A Polícia Federal concluiu que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atuou de “forma direta e efetiva” nos atos executórios para tentar um golpe de Estado no Brasil em 2022. A informação está no relatório no qual a PF indiciou Bolsonaro por golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O sigilo do Inquérito Policial foi derrubado na terça-feira (26/11) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do chamado inquérito do golpe. Ao mesmo tempo, o ministro determinou o encaminhamento do relatório final da PF à Procuradoria-Geral da República (PGR). O relatório final da Federal tem 884 páginas e pode ser acessado aqui.
Em suas conclusões, a PF indiciou 37 pessoas e apontou a existência de grupo criminoso, com atuação por meio de núcleos, que teria adotado medidas para desacreditar o processo eleitoral, planejar e executar um golpe de Estado e abolir o Estado Democrático de Direito, “com a finalidade de manutenção e permanência de seu grupo no poder”. Ao encaminhar os autos à PGR, Alexandre de Moraes explicou que, no sistema judicial brasileiro, o Ministério Público (MP) é o titular da Ação Penal nos crimes de Ação Penal Pública (que é a hipótese no caso). Assim, compete ao MP, “exclusivamente, decidir pelo oferecimento de denúncia ou solicitação de arquivamento do inquérito ou peças de informação”.
Em relação à publicidade dos autos, o ministro considerou que não há necessidade de manutenção do sigilo, uma vez que foi apresentado o relatório final e foram cumpridas todas medidas e diligências requeridas pela PF. O ministro manteve, no entanto, o sigilo da Petição 11767, que trata do acordo de colaboração premiada do tenente-coronel e ex-ajudante de Ordens da Presidência da República Mauro Cid. Nesse caso, a medida foi tomada em razão da existência de diligências em curso e outras em fase de deliberação. Aqui, a decisão do ministro sobre a derrubada do Inquérito Policial.
De acordo com a Polícia Federal, Bolsonaro tinha conhecimento sobre o planejamento das ações para atentar contra a democracia brasileira. “Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de estado e da abolição do estado democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”, diz o relatório.
No documento, a Federal também afirma que Bolsonaro tinha conhecimento do chamado Punhal Verde e Amarelo, plano que foi elaborado pelos indiciados para sequestro ou homicídio do ministro Alexandre de Moraes, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
“Há também nos autos relevantes e robustos elementos de prova que demonstram que o planejamento e o andamento dos atos eram reportados a Jair Bolsonaro, diretamente ou por intermédio de Mauro Cid [tenente-coronel do Exército]. As evidências colhidas, tais como os registros de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada, conteúdo de diálogos entre interlocutores de seu núcleo próximo, análise de ERBs [torres de celular], datas e locais de reuniões, indicam que Jair Bolsonaro tinha pleno conhecimento do planejamento operacional (Punhal Verde e Amarelo), bem como das ações clandestinas praticadas sob o codinome Copa 2022”, diz a Polícia Federal.
Ainda segundo a corporação, o ex-presidente Jair Bolsonaro deixou o Brasil no final de 2022 para evitar eventual prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Em dezembro de 2022, nos últimos dias de seu mandato, Bolsonaro embarcou para os Estados Unidos e retornou somente em março de 2023. A Polícia Federal finalizou as investigações afirmando que, apesar dos atos para implementação, o golpe de Estado não ocorreu porque o alto comando das Forças Armadas não aderiu ao movimento golpista.
“Destaca-se a resistência dos comandantes da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Baptista Junior, e do Exército, general Freire Gomes e da maioria do alto comando que permaneceram fiéis à defesa do Estado Democrático de Direito, não dando o suporte armado para que o então presidente da República consumasse o golpe de Estado”, pontua a PF.
Golpe não ocorreu por falta de apoio do Exército e da Aeronáutica, afirma Polícia Federal
A Polícia Federal estima que o plano de golpe de Estado que estava sendo articulado seria consumado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados no dia 15 de dezembro de 2022. Segundo a PF, a data foi “relevante para o contexto golpista” porque o ex-presidente recebeu, no Palácio da Alvorada, o ministro da Justiça, Anderson Torres, e os generais da reserva Braga Netto e Mario Fernandes, todos indiciados pela Federal. O então general do Exército Freire Gomes, comandante da força, também esteve com o ex-presidente naquele dia. No mesmo dia, estava em curso uma operação clandestina para prender o ministro Alexandre de Moraes.
De acordo com o relatório de indiciamento, a operação foi cancelada pelos indiciados após receberem a informação de que não haveria adesão das tropas de Freire Gomes ao golpe, fato que também levou Bolsonaro a não assinar a minuta golpista encontrada durante a investigação da PF. “Apesar de todas as pressões realizadas, o general Freire Gomes e a maioria do alto comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República Jair Bolsonaro, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou”, afirma a PF.
Conforme as provas colhidas no chamado inquérito do golpe, além do Exército, a Aeronáutica também não embarcou na tentativa de golpe e frustrou a empreitada.
“As evidências descritas ao longo do presente relatório, demonstraram que o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio, aderiram ao intento golpista. No entanto, os comandantes Freire Gomes, do Exército e Baptista Junior, da Aeronáutica, se posicionaram contrários a qualquer medida que causasse a ruptura institucional no país”, completaram os investigadores.
A implementação do golpe ocorreria três dias após a diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente, Geraldo Alckmin, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), então presidido por Alexandre de Moraes, como candidatos eleitos em 2022. No dia 12 de dezembro de 2022, horas após a cerimônia no TSE, um grupo tentou invadir a sede da Polícia Federal em Brasília e colocou fogo em ônibus que transitaram pelas proximidades.