São 16h40 de terça-feira (30/04). A procuradora-geral de Justiça, Luciana Gomes Ferreira de Andrade, retorna ao seu gabinete – instalado no 10º andar do prédio onde fica a Procuradoria-Geral de Justiça, sede da Administração do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), no bairro Praia de Santa Helena, em Vitória – para conceder uma entrevista ao ‘site’ Blog do Elimar Côrtes. Ela havia acabado de participar, junto do Grupo de Atuação Especial de Combate à Fome e de Defesa da Pessoa em Situação de Rua (GAESFO), da solenidade de assinatura do convênio entre a instituição e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), com o objetivo promover a inclusão de pessoas em situação de rua em programas de qualificação profissional.
Sobre a mesa de trabalho de Luciana Andrade, documentos para últimos despachos da atual chefe do MPES, que, na tarde de quinta-feira (02/05), transfere o cargo para o também promotor de Justiça Francisco Martínez Berdeal, em solenidade a ser realizada no Álvares Cabral, na Beira-Mar, na capital capixaba. Berdeal, que compôs a lista tríplice dos eleitos pelos membros – procuradores e promotores de Justiça – do MPES, junto com os promotores de Justiça Pedro Ivo de Sousa e Maria Clara Mendonça Perim, foi nomeado pelo governador Renato Casagrande (PSB) em 28 de março de 2024. Entre os documentos sobre a mesa, mostra Luciana Andrade, está o seu discurso de despedida do cargo que ela ocupa há quatro anos, por dois mandatos consecutivos.
“Vou me emocionar na hora do discurso”, antecipa essa promotora de Justiça “valente, determinada e trabalhadora”, conforme elogiou o governador Casagrande na solenidade de inauguração da sede da Promotoria de Justiça de Rio Novo do Sul, na sexta-feira passada (26/04). Não foi preciso chegar ao dia 2 de maio. Nesta entrevista, Luciana Andrade já se emociona ao lembrar dos ataques que ela sofreu das milícias digitais que atuam no Estado.
“Quando você é atacado de forma veemente, baixa, vil, você toma um choque, você não espera. E mais de uma forma covarde, que você não tem como se defender de milhares. Por exemplo, de mensagens disparadas num sistema de mensagem eletrônica. É a minha moral, é a minha imagem, é a minha honra. E eu preservo meu nome, preservo a minha honra, a minha família, mas eu não esmoreci na busca das providências que devem ser adotadas por meio dos mecanismos legais que são instituídos para qualquer cidadão brasileiro”, diz Luciana Andrade, que se emocionou também ao falar dos elogios públicos do governador Casagrande:
“É motivo de orgulho [elogio]. Porque realmente o desejo de fazer o meu melhor, de cuidar desse povo sofrido e de tantas diferenças que a gente tem na sociedade. Isso me move, sabe? Eu amo o que eu faço, eu amo muito o que eu faço e o medo não me paralisa. É claro que várias vezes eu falei, meu Deus, por que eu tenho que passar por isso? Ofensas, agressões. Mas eu falo: ‘Não, eu vou continuar sendo o que eu sou, não vou retroceder”, que, após o evento de assinatura do convênio entre o MPES e o Senac, fez fotos ao lado de demais autoridades que participaram da solenidade, na sede da Procuradoria-Geral de Justiça.
Blog do Elimar Côrtes – Depois de quatro anos como procuradora-geral de Justiça do Estado do Espírito Santo, qual é a sensação que fica ao deixar o cargo?
Luciana Andrade – De dever cumprido. De que tem muito por fazer, naturalmente, mas que muito foi feito e foi feito de forma compartilhada, democrática. É natural que o líder não consiga agradar a todos, nem atender todos os pleitos, mas a certeza de que nós conseguimos alcançar a maioria, de que o espírito da administração foi um espírito republicano, participativo e, especialmente, dialógico com a sociedade, com as carreiras de membros do Ministério Público Estadual, de servidores e de colaboradores.
– Esses, então, seriam os principais legados que a senhora deixa para o seu sucessor, Francisco Berdeal?
– Sim, o legado de que nós cuidamos mais das pessoas, nós olhamos mais para as pessoas, até talvez por conta do momento que nós vivíamos em 2020 no início do mandato, que era uma pandemia [da Covid/19]. E o medo, o medo da morte, o medo de perecer, de todo mundo, no mundo inteiro. E isso mexe, mexe com qualquer pessoa. E isso fez, portanto, que a gente tivesse esse olhar de sobrevivência, de cuidado. A pandemia passou, mas fica um pós-pandêmico. De muitas questões para serem resolvidas, em especial no tocante à saúde.
– Naquele momento da pandemia, a senhora e todo o Ministério Público se uniram para ajudar o Executivo Estadual a ter um controle e colocar na cabeça das pessoas a necessidade de ficar em casa para se evitar o contágio.
– Sim, a pandemia era uma incerteza. Não tinha uma receita, um modelo, um manual para ser seguido. Nós nos inspiramos, então, nas deliberações científicas, que ainda no começo também eram naturalmente contraditórias, até por conta da necessidade de saber com mais precisão o que estava acontecendo e saber que, no tocante a esse sistema jurídico, nós temos um Estado, que é a União, os entews federados – Estados –, os próprios municípios e o Poder Executivo para ditar a política pública. No entanto, o diferencial no Espírito Santo foi a possibilidade de nós dialogarmos enquanto instituição ou instituições, que naquela ocasião o próprio Poder Executivo Estadual compartilhou esse espaço de deliberação para todas as instituições de Estado, para a própria liderança de vários segmentos da sociedade, enfim, os municípios. E eu penso que o Estado do Espírito Santo foi diferenciado por conta desse diálogo cotidiano que a gente foi tendo naquele período.
– Toda a movimentação que o Ministério Público Estadual passou no período eleitoral para a escolha de quem iria o irá ocupar a Procuradoria-Geral de Justiça é passado? Daqui para frente, seu sucessor, o doutor Francisco, que vai assumir a direção, tem que olhar mesmo para o futuro?
– É passado. E por que é passado? Porque é natural que nós tenhamos esses ciclos democráticos. É constitucional, faz parte do espírito republicano brasileiro. Passada a eleição, escolhida a nova liderança institucional, ela é de todas e de todos. A Luciana é procuradora-geral de Justiça de todas e de todos. O doutor Francisco será procurador-geral de Justiça de todas e de todos. Fica claro aquela ideia de eventual diferença de opinião. Faz parte em casa, com a família, com os amigos e na instituição não é diferente. E isso também nos move, nos provoca ao aperfeiçoamento contínuo. Na maioria dos casos, o que nos move é a convergência, o alinhamento em prol do quê faremos. Da evolução institucional e do desenvolvimento da sociedade capixaba.
– A senhora concluiu seu segundo mandato à frente do Ministério Público Estadual num momento de muita polarização política no Brasil. E a senhora mesma foi alvo, não de críticas em si, mas de ataques pessoais. Como é que foi passar por tudo isso durante quatro anos?
– Foi dolorido, foi dolorido porque você sabe quem você é, você sabe a sua história, você sabe o que te move. Ser Ministério Público, como qualquer outra profissão, é um ideário, é uma vocação e eu sempre digo que entrei na instituição para prender bandidos, para tomar providências em relação a malfeitores, para poder apoiar na articulação de política pública para toda a sociedade brasileira, no nosso caso para o Espírito Santo.
Então, quando você é atacado de forma veemente, baixa, vil, você toma um choque, você não espera. E mais de uma forma covarde, que você não tem como se defender de milhares. Por exemplo, de mensagens disparadas num sistema de mensagem eletrônica. É a minha moral, é a minha imagem, é a minha honra. E eu preservo meu nome, preservo a minha honra, a minha família, mas eu não esmoreci na busca das providências que devem ser adotadas por meio dos mecanismos legais que são instituídos para qualquer cidadão brasileiro. E também para os órgãos e membros do Ministério Público e que tenham fé na evolução humana dessas pessoas.
– A senhora defende que o Congresso Nacional regularize logo essa questão da PEC das Fake News, como deseja o Governo Federal?
– Sim, é importante, porque nós vivemos num Estado Democrático e o Estado Democrático de Direito tem que ser regulado por leis. Não se trata de invadir o direito à livre expressão, o direito da imprensa, da própria independência do Ministério Público. Ela tem que ter limites, limites quando ultrapassam os limites, que vai da ofensa, da mentira, da má informação, da desinformação. Isso pode levar a perecimento de direitos, né? Então, a gente precisa trabalhar essa regulamentação. Então, eu acredito que o Congresso Nacional, nossos parlamentares tenham esse propósito. Não posso dizer se o texto é o perfeito, o acabado, vai depender aí de uma discussão democrática também no Parlamento, mas nós precisamos dessa legislação.
(Na segunda-feira, o Ministério Público do Estado realizou sessão solene para entrega das 10 comendas Medalhas do Mérito MPES. A solenidade homenageou personalidades e instituições que se destacaram na defesa dos direitos da sociedade e no fortalecimento da atuação ministerial. Dentre os homenageados esteve o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal.)
– A sua gestão e a de seus antecessores ao longo da história sempre se basearam numa relação institucional, pacífica e republicana com os demais Poderes. É esse sempre o caminho do Ministério Público?
– Sim, penso que sim, porque a Constituição Federal que nos movimenta, que nos norteia, ela diz da autonomia e da independência do Ministério Público. São valores fundamentais da instituição a independência e autonomia, mas ao mesmo tempo fala também da harmonia. Então, a harmonia interinstitucional que há no Espírito Santo não prejudica a minha autonomia e minha independência. Longe disso, mas ela permite que nós conversemos para chegar em soluções. Então, juntos, certamente conversando, dialogando a respeito de ideias para poder avançar, a gente vai errar menos.
– Numa das últimas aparições públicas ao lado da senhora, o governador Renato Casagrande fez um elogio a sua gestão e disse que a senhora foi ‘valente, determinada e trabalhadora’. É motivo de orgulho esse tipo de elogio?
– É motivo de orgulho. Porque realmente o desejo, até me emociona – neste ponto da entrevista, Luciana Andrade para por alguns segundos e tenta segurar o choro –, de fazer o meu melhor, de cuidar desse povo sofrido e de tantas diferenças que a gente tem na sociedade. Isso me move, sabe? Eu amo o que eu faço, eu amo muito o que eu faço e o medo não me paralisa. É claro que várias vezes eu falei, meu Deus, por que eu tenho que passar por isso? Ofensas, agressões. Mas eu falo: ‘Não, eu vou continuar sendo o que eu sou, não vou retroceder’. Então, ouvir de uma pessoa como governador [Renato Casagrande], pode até ter aquele que não concorde com as ideias políticas dele, com as opiniões do governador, mas ele é uma pessoa republicana, respeitada no Brasil todo e que a gente vê também que é um homem muito trabalhador e dedicado. Então realmente para mim é motivo de muito orgulho.
– A senhora gostaria de deixar alguma mensagem final para a sociedade capixaba e para os membros e servidores do Ministério Público Estadual?
– Dizer que a gente encerra um ciclo, que nesse ciclo nós, o Ministério Público coletivo, de servidores, de todos os colaboradores, assim como antes em outras administrações e assim como será também daqui para frente, que nós trabalhamos muito e valeu a pena. Valeu a pena porque a instituição continua com a credibilidade que ela possui, ela continua sendo procurada pela sociedade para que a gente possa acolher e resolver e solucionar suas questões mais sensíveis e muitas vezes dolorosas. Dizer que eu encerro o ciclo nessa função de procuradora-geral de Justiça, mas eu sou promotora de justiça. E vou ser promotora de Justiça até morrer, porque é isso que me move, é isso que me faz feliz, é isso que me faz inteira. Quero dizer que tenho muita gratidão a cada uma, a cada um que esteve comigo nesse processo e que eu vou estar junto com todo mundo também a partir do dia 3 de maio eu continuo no Ministério Público e vou estar aí sendo liderada por uma pessoa fantástica, essencialmente humana e que, com certeza, vai fazer o Ministério Público prosperar ainda mais, que é o doutor Francisco Berdeal.