O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu, em coletiva de imprensa concedida na segunda-feira (25/11), que o Estado de Sítio chegou a ser estudado no final de seu governo, mas negou que tenha liderado a trama de um golpe de Estado que previa até o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O Estado de Sítio seria decretado por Bolsonaro para impedir a posse de Lula, que o derrotou no segundo turno das eleições presidenciais de 2022 – a posse foi em 1º de janeiro de 2023.
“Golpe de Estado é uma coisa séria. (…) Tem que tá envolvido todas as Forças Armadas senão não existe golpe. Ninguém vai dar golpe com general da reserva e mais meia dúzia de oficiais. É um absurdo o que estão falando”, disse Bolsonaro na área de desembarque do Aeroporto de Brasília. “Da minha parte nunca houve discussão de golpe. Se alguém viesse pedir golpe para mim ia falar, tá, tudo bem, o ‘after day’? E o dia seguinte, como é que fica? Como fica o mundo perante a nós. (…) A palavra golpe nunca esteve no meu dicionário”, completou.
Na semana passada, a Polícia Federal indiciou 37 pessoas, entre elas Bolsonaro, pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa, cujas penas somam de 12 a 28 anos de prisão, sem contar agravantes. A PF aponta quem teria se envolvido nas diversas frentes golpistas em 2022, incluindo os ataques ao sistema eleitoral e discussões sobre uma minuta de decreto para anular o resultado das eleições.
A Federal ainda investiga o documento denominado “Planejamento – Punhal Verde Amarelo”, que teria sido criado pelo general de brigada da reserva Mário Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência da República. O plano incluiria a possibilidade de matar o presidente eleito Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Segundo as investigações, o general Fernandes imprimiu o planejamento em 9 de novembro de 2022 no Palácio do Planalto. Cerca de 40 minutos depois, ele teria ido até o Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência da República, então ocupada por Bolsonaro.
Na coletiva, o ex-presidente não comentou vários dos pontos específicos da investigação, até porque foram convocados políticos aliados e apoiadores que dificultaram perguntas ao ex-presidente. Ao negar a trama golpista, ele disse que todas as medidas “dentro das quatro linhas” e da Constituição Federal foram estudadas, entre elas uma medida extrema, o Estado de Sítio.
A Constituição inclui dois estados possíveis para casos de quebra da ordem social e de instauração de guerras ou conflitos, sejam internos ou externos: o Estado de Defesa, conforme citado na minuta que mirava o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e o Estado de Sítio, mais amplo. O Estado de Defesa é um dos instrumentos previstos na Constituição Federal capazes de ampliar poderes do chefe do Executivo, mas, segundo especialistas, seria inconstitucional no caso citado por Bolsonaro porque representaria uma interferência indevida do Executivo na Justiça Eleitoral.
Já o Estado de Sítio é o instrumento capaz de restringir ainda mais as liberdades individuais, deve ser utilizado somente em caso de declaração de guerra, resposta a eventuais ataques de outros países ou instabilidades extremas, que não podem ser resolvidas com o Estado de Defesa.
Na entrevista desta segunda, Bolsonaro voltou a criticar o ministro Alexandre de Moraes e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmando que “a mesma pessoa faz tudo e, no final, vota para condenar quem quer que seja”. O ex-presidente lembrou as campanhas da Corte Eleitoral para incentivar que jovens de 16 e 17 anos tirassem o título de eleitor — nessa idade, os adolescentes não são obrigados a votar. “Quatro milhões de jovens tiraram o título de eleitor. Três milhões para o Lula e um milhão para mim. Eu estou até me beneficiando, o percentual é maior para o lado de lá. Só aí decidiu as eleições. Essa é uma das tantas observações que eu tenho onde o TSE tomou partido”, declarou.
O que é o Estado de Sítio?
Conforme prevê a Constituição Federal nos artigos 137 e 138, o Estado de Sítio é um instrumento que pode ser utilizado pelo presidente da República nos casos de: Comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; e Declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
O Estado de Sítio é solicitado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, ouvindo antes o Conselho da República e o Conselho da Defesa Nacional. Com a medida em vigor, garantias individuais são suspensas e o Presidente passa a ter poderes plenos.
“O decreto do Estado de Sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas”, diz a Constituição.
Ainda segundo a Carta Magna, o Estado de Sítio “não poderá ser decretado por mais de 30 dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior”. O funcionamento do Congresso Nacional é garantido até o término das medidas coercitivas.