Os senadores capixabas Fabiano Contarato (PT), Marcos do Val (Podemos) e Magno Malta (PL) votaram a favor da aprovação do Projeto de Lei (PL) 2.253/2022 que restringe o benefício da saída temporária para presos condenados. O PL foi aprovado pelo Senado na terça-feira (20/02). O projeto, relatado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), previa a revogação total do benefício, mas foi alterado para permitir as saídas de presos que estudam. Na prática, o texto extingue a liberação temporária de presos em datas comemorativas e feriados, que tem sido chamada popularmente de “saidinha”.
O texto, aprovado com 62 votos favoráveis, dois contrários e uma abstenção, voltará para a análise dos deputados na Câmara Federal por conta de modificações. O PL havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto de 2022 e somente agora foi analisado pelos senadores. Apresentado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), o projeto, como veio da Câmara, revogava dispositivos da Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 1984) que tratavam das saídas temporárias. Pela legislação em vigor, o benefício vale para condenados que cumprem pena em regime semiaberto. Atualmente eles podem sair até cinco vezes ao ano, sem vigilância direta, para visitar a família, estudar fora da cadeia ou participar de atividades que contribuam para a ressocialização.
Favorável à aprovação do projeto, o senador Fabiano Contarato lembrou que a pena tem caráter duplo, de readaptação ao convívio social e familiar, e de retribuição pelo mal praticado. Contarato, que é delegado de Polícia Civil aposentado, citou vários institutos previstos em lei que reduzem significativamente a pena a ser cumprida pelos condenados, como progressão de regime, remissão de pena pelo trabalho, comutação de pena e livramento condicional. O senador, que é líder do PT, liberou a bancada para votar.
“Não posso deixar de manifestar a minha fala no sentido de que, diante dessas circunstâncias, não é razoável explicar para quem teve seu filho morto por um homicídio doloso, em que o cara foi condenado a nove anos de reclusão, que não vai ficar nem três anos preso. (…) Por essa razão, eu peço humildemente perdão à minha bancada do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, mas eu não sairia daqui com a minha consciência tranquila votando não contra a saída temporária, por entender que é mais um benefício dado e que vai passar não a sensação, mas a certeza da impunidade”, pontuou o parlamentar capixaba.
Em pronunciamento no Plenário antes da votação, Marcos do Val defendeu que é importante discutir a questão das saídas temporárias, as chamadas “saidinhas”, principalmente para detentos que apresentam comportamento violento e antissocial. Na opinião dele, os projetos usados atualmente para reintegração de detentos à sociedade são ineficazes. Segundo o parlamentar, muitos deles não têm condições de serem ressocializados. O capixaba defendeu o PL que restringe a liberação de presos em feriados e datas comemorativas, que está sendo analisado pelos senadores:
“Voltar para casa como um sociopata, ou um psicopata, é uma doença cerebral, então não adianta. Ele é um dos principais privilegiados para essa soltura, para essa saidinha temporária, e é quem comete os crimes mais bárbaros sem ressentimento nenhum. Não tem sentimento. Como ressocializar alguém que não tem como ser ressocializado?”, ponderou o parlamentar capixaba.
O senador declarou ser a favor do cumprimento integral de pena, sem progressão de regime, para aqueles que não demonstram disposição em evitar reincidência. Ele também defendeu medidas de isolamento total nos presídios brasileiros e privação de contato íntimo como punição nos casos de crimes graves:
“Você começa a ter uma série de retaliações, não tem mais o seu banho de sol, tem uma série de penalidades lá dentro que forçam você a seguir as regras do presídio para que tenha, então, um bom comportamento. Mas ele não tem que ter um bom comportamento só dentro do presídio porque lá é rígido. Se vocês também perceberem, a lei do [mundo do] crime é uma lei que chega a ser cruel, porque, se roubou, corta-se a mão, decepa-se a mão, a orelha, e aí vai, a perna, o pé. Até se tiver alguma dívida com o tráfico a penalidade é a pena de morte, e de forma sarcástica, de forma cruel.”
Para Magno Malta, o “fim das saidinhas não é uma ação contra os encarcerados, mas sim um gesto de zelo pelas vítimas. Chega de premiar quem comete o crime e deixar quem sofre à míngua”. Ele disse ainda que o fim da ‘saidinha’ poderia ganhar apelidos como “respeitabilidade e sensibilidade às vítimas daqueles que estão encarcerados”.
Aprovação
O texto foi aprovado com mudanças pelo Senado. Uma das emendas aceitas, do senador Sergio Moro (União-PR), reverte a revogação total do benefício. Pelo texto aprovado, as saídas temporárias ainda serão permitidas, mas apenas para presos inscritos em cursos profissionalizantes ou nos ensinos médio e superior e somente pelo tempo necessário para essas atividades. As outras justificativas atualmente aceitas para as saídas temporárias — visita à família e participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social — deixam de existir na lei.
“O projeto acaba com as saídas temporárias em feriados, o que é diferente da autorização para o preso estudar ou trabalhar fora do presídio quando em regime semiaberto ou em regime aberto. (…) Por ter total pertinência, obviamente, nós resgatamos esse instituto, que, de fato, contribui para a ressocialização dos presos, que é a possibilidade de estudarem, de fazerem um curso profissionalizante”, explicou o relator Flávio Bolsonaro, que disse considerar a solução apresentada por Moro a mais adequada.
Mesmo para os presos com autorização de saída para estudar, a emenda também amplia restrições já contidas na lei. Atualmente, não podem usufruir do benefício presos que cumprem pena por praticar crime hediondo com resultado morte. O novo texto estende a restrição para presos que cumprem pena por crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa.
“Então, estamos preservando, sim, aquilo que é realmente relevante para o preso do semiaberto, que é a saída para a educação e para o trabalho. Ainda assim, colocamos uma cláusula de segurança, uma norma de segurança estabelecendo que, mesmo para essas atividades, não tem o direito à saída temporária aquele que foi condenado por crime hediondo e por crime praticado com violência ou com grave ameaça contra a pessoa. Temos que ter salvaguardas para proteger a população, para proteger os outros indivíduos”, explicou Sergio Moro.
Durante a discussão, senadores pediram ao líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), que intercedesse junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que o texto não fosse vetado. O líder lembrou que o texto ainda voltará para a Câmara e negou que haja posição formada no governo para vetar o texto.
Homenagem
O texto também foi modificado para incluir a determinação de que, caso sancionada, a lei seja denominada “Lei PM Sargento Dias”. Esse trecho foi incluído pelo relator em homenagem ao sargento Roger Dias da Cunha, da Polícia Militar de Minas Gerais. Ele foi assassinado com tiro na cabeça, no dia 5 de janeiro deste ano, após uma abordagem a dois suspeitos pelo furto de um veículo em Belo Horizonte. O autor dos disparos era um beneficiado pela saída temporária que deveria ter voltado à penitenciária em 23 de dezembro e era considerado foragido da Justiça.
“Foi liberado e matou um policial, um jovem a serviço da sociedade. Uma sociedade tão estranha que faz um concurso público, seleciona os nossos melhores jovens, coloca numa academia de polícia, dá a eles uma arma e uma carteira e os joga numa selva desprotegida. Nós condenamos os policiais todos os dias, não damos a eles o apoio necessário”, afirmou o senador Carlos Viana (Podemos-MG).
Regras
Além da restrição das saídas temporárias, o projeto trata de outros temas. Um deles é a necessidade de exame criminológico para a progressão de regime de condenados. De acordo com o texto, um apenado só terá direito ao benefício se “ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento e pelos resultados do exame criminológico”. O teste deve avaliar, por exemplo, se o preso é capaz de se ajustar ao novo regime “com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade”.
“A exigência de realização de exame criminológico para progressão de regime é admitida pelos nossos tribunais superiores, desde que por decisão fundamentada. Sobre o assunto, há a Súmula Vinculante nº 26, do STF [Supremo Tribunal Federal], e a Súmula 439, do STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Assim, o condicionamento proposto pelo projeto de lei se encontra alinhado com a jurisprudência das nossas Cortes Superiores”, justificou o relator, Flávio Bolsonaro.
O projeto também estabelece regras para a monitoração de presos. Pela proposição, o juiz pode determinar a fiscalização eletrônica para aplicar pena privativa de liberdade a ser cumprida nos regimes aberto ou semiaberto ou conceder progressão para tais regimes. Outras hipóteses previstas são para aplicar pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de frequência a lugares específicos; e para concessão do livramento condicional.
Ainda de acordo com o PL 2.253/2022, o preso que violar ou danificar o dispositivo de monitoração eletrônica fica sujeito a punições como a revogação do livramento condicional e a conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade.
O senador Fabiano Contarato apresentou emendas para estender a proibição de saídas temporárias para todos os condenados que cumprem penas por crimes inafiançáveis — como racismo, terrorismo e tortura. O destaque foi rejeitado pelos senadores, conforme a orientação do relator. O senador Otto Alencar (PSD-BA) acusou Flávio Bolsonaro de ser contrário ao destaque para proteger os condenados por crimes cometidos nos ataques antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023, que, com a aprovação, passariam a não ter direito ao benefício.
“Não tem explicação. Vossa Excelência quer excluir quem atentou contra a democracia no 8 de janeiro, terrorismo, ameaça ao Estado Democrático de Direito. Vossa Excelência não convenceu, não explicou absolutamente nada”, acusou o senador, que também citou milicianos.
Flávio Bolsonaro afirmou que não cabia trazer o 8 de janeiro para a discussão e afirmou que houve uma tentativa de politizar uma questão que não devia ser politizada. Ele acusou a base do governo de fazer uma ataque político a apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Os senadores também rejeitaram emenda de Fabiano Contarato para permitir o benefício da saída temporária não somente aos presos em cursos profissionalizantes, ensino médio e superior, mas também a toda educação básica para jovens e adultos. A emenda foi destacada pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO), vice-presidente da Comissão de Segurança Pública (CSP), que defendeu a aprovação.
“Investir na educação dos detentos não apenas os capacita para uma vida melhor após o cumprimento da pena, mas também contribui para a redução de conflitos dentro das instituições prisionais. A educação é uma ferramenta poderosa na promoção da paz e na construção de um ambiente propício ao desenvolvimento pessoal e social”, disse o senador antes da rejeição do destaque.