Em agosto deste ano, o Blog do Elimar Côrtes postou reportagem em que revela a preocupação do governo do Estado com o crescimento das atividades de organizações criminosas nos presídios capixabas. No domingo e nesta segunda-feira (26/11), O Globo traz informações da expansão do Primeiro Comando da Capital (PCC), maior organização criminosos do País, por todo o Brasil, além de Bolívia e Paraguai.
Segundo O Globo, o PCC, nascida e gerida a partir dos presídios de São Paulo, a maior organização criminosa brasileira vive um momento de franca expansão e já conta com representantes em 21 estados e no Distrito Federal, além de Paraguai e Bolívia.
A facção movimenta pelo menos R$ 72 milhões anuais com o comércio de drogas e mensalidades pagas por 13 mil integrantes, dos quais 6 mil estão em presídios paulistas, 2 mil nas ruas de São Paulo e 5 mil em outros estados, segundo relatório reservado da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça.
A expansão para outros estados, segundo O Globo, estava prevista desde os primeiros estatutos da organização, mas ganhou força nos últimos dois anos, de acordo com levantamentos dos órgãos de inteligência.
Desde julho do ano passado promotores de Justiça trocam informações sob o comando do Grupo Nacional de Combate a Organizações Criminosas (GNCOC). Os dados obtidos pelo grupo mostram que apenas entre janeiro e setembro de 2011 foram realizados 90 “batismos” de novos integrantes em Minas Gerais e 56 na Bahia, estados que mais se destacam pelo crescimento da organização em seus presídios.
Houve aumento significativo também em Mato Grosso do Sul (45) e Paraná (27), estados estratégicos em função do fornecimento de drogas via Paraguai e Bolívia, além de Espírito Santo (30) e Pernambuco (21).
Principal responsável pela atual crise de segurança em São Paulo, a mensagem espalhada entre os integrantes da facção cobrando a morte de dois policiais para cada integrante assassinado nas ruas foi captada em 8 de agosto, mas o governador Geraldo Alckmin (PSDB) só admitiu a existência da guerra entre o grupo e a polícia 83 dias depois, em 30 de outubro.
Atualmente, 135 das 152 unidades prisionais de SP são controladas pela organização. Em reunião dia 6 de novembro, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, revelou a Alckmin preocupação com a expansão pelo país.
Desde o início deste ano, 96 policiais militares foram mortos em São Paulo (em todo ano passado foram 47). O “salve” de agosto, espécie de comunicado interno da facção criminosa, determina que os PMs a serem assassinados devem ser da mesma corporação responsável pela morte de integrantes da organização.
Pelo menos duas execuções por parte da elite da PM paulista, a Rota, teriam motivado os ataques, de acordo com o texto.
A reação dos policiais aos ataques, com mais mortes, foi um dos motivos que levaram à queda do secretário de Segurança Antonio Ferreira Pinto, que perdeu o controle da tropa, segundo avaliação do governo paulista.
Ainda segundo o Globo, os detalhes da criação de um “banco de apoio dos irmão (sic)”, com direito a “auxílio bélico” e ajuda financeira para “necessidades emergenciais” a ex-detentos da maior facção criminosa brasileira, nascida nos presídios paulistas, constam de arquivos da organização apreendidos pela Polícia Civil durante a crise de segurança em São Paulo.
Em sete páginas, o comando descreve o papel do banco e como integrantes do grupo que estivessem nas ruas até seis meses depois de sair de prisão poderiam obter armas e um crédito de até R$ 5 mil.
Para a polícia, o documento é uma das evidências da complexidade e do grau de organização da facção que já se expandiu para 21 estados, além do Distrito Federal, conforme relatório reservado da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça.
Os documentos trazem detalhes da contabilidade de setores do grupo que estão fora dos presídios. Há registro em planilhas de despesas como chips de telefonia móvel, aluguel de ônibus e vans para a vista de parentes de detentos às unidades prisionais, gasolina, venda de cocaína, maconha, crack e até equipamentos como computadores e celulares.
“O crime fortalece o crime, é dando que se recebe”, diz o documento que detalha o funcionamento do “banco de apoio”, citando como objetivo da iniciativa “fortalecer aqueles irmãos que estão totalmente descabelados saindo da prisão”.
Para obter auxílio financeiro ou armas, o integrante deve buscar a “Sintonia da Rua” de sua região. Sintonia é como a facção se refere aos setores de divisão de atribuições da organização. Em São Paulo, há uma para cada uma das cinco regiões (Leste, Oeste, Sul, Norte e Centro), além do ABC, Baixada e interior. Cada regional de fora de do estado conta com um responsável pelas atividades na rua.
Na proposta da organização, para emprestar uma “ferramenta” (arma) é analisado até o objetivo declarado. Quem pega até R$ 5 mil emprestados tem 90 dias para pagar, sem precisar pagar juros. O prazo para devolução da arma é de 30 dias.
Empréstimos de valores maiores são negociados caso a caso, por isso não constam da proposta do “banco”. Pelo menos R$ 500 mil foram provisionados pela facção para colocar a iniciativa em prática.
A facção alerta não admitir a prorrogação da devolução das armas. A proposta explica que o “auxílio bélico” inclui “todo tipo de material: fuzil, metralhadora, pistolas, granadas e revólver”. É necessário devolver os itens em boas condições. “No caso de infelicidade de perca (sic), a compreensão vai até o limite da responsabilidade do irmão beneficiado”. Isso significa que a “Sintonia” avaliará se a arma foi usada na situação informada e se a perda ocorreu durante a ação. Nesses casos, o prazo para reposição é de um ano. Mesmo tempo para o caso de ser preso e estar devendo dinheiro à facção.
“O único retorno que a família irá exigir será um maior comprometimento dentro das responsabilidades já existentes na organização”, explica a proposta.
Segundo o relatório da Senasp, a facção movimenta pelo menos R$ 72 milhões anuais com o comércio de drogas e mensalidades pagas por 13 mil integrantes, dos quais 6 mil estão presos em São Paulo, 2 mil nas ruas e 5 mil em outros estados.
Novo chefe da Sejus nega, para O Globo, ligação do PCC com bandidos capixabas
O governo de Minas Gerais, estado onde ocorreram pelo menos 90 “batismos” em 2011, disse acreditar que “não há registros de nenhuma facção criminosa, ao longo da história, nas ocorrências de criminalidade violenta no estado”.
Em nota, a Secretaria de Defesa Social de Minas (Seds) informou ainda desconhecer a metodologia usada no relatório da Senasp, apesar da parceria que o órgão de Segurança Pública estadual mantém com a Promotoria de Combate ao Crime Organizado no estado, uma das mais atuantes no controle da atuação da facção paulista nos presídios mineiros.
Segundo o Globo, com pelo menos 30 “batismos” registrados em 2011, o Espírito Santo também descartou a atuação da organização em seu território.
“Não temos nenhuma informação sobre a atuação dessa facção aqui”, disse o secretário de Justiça do Estado, André Garcia.
Vale ressaltar, entretanto, que André Garcia assumiu a Sejus há dois meses, depois da queda de Ângelo Roncalli, acusado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Estadual de ligação com esquema de corrupção no Instituto de Atendimento Sócio-Educativo do Espírito Santo (Iases).
Além disso, como primeiro ato, Garcia exonerou a equipe de Inteligência que atuava na Sejus. Talvez, por isso, não tenha tido tempo ainda de ler os relatórios elaborados ao longo dos anos pela Inteligência da Pasta.
Abaixo, a reportagem que este Blog publicou, em primeira mão, no dia 9 de agosto deste ano, depois de ouvir diversos setores do governo do Estado, das Polícias Civil e Militar e do Ministério Público:
Investigação mostra que organizações criminosas tentam de novo dominar presídios do Espírito Santo
As forças de segurança pública têm que ficar atentas. Aos poucos, organizações criminosas tentam novamente reconquistar espaço no sistema prisional do Espírito Santo, cooptando cada vez mais um número maior de presidiários e de bandidos que estão soltos.
Os serviços de Inteligência das secretarias de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) e de Justiça (Sejus) já detectaram que a maioria dos presos que hoje estão nas cadeias capixabas começa a integrar o que as forças de segurança chamam de “Sintonia Geral dos Estados”.
Por intermédio de seu setor de Inteligência e com a ajuda da Diretoria de Segurança Penitenciária, a Sejus está desarticulando as tentativas dos líderes das cadeias que tentam assumir o controle das unidades com a realização de motins e imposição de seus interesses, como a volta dos malotes, mais dias para visitas íntimas, menos rigor na fiscalização das visitas e a liberdade de poder usar celulares e drogas nos presídios.
A Sejus já detectou quem são os “cabeças” dessas tentativas de rebeliões e procura inibir suas ações com uma fiscalização mais intensa e eficaz nos presídios.
O problema é que, na hora da fiscalização, geralmente os agentes penitenciários – em sua maioria – acabam cometendo excessos, que são denunciados por advogados e familiares a grupos de direitos humanos.
De Norte a Sul do Estado, os presidiários que ocupam as cadeias da Sejus usam sempre os mesmos discursos (inclusive expressões verbais e físicas) e queixas. Segundo um profissional ligado à Inteligência da Sejus, os discursos e queixas são, normalmente, ensinados pelos comandantes das organizações criminosos.
As orientações sobre como reclamar e do quê reclamar chegam aos presidiários por meio de contatos com familiares; advogados mal intencionados (uma pequena e irrisória minoria); e por contato pelo celular – quando algum agente aceita suborno para permitir a entrada do aparelho nas celas.
As organizações criminosas seduzem os presos com dinheiro. Pagam, geralmente, advogados para traficantes e assaltantes. Arrumam um jeito do advogado imaginar que o dinheiro é “limpo”.
Do lado de fora das cadeias, os xerifes das organizações criminosas vão, aos poucos, tentando substituir o Estado junto aos familiares dos presos. Dão às suas esposas, pais e filhos vale transporte, vale refeição e bancam despesas com remédios e educação.
O Estado brasileiro, por meio da Previdência Social, disponibiliza para cada presidiário o auxílio reclusão, que dificilmente passa de um salário mínimo por mês. O dinheiro é dividido entre o preso, sua família e uma poupança, que vai para o presidiário quando ele deixa a cadeia.
Financiadas, as famílias se tornam reféns das organizações criminosas. E muitas acabam indicando mais bandidos para atuarem nas organizações, que agem no Espírito Santo sob a supervisão de lideranças de outros estados.
Tanto é verdade que esta semana agentes federais da Superintendência Regional de Polícia Federal Espírito Santo cumpriram 14 mandados de prisão contra uma quadrilha especializada em roubar estabelecimentos bancários aqui mesmo em solo capixaba, no Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará.
As investigações começaram no final do ano passado quando foi verificado que 10 pessoas teriam participado de roubos contra agências da Caixa Econômica na Grande Vitória e em Guarapari. A atuação da quadrilha se estendia por todo território nacional fazendo vítimas outras instituições financeiras, como o Banco do Brasil, Santander, Bradesco, Sicredi, causando prejuízo em cerca de R$ 300 mil.
Esse dinheiro é usado para financiar outras ações de organizações criminosas, que hoje controlam presídios em outras partes do Brasil e tentam voltar a dominar as cadeias capixabas.
A intenção dos grupos é expandir seus negócios para dentro e fora das cadeias. Por isso, seus líderes instigam os presos a se rebelarem, colocando sempre em pauta o direito a mais visitas íntimas, a volta do malote e o uso de telefones celulares.
Nos malotes, vão encomendas entregues pelos familiares, como roupas, materiais de limpeza e alimentação. Só que, dentro dos malotes, costumavam entrar também aparelhos celulares e drogas, para serem vendidas dentro dos presídios para os próprios detentos. Esta é uma das partes dos lucros das organizações criminosas
O Espírito Santo, no entanto, cortou essas “benesses”, seja por meio de uma maior repressão por parte das forças de segurança, ou pela fiscalização da Justiça, por intermédio das Varas de Execuções Penais, que sempre exigiram o estabelecimento da ordem e do Estado de Direito nas cadeias.
Desde 2008 o sistema de Justiça do Espírito Santo vem agindo para impedir a volta da anarquia nas prisões. Parceria entre o Grupo de Trabalho Investigativo (Geti) do Ministério Público Estadual, a Diretoria de Inteligência da Polícia Militar e outros órgãos de segurança permitiu a realização de investigações que possibilitaram o Estado a agir com mais rigor, o que acabou enfraquecendo a atuação de organizações criminosas no Estado.
Com isso, os grupos não conseguiram ampliar suas ações em terras capixabas. Dois anos antes dessa parceria, o Espírito Santo sofreu um caos na segurança pública, com incêndios a ônibus quase que diariamente.
Os incêndios eram autorizados por chefões do tráfico e de quadrilhas de assaltantes que estavam presos no Espírito Santo. São bandidos que passaram a integrar as organizações criminosas de outros estados. Boa parte desses bandidos capixabas foi transferida para presídios de segurança federal de outros cantos do País.
O que as forças de seguranças não podem permitir é que, em nome de uma maior fiscalização e repressão nas unidades prisionais para evitar a volta da anarquia, seus agentes penitenciários atuem também à margem da lei.
Sempre que entram em ação, são acusados de cometer “tortura física e psicológica” contra presidiários. Os agentes devem se conscientizar que os presos têm deveres a cumprir numa cadeia – afinal, prisão não é colônia penal e nem hotel de luxo –, porém têm direitos, que devem ser respeitos pelo Estado.
Tudo que os dirigentes (bandidos) das organizações criminosas querem, neste momento, é criar um motivo para explodir sua ira nas unidades prisionais ou do lado de fora. Os agentes penitenciários não podem dar motivo.
Neste momento, se o Estado piscar os olhos, as organizações criminosas tentarão voltar a agir no Espírito Santo. Como dizia o ex-governador Paulo Hartung, referindo-se ao crime organizado, “a onça está ferida, mas não está morta”.