O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acolheu a solicitação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) e suspendeu a resolução do Tribunal de Justiça do Estado (TJE-ES) que estabeleceu a integração de 27 Comarcas no Espírito Santo. As 69 Comarcas – o Estado possui 78 municípios – seriam reduzidas para 42. Assim, esses 27 municípios deixariam de ter Fóruns, afetando a advocacia local e a população, que teriam difícil acesso ao atendimento da Justiça.
Logo depois da concessão da liminar, o Tribunal de Justiça reagiu. Em nota, o presidente da Corte, desembargador Ronaldo Gonçalves de Souza, lamentou a decisão do CNJ e disse que “a medida impõe a necessidade de outros cortes por parte do Poder Judiciário, ao menos temporariamente, que contrariamente à integração afetam de forma significativa a prestação da tutela jurisdicional”.
O CNJ entendeu que a iniciativa adotada pela Corte capixaba teria um evidente impacto imediato sobre as vidas de magistrados, servidores, membros do Ministério Público, advogados privados e públicos e inúmeros municípios e cidadãos nestes residentes.
A decisão assinada pela conselheira Ivana Farina Navarrete Pena determina que para cumprimento das Resoluções que editou, o TJES deverá implementar um complexo rol de medidas, que envolve, entre outras, o deslocamento de servidores e magistrados para as unidades integradas, a redistribuição dos respectivos acervos processuais, a desativação de instalações físicas e a readequação das edificações que receberão os servidores e magistrados dos órgãos jurisdicionais.
Ação Ajuizada no CNJ
No último dia 10 de junho, a Ordem ajuizou a ação no CNJ solicitando a suspensão imediata das resoluções de nº 13 a 33 de 2020 estabelecidas pelo Tribunal de Justiça e solicitando esclarecimentos sobre e decisão; além da intimação do Tribunal para que preste suas informações no prazo regimental; e, ao final, o acolhimento total do pedido de anulação das Resoluções que estabeleceram a extinção das Comarcas.
O procedimento foi assinado pelo presidente da OAB-ES, José Carlos Rizk Filho, e apresentado pelo advogado Marcelo Nobre. Dentro do documento, a Ordem alegou inconstitucionalidade e que não foi consultada sobre a decisão.
De acordo com a OAB, as Resoluções de números 13 a 33, todas deste ano de 2020, estabeleceram a integração de 27 Comarcas do Estado: Água Doce do Norte; Alto Rio Novo; Apiacá; Atílio Vivácqua; Boa Esperança; Bom Jesus do Norte; Conceição do Castelo; Dores do Rio Preto; Fundão; Ibitirama; Iconha; Itarana; Jaguaré; Jerônimo Monteiro; João Neiva; Laranja da Terra; Marechal Floriano; Marilândia; Mucurici; Muqui; Pedro Canário; Presidente Kennedy; Rio Bananal; Rio Novo do Sul; Santa Leopoldina; São Domingos do Norte; Vargem Alta.
Alegou que a sessão virtual administrativa para aprovação dos atos, realizada no dia 28 de maio de 2020, teria ocorrido “de forma secreta, sem a cientificação da OAB/ES ou das demais entidades interessadas, violando, em tese, o art. 93, X e XI da Constituição Federal”.
Ainda quanto ao tema, argumenta que o Tribunal de Justiça, ao não permitir à OAB/ES participar da sessão, teria afastado a possibilidade de a sociedade civil contribuir com o debate, além de impossibilitá-la de exercer o controle finalístico do ato, como analisar a distância entre as Comarcas integradas, verificar as condições da comunicação viária e a viabilidade de movimentação populacional.
“A extinção de Comarcas não terá o desejado efeito de reduzir despesas, dado que os gastos de pessoal seguirão inalterados”, pondera o presidente da OAB/, José Carlos Rizk, no pedido liminar. Segundo a entidade, o Tribunal teria agido de forma temerária ao considerar a diminuição de despesas com pessoal na projeção da economia a ser alcançada com as medidas aprovadas.
Na análise da liminar, a conselheira Ivana Farina Navarrete Pena corrige a OAB/ES, que trata a decisão do Tribunal de Justiça de extinção das Comarcas” e não integração:
“De início, forçoso debelar as eventuais imprecisões conceituais ocorrentes nos diversos expedientes que ingressaram no gabinete desta Relatora sobre a mesma matéria. Não há falar, no caso presente, em ato administrativo de extinção de Comarcas, pois é flagrante tratar-se de integração. A extinção implica a retirada permanente da Comarca ou da unidade judicial do âmbito da organização judiciária local. A integração, por sua vez, representa a agregação dos órgãos jurisdicionais, sem o caráter extintivo, embora, com a medida, haja necessidade de transferência de sede da unidade integrada”.
Segundo ela, no caso do Estado do Espirito Santo, também há previsão de integração de Comarcas em Lei Complementar estadual, que dispõe sobre os requisitos para implementação (Lei Complementar nº 234/2002, alterada pela Lei Complementar 788/2014).
De acordo com a conselheira, a integração das Comarcas ora em análise é medida que foi inicialmente aventada em recomendação expedida pela e. Corregedoria Nacional de Justiça em 2019, após inspeção realizada no TJES, como medida de contenção de despesas e de adequação fiscal do Tribunal (Insp 0371-27).
Para a a conselheira Ivana Farina Navarrete Pena, embora a Corregedoria do CNJ tenha determinado a adoção de “soluções mais incisivas”, também consignou ser dever do Tribunal de Justiça, “com vistas a possibilitar a análise objetiva da questão, à luz do disposto no art. 4º da LC 788/2014, empreender estudos tendentes a apresentar, se for o caso, propostas de unificação de Comarcas”.
“Identifico, assim, o atendimento ao requisito do fumus boni iuris, para efeito de concessão da medida urgente, porquanto resta evidente a necessidade de serem apresentados os estudos que fundamentaram a medida tomada pelo Tribunal requerido – exigência constante da Lei Complementar estadual 234/2002 e da Res. CNJ 184/2013. Tendo em conta a amplitude da iniciativa adotada pela Corte capixaba – integração de 27 Comarcas do Estado –, com o evidente impacto imediato sobre as vidas de magistrados/as, servidores/as, membros do Ministério Público, advogados/as privados/as e públicos/as, bem como sobre inúmeros Municípios e cidadãos nestes residentes, faz se indispensável a juntada aos presentes dos aludidos estudos pelo TJES, para a devida análise por este Conselho”, pontuou a conselheira do CNJ.
Ato Público
A OAB-ES promoveu um ato público on-line com a participação do presidente José Carlos Rizk Filho, dos presidentes das Subseções, dos presidentes das Comissões Temáticas e de diversos representantes da advocacia capixaba, em especial do interior, contra extinção das comarcas. Durante o ato, diversos presidentes das Subseções da Seccional Espírito Santo manifestaram contra a decisão e lamentaram sobre o ato de retrocesso da advocacia.
A classe se articulou contra a decisão e realizou diversas manifestações por todo o interior do Espírito Santo.
Tribunal diz que, com suspensão temporária da integração de Comarcas, Judiciário vai ter que fazer cortes em outros setores
Ainda na noite de terça-feira (29/06), o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Ronaldo Gonçalves de Souza, se manifestou sobre à decisão liminar do CNJ que suspendeu a implementação da integração de Comarcas:
“O Tribunal de Justiça do Espírito Santo informa que não há o que comentar no momento, pois não existe qualquer solução definitiva da questão, uma vez que o CNJ apenas suspendeu temporariamente a integração afirmando que precisa avaliar outros documentos, sem apontar nenhuma ilegalidade, o que qualquer operador do Direito sabe que é natural face a relevância do tema. No entanto, a medida impõe a necessidade de outros cortes por parte do Poder Judiciário, ao menos temporariamente, que contrariamente à integração afetam de forma significativa a prestação da tutela jurisdicional. Ademais, lamentavelmente, enquanto suspensa a decisão o advogado e o jurisdicionado serão os maiores prejudicados, especialmente em tempos de pandemia, diante da dificuldade do manejo de processos físicos, quando era tão importante a implementação do Processo Judicial Eletrônico o quanto antes e de soluções financeiras que não afetassem o quadro de pessoal. Por fim, o TJES confia que, no mérito, após os esclarecimentos que serão devidamente prestados, as integrações serão mantidas e a própria OAB entenderá a importância desse projeto para seus associados e para a população, prevalecendo a modernização do Poder Judiciário, em benefício direto de todos os usuários”.
(Texto atualizado às 9h39 de 30/06/2020)