamento, que tenham prejudicado a eficácia da investigação.