O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, atendeu pedido da Polícia Federal e decretou a prisão de cinco investigados, além de autorizar afastamentos da função, buscas e compartilhamento de informações para apuração sobre monitoramento ilegal de pessoas e autoridades públicas. A decisão foi tomada nos autos da PET 12732, que investiga o uso do sistema de inteligência First Mile, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), por delegados federais, agentes e servidores públicos. Segundo a Polícia Federal, foram constatados elementos concretos de uma organização criminosa que atuava em núcleos para elaboração de dossiês contra ministros, parlamentares e outras pessoas a fim de divulgar narrativas falsas e incitar, direta ou indiretamente, tentativa de golpe de estado e enfraquecimento das instituições. As decisões foram tomadas no âmbito da Operação Última Milha. Leia aqui a íntegra do ministro Alexandre de Moraes que escancara como funcionava o ‘Serviço de Arapongas’ do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Os investigados, segundo a Polícia Federal, participaram de uma estrutura espúria infiltrada na Abin voltada para a obtenção de toda a ordem de vantagens para o núcleo político, produzindo desinformação para atacar adversários e instituições que, por sua vez, era difundida por intermédio de vetores de propagação materializados em perfis e grupos controlados por servidores em exercício na Abin. O Relatório da Polícia Federal traz prova da materialidade e indícios suficientes dos graves delitos praticados”, destacou o ministro em sua decisão.
No parecer sobre o caso, a Procuradoria Geral da República indicou que os elementos apresentados apontam a existência de uma organização que pretendia atacar o sistema republicano. “Os elementos condensados na representação policial revelaram que a estrutura infiltrada na Agência Brasileira de Inteligência representava apenas uma célula de organização criminosa mais ampla, voltada ao ataque de opositores, instituições e sistemas republicanos. As ações do grupo criminoso não se esgotam em um único inquérito, sendo importante o compartilhamento de provas para o melhor enquadramento das condutas praticadas.”
Prisões e afastamentos decretados
A Polícia Federal apontou a necessidade das prisões por conta da gravidade das condutas atribuídas aos investigados, risco de reiteração criminosa e necessidade de resguardar as investigações. O ministro Alexandre de Moraes atendeu o pedido. “O contexto delineado, portanto, revela a imprescindibilidade das prisões, haja vista que, se os investigados permanecerem em liberdade, podem dar continuidade às suas atividades criminosas, pois, como dito, os investigados possuem dados e contatos que podem ser utilizados para obstruir as investigações policiais, sem se perder de vista que os ataques às instituições ainda perduram de modo similar ao narrado na representação da PF, inclusive no que diz respeito à veiculação e respectiva difusão.”
A PF também demonstrou, na análise do ministro, a necessidade de afastamento dos cargos públicos pois poderiam “dificultar a colheita de provas e obstruir a instrução criminal, direta ou indiretamente, por meio da destruição de provas e da intimidação a outros servidores”. Foram decretadas as prisões preventivas e o afastamento dos cargos públicos de: MATEUS DE CARVALHO SPOSITO (atou como assessor na Secretaria de Comunicação do Governo Federal durante o governo de Jair Bolsonaro); RICHARDS DYER POZZER (engenheiro e influenciador digital); ROGÉRIO BERALDO DE ALMEIDA (influenciador digital); MARCELO ARAÚJO BORMEVET( agente da Polícia Federal); e GIANCARLO GOMES RODRIGUES (militar do Exército).
O ministro Alexandre de Moraes autorizou ainda, a pedido da PF e com aval da PGR, o compartilhamento das investigações com outras apurações em curso no STF – Inquérito 4.781/DF, Inquérito 4.828/DF e Inquérito 4.874/DF – que apura a veiculação de narrativas fraudulentas e tentativas de desestabilizar a ordem democrática e o sistema eleitoral brasileiro. Ainda a pedido da Polícia Federal e com parecer favorável da Procuradoria Geral da República, o STF autorizou buscas em relação a sete investigados: MATEUS DE CARVALHO SPOSITO; JOSÉ MATHEUS SALES GOMES (integrante do ‘Gabinete do Ódio’ durante o governo Bolsonaro); DANIEL RIBEIRO LEMOS (assessor parlamentar na Câmara dos Deputados); RICHARDS DYER POZZER; ROGÉRIO BERALDO DE ALMEIDA; MARCELO ARAÚJO BORMEVET; e GIANCARLO GOMES RODRIGUES.
Em relação a um assessor parlamentar, o ministro concordou com a PGR que não haveria necessidade de busca e apreensão nas dependências da Câmara dos Deputados, uma vez que não havia demonstração razoável de que o investigado JOSÉ MATHEUS SALES GOMES estaria aproveitando-se do exercício das funções públicas para guardar ou depositar provas na Casa Parlamentar. Por isso, o ministro determinou o envio de ofício ao presidente da Câmara, Arthur Lira, requisitando envio de dados. Em relação a esse investigado e a outro, DANIEL RIBEIRO LEMOS, foram decretadas medidas cautelares, como recolhimento domiciliar, entrega dos passaportes e suspensão da função pública. Os investigados também ficam proibidos de se comunicar com outros investigados em inquéritos que correm no Supremo Tribunal Federal.
‘Abin paralela’: PF aponta dossiês contra o STF, disseminação de fake news e Flávio Bolsonaro ‘blindado’ na ‘rachadinha’
A estrutura paralela que funcionou na Abin durante o governo de Jair Bolsonaro produziu dossiês de forma ilegal e atuou para disseminar notícias falsas sobre integrantes da cúpula do Judiciário e do Legislativo, além de um ex-presidenciável, servidores públicos e jornalistas, segundo a Polícia Federal. A investigação aponta que o esquema, montado também para blindar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso da “rachadinha”, funcionava a mando do então diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL e aliado do ex-presidente.
Um dos braços da atuação ilegal foi a tentativa, segundo a PF, de blindar Flávio Bolsonaro na investigação que apurou um suposto esquema de rachadinha quando ele era deputado estadual no Rio — a investigação posteriormente foi arquivada pela Justiça. A PF identificou um áudio em que Jair Bolsonaro, Ramagem e o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, falam sobre a investigação. Eles estavam discutindo supostas irregularidades que teriam sido cometidas por auditores da Receita Federal na elaboração de um relatório de inteligência fiscal que originou o inquérito. O áudio tem uma hora e oito minutos de duração, é datado de 25 de agosto de 2020 e foi encontrado em um aparelho de Ramagem. Uma das advogadas de Flávio também estaria presente na reunião.
De acordo com as investigações, Ramagem disse na gravação que “seria necessário a instauração de procedimento administrativo” contra os auditores da Receita “com o objetivo de anular a investigação, bem como retirar alguns auditores de seus respectivos cargos”. O relatório da PF ainda aponta que integrantes da chamada “Abin paralela” tentaram levantar “podres e relações políticas” dos auditores da Receita. Essas diligências contra os auditores “ao que indicam os vestígios foram determinadas pelo delegado Alexandre Ramagem”, diz o relatório.
Segundo a PF, três auditores foram alvo da estrutura paralela. Um deles é Christiano José Paes Leme Botelho, responsável por relatório que fundamentou investigação contra Flávio. Ele foi exonerado da Corregedoria da Receita Federal no fim de 2020. Procurado, não quis se manifestar.
Senador nega acusações e diz que foi vítima ‘da Receita’
O senador Flávio Bolsonaro utilizou as redes sociais para se pronunciar sobre as acusações feitas contra ele envolvendo a chamada “Abin Paralela”. Em um vídeo divulgado em sua conta no Twitter, o político negou qualquer envolvimento com o suposto esquema e afirmou ser vítima de criminosos que teriam acessado ilegalmente seus dados. Segundo Flávio, a Polícia Federal estaria agindo a mando de um “grupo especial de Lula” para prejudicá-lo.
Ele alega ser alvo de ataques e que seus dados sigilosos na Receita Federal foram acessados de forma ilegal, resultando em um prejuízo para sua imagem pública. O pronunciamento do senador veio logo após a PF encontrar um áudio no qual Flávio Bolsonaro aparece conversando com Ramagem sobre um suposto plano para protegê-lo de investigações sobre o esquema da rachadinha. A gravação, datada de 2020 e com mais de uma hora de duração, faz parte das provas da Operação Última Milha, que nesta quinta-feira resultou na prisão de cinco pessoas.
Flávio Bolsonaro afirmou ter feito uma solicitação junto à Receita Federal para saber quem teria acessado ilegalmente seus dados, porém teve o pedido indeferido sob a alegação de que se tratava de informações sigilosas. O senador alega ter entrado com um habeas data para obter as informações, mas até o momento não obteve resposta. Ele também revelou que teria ouvido falar sobre processos administrativos e disciplinares abertos contra funcionários da Receita envolvidos no suposto acesso ilegal aos seus dados. Flávio Bolsonaro acredita que havia uma “força-tarefa do crime” dentro do órgão contra ele e que essa situação resultou na punição de diversas pessoas. O senador reforçou que continuará lutando para esclarecer o caso e provar sua inocência, ressaltando que as acusações contra ele são infundadas e fruto de perseguição política. Ele espera que a Justiça seja feita e que os responsáveis por invadir sua privacidade sejam devidamente punidos.
Judiciário sob ataque
O inquérito aponta ações contra o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, e os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Dias Toffoli; o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ex-chefe da Casa Rodrigo Maia; e o ex-governador de São Paulo João Doria, que foi pré-candidato à Presidência, entre outros alvos. Para isso, segundo a apuração de O Globo, a organização criminosa era dividida em setores: os núcleos “Presidência” e “vetor de propagação” eram municiados pelo grupo “estrutura paralela”, que era constituído pelo policial federal Marcelo Borvemet e pelo militar do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues, ex-servidores cedidos à Abin, ambos presos na quinta-feira — Borvemet chegou a atuar na Presidência. Após consultas em ferramentas da Abin, como o programa espião FirstMile, eles repassavam dossiês e informações para serem disseminados por outros integrantes da estrutura.
Já o núcleo “Presidência” seria um ponto de contato do Planalto com os responsáveis por proliferar as fake news. Faziam parte desse grupo Mateus de Carvalho Sposito, preso na quinta-feira, além de Daniel Lemos e José Matheus Sales Gomes, que foram alvos de busca e apreensão — todos atuaram como assessores no Planalto. A PF interceptou uma mensagem em que um dos responsáveis pela propagação das mensagens nas redes sociais diz que tinha “linha direta com o presidente”.
“Os diálogos encontrados também desvendaram a forma de ação dos conteúdos ilícitos obtidos pelo núcleo de estrutura paralela. Apurou-se que o material reunido era repassado a vetores de propagação em redes sociais (perfis falsos e perfis cooptados) que formavam o núcleo de milícias digitais da organização criminosa”, escreveu a Procuradoria-Geral da República (PGR) em manifestação.
Um dos alvos foi Barroso, com o objetivo, segundo a PF, de “desacreditar o processo eleitoral” — ele deixou a presidência do TSE em fevereiro de 2022. Um dos comandos foi a replicação de um tuíte com ataques ao ministro e a assessores, além da produção de uma notícia falsa que buscava fazer um vínculo entre ele e o ministro Luiz Fux com uma licitação para a compra de urnas eletrônicas. De acordo com a PF, as ações buscavam o “embaraçamento de investigações”, além de atentarem contra o “livre exercício do Judiciário”.
Já em relação a Moraes, integrantes da Abin paralela usaram a estrutura do Estado para recolher informações e produzir um dossiê para relacioná-lo com um delegado da Polícia Civil de São Paulo e promover ataques nas redes. A investigação aponta que houve pagamentos em moeda estrangeira no uso de “sistemas ilegítimos” para recolher as informações. Membros do grupo também sugeriram o uso de violência contra o ministro em conversas no WhatsApp.
Em mensagens trocadas em agosto de 2021, integrantes da estrutura paralela discutiam sobre um inquérito da PF, que investigava um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral, quando um dos investigados diz: “Tá ficando foda isso. Esse careca tá merecendo algo a mais”. Outro investigado responde: “7.62” (termo que se refere à calibre de munição). Neste momento, o interlocutor acrescenta: “head shot”, que na tradução para o português significa “tiro na cabeça”. Já em relação a Toffoli, dados foram pesquisados com o intuito de vinculá-lo com uma escolha para a chefia da Polícia Federal.
Houve ainda pesquisas com a intenção de “caçar podres” de Lira e outros parlamentares, como os integrantes da CPI da Covid, além de uma “campanha de desinformação” contra Doria e a tentativa de constranger jornalistas e funcionários públicos — mensagens apreendidas pela PF mostram que três servidores do Ibama foram monitorados porque estavam “dando trabalho à gestão”.
Agentes de Abin paralela sabiam sobre minuta de golpe, indica PF
Ao menos dois dos investigados presos na quinta-feira (11/07) na Operação Última Milha tinham conhecimento sobre a existência de uma minuta A Última Milha, tocada pela Polícia Federal (PF), apura uma suposta estrutura paralela de espionagem montada na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que teria como objetivo monitorar ilegalmente adversários pessoais e políticos do clã Bolsonaro. A “minuta do golpe” é alvo de um outro inquérito, que tem como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro e assessores próximos. As duas investigações tramitam sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma das bases da investigação sobre a Abin paralela são os diálogos mantidos entre o militar Giancarlo Gomes Rodrigues e seu superior, o policial federal Marcelo Araújo Bormevet. Os dois eram os responsáveis por operar diretamente o programa First Mile, adquirido pela Abin e capaz de monitorar o posicionamento geográfico de aparelhos celulares sem ser detectado pelo sistema de telefonia.
A PF aponta que as buscas feitas no First Mile coincidem com as conversas trocadas entre os dois, que foram obtidas pelos investigadores. Em dado momento, destaca a PF, Bormevet pergunta a Giancarlo: “O Nosso PR imbrochável já assinou a porra do decreto?”. O militar responde: “Assinou nada. Tá foda essa espera, se é que vai ter alguma coisa”. Para os investigadores, “as referências relacionadas ao rompimento democrático declaradas pelos policiais é circunstância relevante que indica no mínimo potencial conhecimento do planejamento das ações que culminaram na construção da minuta do decreto de intervenção”. A observação foi feita no requerimento no qual a PF pediu a prisão preventiva dos dois investigados, bem como o compartilhamento de informações entre o inquérito da Abin paralela e o da minuta do golpe. Ambos os pedidos foram deferidos por Moraes.
Para a PF, os crimes supostamente cometidos na Abin “se situam no nexo causal dos delitos que culminaram na tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito”. Esse foi um dos argumentos utilizados pela PF para pedir a prisão dos investigados. A autoridade policial alegou que a deflagração de uma nova fase da Última Milha poderia fazer com que os suspeitos buscassem destruir provas que ligassem as duas investigações. Além de Bormevet e Giancarlo, outras duas pessoas foram presas nesta quinta-feira, enquanto uma quinta segue foragida. De modo preliminar, a PF apontou o cometimento de crimes como pertencimento a organização criminosa, invasão de dispositivo informático alheio, interceptação clandestina de comunicações e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Leia a íntegra da decisão do ministro.
Leia a íntegra da decisão que retirou o sigilo.
Leia a representação complementar da PF.
(Com informações também da Agência Brasil, STF e O Globo)