Escolhido por uma frente ampla de partidos para ser o candidato do grupo na disputa ao cargo de prefeito de Vitória, o economista, ex-deputado federal e ex-prefeito da Capital do Espírito Santo, Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) concedeu entrevista ao ‘site’ Blog do Elimar Côrtes em que fala do seu legado à frente do Executivo Municipal por oito anos – dois mandatos seguidos – e de como será o futuro da ‘Ilha do Mel’ caso seja eleito no pleito de outubro de 2024. Luiz Paulo será o representante da aliança da qual fazem parte PSD, MDB, União Brasil, PSDB/Cidadania, e hoje é o pré-candidato desse grupo, que inclui ainda o PSB, partido do governador Renato Casagrande. Aliás, depois de desistir da pré-candidatura – decisão tomada em 8 de maio deste ano –, o deputado estadual Tyago Hoffmann (PSB) passou a coordenar os trabalhos do grupo. Na última terça-feira (04/06), foi a vez do também deputado estadual Fabrício Gandini (PSD) desistir da corrida sucessória, abrindo, assim, o espaço para Luiz Paulo representar a ampla aliança.
Prefeito de Vitória – conhecida desde os primórdios de sua colonização como Ilha do Mel – entre os anos de 1997 e 2004, Luiz Paulo tenta retornar ao Executivo após 20 anos. Luiz Paulo é servidor de carreira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ajudou na criação do Plano Real, foi deputado federal entre 2007 e 2010 e, como chefe do Executivo da Capital capixaba, implantou uma forte política social e de melhorias das infraestruturas mais importantes da história de 202 anos de Vitória, a serem comemorados em 8 de setembro: a implantação do Projeto Terra, que, dentre outras ações, acabou com as palafitas que existiam na Ilha de Vitória e seu lugar construiu praças, áreas de lazer e prédios residenciais. Esta é apenas uma das partes visíveis do Projeto Terra.
De olho no futuro, Luiz Paulo também defende uma via alternativa como forma de melhorar a mobilidade urbana de Vitória, por conta do “estrangulamento” da Rodovia Serafim Derenzi, que possui 10 quilômetros e passa por pelo menos 15 bairros do Oeste da ilha. O pré-candidato fala ainda que, caso seja eleito, vai recuperar o potencial turístico de Vitória, seguindo modelos adotados pelas cidades de países europeus e a África do Sul – país africano que fica na mesma direção do Espírito Santo e banhado também pelo Oceano Atlântico.
O pré-candidato Luiz Paulo planeja a Vitória do futuro: “O meu sonho de Vitória do futuro é ter uma cidade que aproveite todos os seus ativos que estão desperdiçados, ativos naturais, parques, paisagens, orla, que podem atrair investimentos…Vitória deve se transformar num destino turístico internacional. Nós temos que ser a locomotiva da Grande Vitória e do Espírito Santo.”
Blog do Elimar Côrtes – Quais as obras que o senhor entende que marcaram seus oito anos como prefeito de Vitória?
Luiz Paulo – Eu destaco, como principal realização das minhas administrações, o Projeto Terra. O Projeto Terra não é uma obra, o Projeto Terra é uma estratégia de enfrentamento da pobreza urbana, que se situa territorialmente em áreas de interesse ambiental que foram ocupadas de forma desordenada por populações, em sua maioria migrantes, de baixa renda, principalmente, nos morros e nos mangues de Vitória. Mora, aproximadamente, um terço das pessoas nessas regiões. O primeiro trabalho do Projeto Terra foi delimitar com informações e estatísticas essas áreas. Nós chamamos essas áreas de Poligonais. Então, foram 15 Poligonais.
Da Poligonal 1, a maior de todas é a região de Consolação, São Benedito, Bairro da Penha, Jaburu, entre as Avenidas Leitão da Silva, Marechal Campos e Vitória. Nessa Poligonal tem a Avenida Maruípe do outro lado. Já a Poligonal 2 é a região do Romão, Forte São João e Cruzamento. A Poligonal 3 é no Centro da Cidade, englobando a Piedade, Fonte Grande, Capixaba e Moscoso. Na Poligonal 4 se situam Morro de São José, Praia do Suá, Santa Helena, Enseada do Suá. E a Poligonal 5 é Jesus de Nazareth; a 6 é a Ilha do Príncipe; a Poligonal 8 é Santo Antônio; a 10 é o bairro Conquista (Foto ao lado) e a Poligonal 12 é Ilha das Caieiras.
Onde existiam ocupações desordenadas, populações de baixa renda, infraestrutura precária e escassa foram delimitadas as áreas do Projeto Terra. Em cada uma das Poligonais, antes de qualquer intervenção, foi feito um diagnóstico socioeconômico e territorial. Depois, foi formulado um plano de intervenção. Por exemplo: em várias das Poligonais a prioridade número um era fazer a obra de contenção de encosta. Nós fizemos mais de 2.500 obras de contenção de encosta nos primeiros dois anos do Projeto Terra. Antes de qualquer coisa, tinha que enfrentar o risco de desabamento. E isso foi feito. Então, em cada uma das Poligonais também foi traçado um mapa do sistema viário interno do bairro para que pudesse haver circulação de veículos, de caminhão de entregas, de material de construção, de ambulância, de carro de polícia, de ônibus.
Existe um plano viário em cada uma das Poligonais. Nem todas essas obras foram realizadas [pelas administrações posteriores]. Na Poligonal 2, por exemplo, foi quase toda realizada, mas ficou faltando uma parte, que é a ligação do Forte São João com o Cruzeiro do Romão, onde tem a quadra do Romão. Tem muita obra para fazer ainda no ramo viário. Na Poligonal 1 praticamente não foi feito nada, com exceção do Jaburu. Mas o Jaburu tem que completar o seu anel viário. Na parte de São Benedito e no Bairro da Penha é urgente se fazer um sistema viário para circulação interna de veículos, de caminhões de entrega, etc.
O Projeto Terra também mapeou, em cada lugar, as carências em termos de serviços de saúde pública. Construímos muitas unidades de saúde, implantamos o Saúde da Família, construímos creches, pré-escola e escola, também para todas as áreas. Enfim, em cada Poligonal tem um plano de intervenção. É importante ressaltar o modelo de governança do Projeto Terra. Nenhuma dessas intervenções era feita sem que houvesse uma intensa discussão na comunidade. Existia uma comissão local do Projeto Terra que acompanhava os projetos, desde a fase de projeto até a fase de obras, onde havia necessidade de desapropriações e relocalizações, sempre dentro da Poligonal ou em regiões próximas.
Na Poligonal 11 (Andorinhas e Mangue Seco), foram construídos dois conjuntos habitacionais para abrigar pessoas que foram deslocadas por necessidade das obras. O Projeto Terra não é um plano de obras exclusivamente; é um plano integrado de enfrentamento da pobreza urbana, das situações de carência de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável.
Também se mapeavam as vocações, por exemplo, claramente a Ilha das Caieiras e Jesus Nazareth têm vocação de turismo pela própria condição da orla. Foram desenvolvidas ações que fomentaram e treinaram os próprios moradores para que se transformassem em empreendedores, donos de restaurantes, e recebessem turistas. Hoje, tanto Jesus Nazareth quanto, principalmente, Ilha das Caieiras, são pontos turísticos da cidade, são polos gastronômicos. E aí tem artesanato e esses polos atraíram outras atividades econômicas, de maneira que a gente pode ver 25 anos depois a evolução integrada, socioeconômica, dessas áreas. O importante do Projeto Terra é ter mostrado um modelo, um caminho a trilhar. Tem muito o que ser feito. Minha principal bandeira é a retomada do Projeto Terra se voltarmos a comandar os destinos da Capital.
– Como surgiu a ideia de se acabar com as palafitas em Vitória?
– Quando nós iniciamos o Projeto Terra, ainda existiam em Vitória dois bairros com palafitas: Santo Antônio, que era o mais antigo, inclusive, em que aparecia uma ocupação muito consolidada no manguezal da região, e Mangue Seco (Andorinhas). A gente entrava em Vitória pela Ponte da Passagem, olhava para o lado direito e via aquele bairro de palafitas. A remoção desses bairros de palafitas foi muito complicada e a negociação foi intensa com as comunidades. (A foto ao lado mostra a Prainha de Santo Antônio, construída onde havia as palafitas)
No caso de Santo Antônio, moradores não aceitavam ser removidos para um conjunto habitacional ali perto. Havia ideia de fazermos um prédio próximo à pedreira do bairro (em um terreno da família Mariani), mas a comunidade não aceitou. E foi feita transferência de cerca de 300 casas de palafitas, elas foram feitas de 60 casas em 60 casas para novos lotes. Foi feito um aterro, preparado para receber essas novas casas. As primeiras 60 casas foram construídas pelo Projeto Terra, depois as pessoas preferiram receber o lote já urbanizado para elas próprias construírem a sua casa com dinheiro público. De indenização, o de Santo Antônio foi bem mais complexo do ponto de vista gerencial. O resultado foi excelente. É uma orla bonita, hoje, sem palafitas. E, em Mangue Seco, moradores foram transferidos, ganharam casas num novo conjunto habitacional, ao lado do Parque Municipal de Barreiros.
[Fotos da arte-educadora, arterapeuta e professora Diolira Côrtes mostram como eram as palafitas de Santo Antônio antes do Projeto Terra]
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Como surgiu a ideia de levar linhas de ônibus para a maioria dos morros de Vitória?
– A chegada dos ônibus também é uma consequência dos novos sistemas viários que foram construídos dentro das Poligonais. Na Poligonal 2 (Romão e Forte São João) e na Poligonal 1, lá no alto de São Benedito, foram implantadas linhas. Na época, Vitória tinha um sistema de transporte coletivo próprio, que não era integrado ao Transcol. Hoje, o sistema está integrado ao Transcol e é um sistema que precisa melhorar muito. Na verdade, eu acho que nós temos que usar a bilhetagem eletrônica para permitir ônibus circularem dentro dos bairros e ônibus troncais nas vias troncais, nas avenidas principais. A pessoa tem um ônibus passando a cada 10 minutos, 15 minutos, que deixa o passageiro trocar de ônibus numa avenida principal. E isso vai permitir a melhoria do sistema de transporte na cidade de Vitória. É preciso também usar mais aquaviários, inclusive aquaviários internos de Vitória, por exemplo, saindo de São Pedro para o Centro, para a Praça do Papa, região do shopping, enfim, tem muitas possibilidades de utilizar outros modais, integrados também com bicicleta. O sistema de transporte público de Vitória tem muito o que melhorar.
– Na sua gestão, a Prefeitura de Vitória ajudou (e muito) a Polícia Civil a montar uma estrutura para elucidar crimes contra a vida na Capital.
– De fato, houve um período que a Prefeitura de Vitória bancou um mutirão junto com a Polícia Civil, a DHPP – Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa – de apuração dos homicídios ocorridos nos 10 últimos anos na época. A taxa de apuração era baixíssima e, naquele tempo, a polícia argumentava que não tinha estrutura, não tinha computadores, não tinha viaturas, as salas não tinham ar-condicionado, não tinha estagiários, etc. Ou seja, a Polícia Civil afirmava que não tinha meios para fazer esses inquéritos. E a gente sabia que uma das coisas que incentivava os assassinatos é o fato de os homicídios não serem apurados, era a impunidade. E muitas vezes sequer era feito o Inquérito Policial e sequer se fazia o exame de corpo de delito pelo Departamento Médico Legal. Então, firmamos um convênio com o Estado para fazer um mutirão, esse mutirão acelerou e começou a partir dos homicídios mais próximos, em que as evidências estavam mais frescas, até os mais distantes. Eles montaram equipes especializadas e se começou a ter inquérito. Para todo e qualquer homicídio, tinha que ser aberto o inquérito, tinha que começar a se chamar para depor, e isso fez com que a sensação de impunidade na cidade sofresse uma redução. Na ocasião, havia ainda em Vitória um descrédito muito grande das instituições, e o crime organizado dominando as instituições. Havia uma descrença total em que o sistema policial e jurídico fosse capaz de apurar esses homicídios, em sua grande maioria. Eram assassinatos vinculados a atividades ilícitas, tráfico de drogas, guerra de gangues, etc. Por isso, o nível de homicídio era altíssimo, Vitória chegou a ser considerada a capital mais violenta do Brasil e nós entendemos que era papel da Prefeitura atuar com apoio.
A Polícia Civil iniciou o mutirão de elucidação dos homicídios ocorridos em Vitória para que houvesse uma nova cultura. Vamos dizer assim de que os homicídios não ficariam impunes, ainda que a vítima fosse ela própria criminosa e tudo mais. As pessoas eram chamadas para depor e houve uma redução substancial desses homicídios por conta do mutirão. Foi uma iniciativa muito bem sucedida, numa época muito difícil, o Estado estava desorganizado financeiramente, sem recursos, e as instituições jurídicas, policiais, instituições da democracia estavam muito desacreditadas pela população.
– Como deverá ser a Vitória do futuro na sua visão?
– O meu sonho de Vitória do futuro é ter uma cidade que aproveite todos os seus ativos que estão desperdiçados, ativos naturais, parques, paisagens, orla, que podem atrair investimentos. Que valorizem o capital territorial, o capital produtivo da cidade, que gerem empregos, gerem tributos, mas também os ativos culturais, históricos da cidade, que estão desperdiçados. Vitória deve, a partir desse aproveitamento dos ativos escondidos e desperdiçados, se transformar num destino turístico internacional. Nós temos que ser a locomotiva da Grande Vitória e do Espírito Santo. É uma revolução quando a atividade turística é, de fato, é capaz de atrair visitantes de outros lugares.
Nosso turismo hoje, aqui no Espírito Santo, é todo interno, praticamente feitos de capixabas, visitando outras regiões, e isso movimenta a rede hoteleira, os restaurantes, etc. Nós precisamos almejar receber um milhão de visitantes por ano. Para vocês terem uma ideia, a África do Sul, quando saiu do Apartheid, fez uma revolução turística, eles não recebiam nada de turistas. E a partir da remodelação, principalmente da Cidade do Cabo, na região portuária, eles fizeram uma espécie de grande shopping a céu aberto no Porto, e hoje recebe 24 milhões de turistas por ano. A grande âncora da economia da África do Sul é o turismo. E a Cidade do Cabo é a locomotiva desse turismo.
Em Portugal aconteceu a mesma coisa, desde que Portugal entrou para a União Europeia, a Cidade do Porto, por exemplo, foi completamente restaurada, remodelada, fez metrô e tudo mais. Recebe 20 milhões de turistas por ano. É a principal atividade econômica da cidade. O Espírito Santo tem tudo para repetir o sucesso desses países da África do Sul, França, Espanha, Portugal, se perseguir obstinadamente o desenvolvimento dessas atividades, montar pacotes, fazer um trabalho estruturado junto com o trade, aproveitando os nossos potenciais. E eu acho que Vitória tem que ser, como capital do Estado, a locomotiva, a líder desse processo de lançamento do Espírito Santo como destino turístico nacional e internacional.
– Na sua percepção, que obras são mais necessárias hoje em Vitória?
– As obras mais necessárias em Vitória estão dentro das 15 Poligonais do Projeto Terra, de sistema viário, de saneamento, de habitação, de interesse social. São essas as mais importantes, a retomada do Projeto Terra e as obras de infraestrutura. E de habitação no interior das Poligonais. Precisamos de um novo acesso ao Parque da Fonte Grande, à Torre da Televisão, completar na Poligonal 2 até o Morro do Cruzeiro. Essas são as obras mais necessárias para a população, para dar seguimento à integração dos bairros chamados de periferia ou de baixa renda com a cidade como um todo, para que nós sejamos uma cidade só. Na região da Grande São Pedro, nós precisamos de um novo sistema viário. A Rodovia Serafim Derenzi está esgotada, precisa ser uma via de mão única. Precisamos de uma via alternativa passando pela orla. Essas são as obras mais importantes, são as obras nas poligonais do Projeto Terra para atender as populações.
Os problemas de mobilidade de Vitória que dizem respeito ao trânsito são um debate com o Governo do Estado e com os municípios da Região Metropolitana. Mas uma segunda prioridade e que nós precisamos debater esse tema junto com o Governo e com os municípios vizinhos porque quem vem de Linhares para Guarapari passa pela Reta da Penha, passa pela Avenida Vitória ou pela Desembargador Santos Neves. Então, esse trânsito de passagem em Vitória ocupa a maioria das vias. E é ele que engarrafa a cidade. E isso não é um problema que possa ser enfrentado exclusivamente pela cidade de Vitória, pela Prefeitura de Vitória. Esse é um problema metropolitano que precisa ser enfrentado em conjunto com o Governo do Estado e com os municípios vizinhos.