A falta de uma política de Estado para a segurança pública brasileira deixa o País refém de ideias “milagrosas” sempre que o setor enfrenta crises. Quando uma pessoa famosa é vítima de um brutal criminoso, lá vem a classe política falando em apresentar projeto de lei que torna as punições mais graves. Quando um menor de 18 anos mata alguém, surgem os defensores da redução da maioridade penal. Os políticos agem com o emocional. Agora, aparece mais uma ideia no mínimo polêmica, apresentada pela senadora capixaba Rose de Freitas (PMDB), que acaba com o poder dos governadores sobre a segurança pública.
No dia 22 de fevereiro deste ano, no meio da crise da segurança pública no Espírito Santo por conta do aquartelamento dos policiais militares, a senadora Rose de Freitas protocolou Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, se aprovada, vai federalizar os órgãos de Segurança Pública do País. A PEC 006/2017 tem por objetivo incorporar as Polícias Civis à Polícia Federal e unificar as Polícias Militares Estaduais em uma Polícia Militar da União, unificando também os Corpos de Bombeiros Militares em um Corpo de Bombeiros Militares da União.
“A mudança que propomos visa à valorização dos policiais civis, policiais militares e bombeiros militares, bem como à racionalização, desburocratização, otimização, uniformização e padronização de estruturas administrativas, procedimentos e equipamentos, eliminando as redundâncias e os conflitos ocasionados pela existência de 27 estruturas heterogêneas nas Unidades da Federação, sem prejuízo, é claro, da observância das particularidades regionais”, defendeu a senadora.
A PEC 006/2017 altera os artigos 21, 22, 42 e 144 da Constituição e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) para federalizar os órgãos de segurança pública. Pela proposta, o artigo 21 passa a vigorar com a seguinte redação: …XIV – prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; XXVI – organizar e manter a Polícia Militar da União e o Corpo de Bombeiros Militares da União.
A proposta deixa claro que os Estados não terão mais poder para determinar mobilizações, convocações e dotação de armamento. Diz o artigo 22 que caberá à União a organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização da Polícia Militar da União e do Corpo de Bombeiros Militares da União.
Ainda de acordo com a proposta, “os membros da Polícia Militar da União e do Corpo de Bombeiros Militares da União, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares da União.” E mais: Aplicam-se aos policiais militares e bombeiros militares, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei federal específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelo Presidente da República.
O artigo 4º da proposta substitui o artigo 144 da Constituição Federal, e fala as atribuições de cada Polícia:
§ 1º A Polícia Federal, instituída por lei federal específica como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I – apurar as infrações penais, exceto as militares; II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; e IV – exercer as funções de polícia judiciária.
§ 4º À Polícia Militar da União, instituída por lei federal específica como órgão permanente, organizado e mantido pela União, estruturado em carreira e comandado por oficial do posto mais elevado da corporação, cabem: I – o policiamento ostensivo, preferencialmente comunitário; e II – a preservação da ordem pública.
§ 5º Ao Corpo de Bombeiros Militares da União, instituído por lei federal específica como órgão permanente, organizado e mantido pela União, estruturado em carreira e comandado por oficial do posto mais elevado da corporação, incumbem as ações de: I – prevenção e combate a incêndios; II – busca, resgate e salvamento; III – atendimento pré-hospitalar; e IV – planejamento, coordenação e execução das atividades de defesa civil.
O parágrafo (§) 6º deixa bem claro que Polícia Militar da União e o Corpo de Bombeiros Militares da União continuarão sendo forças auxiliares e reserva do Exército e subordinadas ao Presidente da República, mas poderão ser utilizadas pelos Governadores dos Estados e do Distrito Federal nos termos de lei federal específica.
O artigo 5º, que cuida do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 115 e 116: “Art. 115. Ficam as polícias civis dos Estados e do Distrito Federal incorporadas à Polícia Federal. E mais: uma lei federal específica disporá sobre o aproveitamento, pela União, dos policiais civis, policiais militares e bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal.”
Na argumentação, a senadora Rose de Freitas apontou a fragilidade do atual modelo de segurança pública. “Estados e o Distrito Federal não têm mais condições de suportar sozinhos o peso de garantir a segurança dos cidadãos”. Disse mais:
“O número absurdo de mortes violentas intencionais (58,5 mil em 2015, de acordo com a 10ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o que corresponde a 28,6 mortes por 100 mil habitantes), o fortalecimento das facções criminosas, as sangrentas rebeliões em presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte e as greves de policiais militares no Espírito Santo e Rio de Janeiro são sinais gritantes de que nosso atual modelo de segurança pública está exaurido e falido”, argumentou a senadora.
Atualmente, o Brasil possui, de um lado, três polícias em nível federal e, de outro, 27 polícias civis, 27 polícias militares e 27 corpos de bombeiros em nível estadual e distrital, “totalizando 84 órgãos de segurança pública, em geral, desvalorizados, ineficientes e sucateados, que não interagem nem cooperam uns com os outros”, apontou Rose de Freitas.
A proposta da senadora capixaba não deixa claro quem vai pagar a conta. Ou seja, os salários dos futuros policiais e bombeiros militares da União. Também não revela quem bancará os salários dos delegados, investigadores, agentes, escrivães, médicos-legistas, peritos e demais servidores das Polícias Civis que serão, caso a PEC seja aprovada, incorporados à Polícia Federal.
Embora tenha sido assinado pela senadora Rose de Freitas, o Portal do Senado informa que outros senadores também são autores da PEC 006/2017. São eles José Aníbal, Pedro Chaves, Regina Sousa, Antonio Carlos Valadares, Armando Monteiro, Ataídes Oliveira, Cristovam Buarque, Dário Berger, Edison Lobão, Elmano Férrer, Flexa Ribeiro, Garibaldi Alves Filho, Hélio José, Ivo Cassol, José Maranhão, José Medeiros, José Pimentel, Lúcia Vânia, Magno Malta, Maria do Carmo Alves, Paulo Paim, Roberto Muniz, Sérgio Petecão, Thieres Pinto de Mesquita Filho, Valdir Raupp e Vicentinho Alves.
A ideia desta vez dos senadores esbarra na própria Constituição Federal, pois quebra o pacto federativo. A Carta Magna de 1988 consagra que o pacto federativo revela-se como princípio estruturante da ordem jurídico-institucional do Estado Brasileiro (preâmbulo e artigo 1° da CF/88) e também como cláusula pétrea (artigo 60, parágrafo 4°, inciso I, CF/88). Assim, ensina o professor Marco Aurélio Marrafon, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), que a “República brasileira se organiza na forma de uma Federação, cujos entes (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) formam, no sistema constitucional vigente, uma união indissolúvel (artigo 1° da CF/88).”