O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, à unanimidade, como assédio judicial o ajuizamento de inúmeras ações simultâneas sobre os mesmos fatos, em locais diferentes, para constranger jornalistas ou órgãos de imprensa e dificultar ou encarecer a sua defesa. No entendimento do Colegiado, a prática é abusiva e compromete a liberdade de expressão. A decisão foi tomada na sessão de quarta-feira (22/05), na conclusão do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7055, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e 6792, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
O julgamento foi iniciado em setembro de 2023, em sessão virtual, com o voto da relatora, ministra Rosa Weber (aposentada), que reconheceu a figura do assédio judicial contra a imprensa. No último dia 16, o ministro Luís Roberto Barroso acompanhou a relatora nesse ponto, mas acrescentou que, quando for caracterizada a prática, a parte acusada poderá pedir a reunião de todas as ações no local onde reside.
Ele também propôs que a responsabilidade civil de jornalistas ou de órgão de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de intenção ou culpa grave, se o jornalista for negligente na apuração dos fatos. Na ocasião, o ministro Cristiano Zanin acrescentou que o juiz pode extinguir a ação quando identificar que seu propósito não é uma efetiva reparação, mas apenas o assédio.
Freio
Na sessão de quarta-feira, ao acompanhar esse entendimento, o ministro Edson Fachin avaliou que o Tribunal, ao definir, configurar e impedir o assédio judicial, dá um passo importante para frear ações que desestimulem a produção de notícias, a investigação de fatos e a veiculação de opiniões críticas. Para o ministro Alexandre de Moraes, o assédio judicial é um problema grave que afeta não apenas jornalistas, mas também o mundo político. “Não é possível permitir que determinado grupo comece a ‘stalkear’ pessoas pela via judicial”, disse.
A ministra Cármen Lúcia acrescentou que o assédio judicial contra jornalistas é uma forma de perseguição. “Se nós vivemos a década de 1970, com toda forma de censura, hoje nós temos outras formas de censura particulares. Nós não queremos defender e dar guarida a novas formas de censura, estamos falando de liberdade”, completou.
O ministro Luís Roberto Barroso julgou procedente a ação da Abraji e parcialmente procedente a da ABI. Para ele, as ações contra jornalistas devem ser reunidas no foro de domicílio do réu quando caracterizado o assédio judicial. “A proteção da liberdade de expressão legitima a fixação de competência no foro do domicílio do réu, uma vez caracterizado o assédio judicial. Essa é a regra geral do Direito brasileiro e diversas leis preveem expressamente a reunião de ações com os mesmos fundamentos em um único foro”, disse o ministro.
Ainda segundo ele, o Tribunal decidiu em diversos casos que “a liberdade de expressão é preferencial no Estado democrático de Direito”, o que significa que, para superar a liberdade de expressão, é necessário “ônus argumentativo maior para quem deseja defender tese oposta” a essa liberdade. “Da mesma forma, a posição preferencial da liberdade de expressão protege a liberdade jornalística, somente podendo se dar a responsabilidade civil do jornalista ou do veículo de comunicação em caso de dolo ou culpa grave”, pontuou Barroso.
O ministro Luís Roberto Barroso propôs a seguinte tese:
1) Constitui assédio judicial comprometedor da liberdade de expressão o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa;
2) Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio;
3) A responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos).
Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes divergiram pontualmente da tese quanto à necessidade de culpa grave. Para eles, o dolo e a culpa seriam suficientes para a responsabilização.