O governador Renato Casagrande (PSB) defendeu a Proposta de Emenda à Constituição da Segurança Pública, que pretende conferir status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), instituído em 2018, por lei ordinária. No entanto, o líder capixaba, que compareceu na quinta-feira (31/10) ao Palácio do Planalto, em Brasília, onde a PEC foi apresentada a outros governadores, fez uma ressalva: a manutenção da soberania dos Estados. Em sua manifestação na reunião, coordenada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Casagrande defendeu também alterações legislativas que permitem acabar com a progressão de penas para assassinos que integram grupos criminosos e a autonomia dos Estados em poder ter sua legislação penal.
Conforme reza a Constituição Federal em seu artigo 144, a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. O texto de 1988, no entanto, precisa ser aprimorado quanto às competências da União. Por isso, a PEC elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública prevê maior integração entre a União e os entes federados na elaboração e execução da política de segurança pública. Para isso, a ideia é colocar na Constituição Federal o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, composto por representantes do Governo Federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. O principal objetivo, a partir dessas medidas, é estabelecer diretrizes para fortalecer o Estado Brasileiro no combate ao crime organizado, por meio da padronização de protocolos, informações e dados estatísticos.
Na reunião, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, deu uma sugestão para que os governadores, num prazo de 15 dias, encaminhem ao Governo Federal sugestões com relação à PEC da Segurança Pública bem como Projetos de Lei referentes a alterações na Legislação Penal. “Nós já estamos discutindo essas questões em nossos consórcios [de governadores por regiões do País]. Acho que esse é um encaminhamento bem adequado”, disse o governador Renato Casagrande.
Ele salientou sobre a importância de se constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública, “mesmo que a gente compreenda, como disse o governador Caiado [Ronaldo Caiado, de Goiás], todas as diferenças que existem no nosso País. Mas constitucionalizar sempre é um caminho que leva à manifestação da importância do tema e o protagonismo que o Estado brasileiro tem que ter em relação a um tema tão importante. Eu me lembro que quando foi constitucionalizado o Sistema Único de Saúde passamos a ter no Brasil um trabalho que envolve todos os entes da federação e hoje nós temos um SUS que é referência para o mundo todo.”
O governador do Espírito Santo também defendeu a integração das forças policiais de todas as instâncias do País: “Compreendo que o Governo [Federal] pode e deve cumprir, respeitadas as peculiaridades de cada Estado, trabalhar muito para que haja integração das forças de segurança. É muito importante que haja essa integração. Todos aqui falaram que o crime, na hora que se organiza, na hora que domina um território, passa a exercer uma outra função, uma outra tarefa, que é a tarefa de Justiça. É migrar para atividades, entre aspas, legais, usando o dinheiro do ilícito para atividade, entre aspas, legais. Então, nós sabemos da importância dessa integração das forças de segurança e na hora que você constitucionaliza, na hora que o Governo Federal passa a exercer um papel definidor no debate com os entes da federação, de padronização de procedimentos, de documentos, de sistema de tecnologia, isso pode nos dar vantagem significativa para a gente alcançar o bolso, o coração financeiro das organizações criminosas.”
Por isso, completou Casagrande, “a União pode entrar com mais força, fazendo um trabalho de integração e de fortalecimento da Inteligência, não tem como nós abrirmos mão dela dessa ação”. O governador cobrou ainda um posicionamento mais objetivo do Governo Federal sobre outro artigo da PEC, que prevê a criação do Conselho Nacional de Segurança Pública: “É preciso deixar claro como será esse Conselho Nacional, para que não haja nenhuma intromissão. Hoje o presidente é Lula e daqui a pouco pode ser outro presidente ou outra presidente. Por isso, precisamos ter clareza da soberania, da autonomia dos entes da Federação”. Mais adiante, Casagrande fez uma observação pertinente: a de que os Estados e municípios cuidam da segurança pública, mas não têm nenhuma ingerência na elaboração de leis punitivas:
“Hoje nós já somos executores daquilo que o Congresso vota, nós não legislamos em praticamente nada de Legislação Penal, de Execução Penal, de Processo Penal. Nós executamos efetivamente aquilo que a legislação já está aí desde o início da República Brasileira.” E Casagrande citou duas mudanças legislativas que alteram com as estruturas das Polícias Militares e Civis sem que os governadores tenham sido consultados pelo Governo Federal e o Congresso Nacional:
“Vejam que foi votada a Lei Geral da Polícia Civil [Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis Estaduais]. Algum governador aqui discutiu a Lei Geral da Polícia Civil? Foi votada a Lei Geral da Polícia Militar [Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios]. Algum governador discutiu aqui a Lei Geral da Polícia Militar? Não. Então, assim, nós já somos executores hoje de legislação aprovada que nós não discutimos e que pagamos a conta. Então, é preciso que a gente naturalmente deixe claro o papel do Conselho Nacional de Segurança Pública.”
O governador capixaba concordou com seu colega de Goiás, Ronaldo Caiado (União), que, em manifestação durante a reunião do Palácio do Planalto, defendeu que os Estados, por terem realidade diferente na questão criminal, possam a ter suas legislações: “Eu concordo com o governador Caiado. Os Estados podem e devem ter mais autonomia para legislar nesse território, nessas áreas. Mas hoje a realidade é essa, que só se alterará com o tempo. Então nós temos uma tarefa agora que é: o Governo Federal está disposto a assumir um protagonismo maior no enfrentamento da criminalidade, ponto. Ressalvado aqui, de fato, a questão da soberania dos Estados que a gente pode analisar, mas tem todo o meu apoio para que a União possa fortalecer o Sistema Único de Segurança Pública”.
Renato Casagrande defendeu também a implementação de regras que possibilitem os entes federados a ter o controle da circulação de armas no País: “Vejam como nós estamos apreendendo pistolas, rifles, metralhadoras. Até cinco ou seis anos atrás, apreendíamos mais revólveres. Hoje não apreendemos mais revólver, não. Hoje a circulação de arma aumentou e aumentou muito e a gente tem que controlar a circulação de arma. É importante que tenhamos regras para controlar a circulação de armas.”
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), defendeu o fim da progressão de pena para criminosos condenados por participação em milícias: “Hoje, o criminoso perdeu o medo do Estado. Um traficante que seja preso agora com um fuzil vai responder por associação ao tráfico e vai ter um agravante de 1/3 da pena — vai chegar a 5 anos e pouquinho. Com 1/6 da pena, ele já progrediu. Ou seja, não ficará na cadeia nem por 1 ano. É impossível que nós, nos Estados, consigamos fazer o verdadeiro trabalho segurança pública, se não tivermos o poder de legislar, assim como nos Estados Unidos, assim como são diversos países onde os Estados subnacionais legislam. Uma mudança estrutural é fundamental para os Estados poderem legislar sobre pena, legislar sobre progressão, até porque nós somos um País muito grande”.
Casagrande endossou as palavras do colega carioca: “O Cláudio Castro tem razão. Não é possível que a gente vai ter progressão de pena para homicida de grupos criminosos. Se o sujeito matou alguém que pertence a um grupo criminoso, ele não pode ter progressão de pena.” E defendeu também a integração da Inteligência das forças policiais com o Sistema de Justiça Criminal para que os juízes, ao julgarem determinados criminosos, tomem conhecimento da ficha pregressa dos bandidos: “Do mesmo jeito, na hora que a gente tiver tecnologia, o juiz vai ter informação, porque muitas vezes o juiz não tem informação sobre se o criminoso é contumaz, se ele é frequente no crime. Ele não tem essa informação. Se a gente integrar o sistema, os magistrados passam a ter as informações”.
Por fim, Renato Casagrande defendeu a desburocratização do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública: “É fundamental que o Fundo Penitenciário seja desburocratizado, está aqui a proposta de não contingenciado, mas que seja também desburocratizado. Eu tenho Fundo a Fundo no meu Estado e eu repasso o recurso como plano de trabalho sem projeto. E o prefeito, a prefeita, tem que ser responsável por aquilo que está fazendo. Se não fizer adequadamente, o Tribunal de Contas vai em cima dessa pessoa. Do mesmo jeito, o Tribunal de Contas da União. Então, o governo apresenta, o governador, o secretário de Segurança, apresenta um plano de trabalho, não precisa de detalhar projeto para receber o recurso, para a gente poder desburocratizar e receber esse recurso com mais rapidez.”