“…Tanto a falha, quanto o dano em si, foram graves. Difícil expressar a angústia que um profissional jurídico vivencia quando se vê impedido de exercer um direito reconhecido pelo STF. E pior. Quando tal impedimento é emanado de sua própria Entidade de Classe. Além disso, o fato sub judice ocorreu em 12 de setembro de 2023, posteriormente ao trânsito em julgado da Tema 732 do STF. Resumindo, a OAB/ES descumpriu decisão vinculante do STF. A meu ver, o fato foi muito grave. A Entidade que deveria zelar pelo cumprimento das decisões definitivas da mais alta Corte do País, descumpre uma de suas decisões”.
Foi desta forma, com um puxão de orelhas, que o juiz federal Roberto Gil Leal Faria, do 2º Juizado Especial da Justiça Federal de Vitória, pontua trecho da sentença em que condenou a seccional do Espírito Santo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES) a pagar R$ 50 mil por dano moral à advogada Izabella Dayanna Bueno Cavalcanti, que foi impedida de entrar na Sala de Apoio aos Advogados localizada nas dependências do Tribunal Regional do Trabalho, na Enseada do Suá, em Vitória, em setembro de 2023.
Segundo a ação, Izabella Cavalcanti foi impedida de acessar a sala por determinação da “Diretoria da OAB”, que é presidida pelo advogado Trabalhista José Carlos Rizk Filho, “por estar inadimplente com a OAB/ES”, o que não era verdade – ela estava em dia com suas obrigações junto à Ordem, conforme se comprovou nos autos. Na sentença, o magistrado informa que a ação se fundamenta na alegação de que a parte autora [Izabella Cavalcanti] “haver sofrido constrangimento na sala de apoio aos advogados, localizada nas dependências do TRT/ES, sob alegação de ter sido impedida de utilizá-la no dia 12/09/2023 (terça-feira), por suposto inadimplemento da parcela vencida em 06.09.2023 (quarta- feira), véspera de feriado nacional”.
O juiz federal Roberto Gil Faria salienta que no âmbito do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 647.885/RS, o Supremo Tribunal Federal (STF) debateu especificamente a hipótese da interdição de exercício profissional em decorrência de inadimplemento da contribuição parafiscal correspondente. A questão foi resolvida através de verbete referente ao TEMA 732: “É inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária”. O Tema em tela transitou em julgado em 27 de maio de 2023.
“Com base no paradigma acima, concluo que impedir o profissional jurídico de ter acesso e utilizar locais e serviços de apoio custeados pela OAB, para o exercício da profissão, é uma forma indireta de cobrança do crédito tributário, o que se apresentada indevido, consoante decisão do STF”, pontua o magistrado: “Houve, portanto, ato ilícito da OAB a teor do artigo 186 do CC. Tal ilícito gerou dano moral, eis que impediu uma profissional de ter acesso a um direito que já tinha sido reconhecido pelo STF. Como o dano decorreu do ato ilícito, houve nexo de causalidade. Não foram mencionadas hipóteses de rompimento de tal nexo. Por fim, desnecessário analisar a ocorrência ou não do elemento ‘culpa’, pois se trata de responsabilidade objetiva, a teor do §6º do art. 37 da CR/88”.
No que tange ao valor do dano moral, o juiz federal Roberto Gil Leal Faria entende que “tanto a falha, quanto o dano em si, foram graves. Difícil expressar a angústia que um profissional jurídico vivencia quando se vê impedido de exercer um direito reconhecido pelo STF. E pior. Quando tal impedimento é emanado de sua própria Entidade de Classe. Além disso, o fato sub judice ocorreu em 12 d setembro de 2023, posteriormente ao trânsito em julgado da Tema 732 do STF. Resumindo, a OAB/ES descumpriu decisão vinculante do STF. A meu ver, o fato foi muito grave. A Entidade que deveria zelar pelo cumprimento das decisões definitivas da mais alta Corte do País, descumpre uma de suas decisões. E em referência a direito dos Advogados. Nessa linha de raciocínio, fixo os danos morais no valor máximo da alçada, qual seja, 60 (sessenta) salários mínimos. Reduzo tal valor em função do pedido.”
Portanto, finaliza o magistrado, “JULGO PROCEDENTE O PEDIDO. Condeno a OAB/ES a pagar indenização por dano moral à parte autora, no valor de R$ 50.000,00. Tal valor deverá ser corrigido monetariamente a contar da data do pedido (15.09.2023). Após a correção, deverão incidir juros de mora de 1% a.m., por ato ilícito, a partir da ocorrência (12.09.2023), nos termos do art. 398 do CC. Sem custas nem honorários.”
Ainda em setembro de 2023, o juiz Roberto Gil Leal Faria já havia determinado liminarmente que a OAB disponibilizasse as imagens do dia da “barração” à advogada Izabella Dayanna Bueno Cavalcanti e sustentou que a advogada estava em dia com sua parcela. O magistrado citou na decisão liminar que é livre o direito ao exercício profissional, conforme prevê o artigo 5°, XIII, da Constituição Federal.