A Polícia Federal deflagrou na quinta-feira (25/01) uma operação que investiga espionagens ilegais na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Agentes federais foram às ruas cumprir 21 mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos investigados, dentre eles o deputado federal Alexandre Ramagem (PL/Rio), que dirigiu a Abin no governo Bolsonaro. Segundo a PF, uma “organização criminosa” se instalou na agência, com o objetivo de “monitorar ilegalmente autoridades públicas e outras pessoas”, usando ferramentas de geolocalização de celulares sem autorização judicial. Ao final da reportagem, os sete pontos principais da operação da PF sobre a ‘espionagem criminosa’ da Abin, cujos alvos foram adversários políticos do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ramagem é delegado de Polícia Federal e dirigiu a Abin de 9 de julho de 2019 a 30 de julho de 2022, quando saiu para se candidatar a deputado.
A operação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, e atendeu pedido da Polícia Federal, com parecer favorável da Procuradoria Geral da República (PGR). Nas investigações, a Polícia Federal identificou a existência de uma organização criminosa com intuito de monitorar ilegalmente pessoas e autoridades públicas por meio da invasão de computadores e aparelhos celulares, sem ciência das operadoras de telefonia e sem autorização judicial, além de tentar interferir em diversas investigações da Polícia Federal. Veja aqui a íntegra da decisão do ministro Alexandre de Moraes.
Segundo a PF, a organização criminosa, conhecida como “Abin paralela”, era dividida em núcleos distintos formados, principalmente, por policiais federais com atuação na Abin. Ramagem, conforme a apuração, integra núcleo “Alta Gestão” e detinha o poder de direcionamento das condutas dos demais. Sob sua direção, os policiais teriam, inclusive, tentado beneficiar Renan Bolsonaro, em investigação a que responde por tráfico de influência, e o senador Flávio Bolsonaro (PL/Rio), com a confecção de relatórios para subsidiar sua defesa no caso das “rachadinhas”. Os dois são filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Outra evidência de instrumentalização da Abin apontada nas investigações diz respeito à tentativa de associação de deputados federais e ministros do STF à organização criminosa conhecida como PCC (Primeiro Comando da Capital). O ministro Alexandre de Moraes considerou que a solicitação da busca e apreensão residencial, profissional e pessoal dos investigados foi devidamente justificada diante dos indícios de autoria e materialidade dos crimes investigados. A medida visa colher elementos de prova relacionados à prática de infrações penais em apuração.
O ministro também determinou o afastamento dos policiais federais investigados do exercício de seus cargos públicos, por entender que a manutenção dos agentes públicos nas funções poderia dificultar a colheita de provas e obstruir a instrução criminal. Alexandre de Moraes negou, contudo, o pedido de suspensão do exercício da função parlamentar de Alexandre Ramagem ao considerar que, apesar da gravidade das condutas, nessa fase da investigação não se faz necessária a medida. “Essa hipótese poderá ser reanalisada se o investigado voltar a utilizar suas funções para interferir na produção probatória ou no curso das investigações”, ressaltou o ministro.
Alexandre de Moraes observou que Ramagem, como integrante da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência da Câmara dos Deputados, assinou requerimentos de informações relacionados aos fatos investigados, o que aponta para uma suposta prática de condutas ilícitas no sentido de tentar interferir na produção probatória. Assim, eventuais respostas dos órgãos competentes, como a PGR, PF, Controladoria-Geral da União (CGU) e Abin, a requerimentos do parlamentar deverão ser submetidos à apreciação do STF, em razão do sigilo das investigações.
As investigações da Polícia Federal revelam ainda que a estrutura da Abin foi usada para monitorar a promotora de Justiça Simone Sibílio, responsável pela investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol/Rio), além de outras autoridades. Marielle foi morta em março de 2018.ImageImage Na manhã de quinta-feira, agentes federais estiveram no gabinete de Alexandre Ramagem na Câmara dos Deputados e nas residências dele em Brasília e no Rio de Janeiro.
Batizada de Operação Vigilância Aproximada, a fase aberta na quinta-feira também buscou cumprir medidas cautelares, como buscas em Brasília (18), no Rio (1) e em Juiz de Fora (1) e São João Del-Rei (1), municípios de Minas Gerais. Os alvos podem responder pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. A nova etapa da investigação é uma continuação da Operação Última Milha, deflagrada em 20 de outubro do ano passado.
O monitoramento ilegal ocorria, segundo as investigações, por meio do uso do programa espião First Mile. Produzido por uma empresa israelense de defesa cibernética, o equipamento permite monitorar os passos dos alvos escolhidos por meio da localização do celular. O software foi comprado no governo Michel Temer.
Além da promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Simone Sibílio, foram monitorados o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e Camilo Santana, que era governador do Ceará e é o atual ministro da Educação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT):
“Em outra oportunidade, novamente, ficou patente a instrumentalização da Abin, para monitoramento da promotora de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e do motorista que a acompanhava, Anderson Gomes”, diz o relatório de investigação.
Ministros do STF
O grupo também teria atuado para difundir informações falsas e vincular os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes a uma facção criminosa. As suspeitas estão em um arquivo eletrônico apreendido na primeira fase da operação, realizada no ano passado. “O arquivo ‘prévia Nmni.docx’ mostra a distorção, para fins políticos, da providência, indicando a pretensão última de relacionar a advogada Nicole Fabre e os ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC, alimentando a difusão de fake news contra os magistrados da Suprema Corte”, complementa o relatório.
Pelas redes sociais, o ex-presidente Jair Bolsonaro não fez comentários relacionados à operação, mas publicou um vídeo antigo no qual Ramagem informa que o programa espião foi comprado na gestão do presidente Michel Temer. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, classificou a operação de “perseguição” a Bolsonaro.
Em nota, o senador Flávio Bolsonaro negou ter sido favorecido de alguma forma pela Abin. “Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro”, afirmou.
Ex-diretor da Abin chama acusação de “salada de narrativas”
O deputado federal Alexandre Ramagem afirmou, em entrevista à GloboNews, que a investigação sobre uma suposta espionagem ilegal na Abin durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro é “uma salada de narrativas”. Ele declarou que o Ministério Público Federal e o Judiciário “foram envolvidos” por um núcleo da Polícia Federal.
“Quando eu tive agora o acesso ao parecer do MP (Ministério Público) e à decisão judicial, o que nós vemos é uma salada de narrativas, inclusive, antigas e já superadas, colocadas para imputar negativamente, criminalmente, no nome da gente, sem qualquer conjunto probatório”, disse Ramagem. “Os policiais federais que estavam comigo, (nós) nunca tivemos a utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas.”
A Polícia Federal também afirma que servidores da Abin produziram informações que teriam ajudado, por exemplo, na defesa dos filhos de Bolsonaro em investigações criminais. Relatórios da agência teriam sido compartilhados para subsidiar tanto o senador Flávio Bolsonaro na investigação das “rachadinhas” e quanto Jair Renan em inquéritos sobre tráfico de influência, estelionato e lavagem de dinheiro.
A investigação sobre Jair Renan foi aberta depois que o jornal O Globo divulgou que o filho do então presidente Bolsonaro teria recebido um carro elétrico de representantes da Gramazini Granitos e Mármores Thomazini, avaliado em R$ 90 mil. O ex-diretor da Abin negou ter elaborado relatórios no caso do senador, mas admitiu atuação da Abin para Jair Renan.
O sistema de monitoramento usado indevidamente por servidores da Abin durante a gestão de Bolsonaro é capaz de detectar uma pessoa com base na localização de aparelhos que usam as redes 2G, 3G e 4G. Para encontrar o alvo, basta digitar o número do seu contato telefônico no programa e acompanhar em um mapa a última posição. Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o FirstMile se baseia em torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões para captar os dados de cada aparelho telefônico e, então, devolver o histórico de deslocamento do dono do celular.
Segundo Alexandre Ramagem, o sistema não é de interceptação ou invasão. “Na realidade, é um sistema grosseiro de localização. É um sistema que diz se a pessoa está em Copacabana, se está na Barra (bairros do Rio de Janeiro) ou em Brasília”, afirmou. “Essa ferramenta é legal dentro da Abin.” Alexandre Ramagem foi questionado pela GloboNews sobre o motivo de a Polícia Federal ter encontrado documentos sobre a investigação, um celular e um computador da Abin no gabinete dele. O deputado disse que os papeis eram de sua gestão. “Se houve computador que era da Abin e telefone que era da Abin, foram trocados por novos que foram devolvidos e sem utilização há mais de três anos. A prova pericial vai mostrar. Poderia devolver, mas estava ali, pensei que fosse da Polícia Federal, antigo”, afirmou.
À TV, Alexandre Ramagem declarou ter amigos na Abin e negou ter obtido informações antecipadas sobre a investigação. O parlamentar disse não ter contato com os policiais e agentes da PF que fazem a investigação sobre a “Abin Paralela”, como a estrutura tem sido chamada. “Se teve vazamento de informação, tem que ser apurado lá de dentro”, disse. O deputado relatou que ele próprio pediu a abertura de investigação interna sobre o uso do sistema quando dirigia a Abin. Ramagem afirmou que “queria padronizar o sistema e saber quem estava fazendo errado”.
1) Como funcionava o software usado pela Abin
O sistema de monitoramento usado indevidamente por servidores da Abin durante a gestão de Bolsonaro é capaz de detectar um indivíduo com base na localização de aparelhos que usam as redes 2G, 3G e 4G. Para encontrar o alvo, basta digitar o número do seu contato telefônico no programa e acompanhar em um mapa a última posição.
Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o FirstMile se baseia em torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões para captar os dados de cada aparelho telefônico e, então, devolver o histórico de deslocamento do dono do celular. De acordo com a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, o FirstMile funciona como “serviço de geolocalização de dispositivos móveis em tempo real, capaz de decodificar as identidades lógicas dos dispositivos e de gerar alertas sobre a rotina de movimentação dos alvos de interesse”.
2) Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e o PCC
A PF encontrou registros de que a Abin tentou produzir provas que relacionassem ministros do STF e deputados federais de oposição a Bolsonaro ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Em relatório enviado ao Supremo, a Polícia Federal afirmou que houve uma tentativa de “criar fato desapegado da realidade” para associar parlamentares e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes à organização criminosa.
“O arquivo “Prévia Nini.docx”, por seu turno, retrata ação deliberada de desvirtuamento institucional da operação de inteligência”, aponta trecho da decisão de Moraes, que autorizou a operação desta quinta. “Neste documento, identificou-se anotações cujo conteúdo remete à tentativa de associar deputados federais, bem como Exmo. ministro relator Alexandre de Moraes e outros parlamentares à organização criminosa PCC. Não somente o ministro relator, mas também com o Exmo. Ministro Gilmar Mendes houve a tentativa de vinculação com organização criminosa.”
3) Apoio à defesa de Flávio Bolsonaro e Jair Renan Bolsonaro
A Polícia Federal afirma que servidores da Abin produziram informações que teriam ajudado na defesa dos filhos de Bolsonaro em investigações criminais. Relatórios da agência teriam sido compartilhados para subsidiar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na investigação das “rachadinhas” e o quarto filho do ex-presidente, Jair Renan, em inquéritos sobre tráfico de influência, estelionato e lavagem de dinheiro.
Na decisão que autoriza a abertura da operação, Alexandre de Moraes transcreve trechos da investigação. O documento registra que a preparação de relatórios para defesa de Flávio Bolsonaro ficou a cargo de um policial federal “que ocupava o posto de chefe do Centro de Inteligência Nacional (CIN).
O senador nega ter sido favorecido. “É mentira que a Abin tenha me favorecido de alguma forma, em qualquer situação, durante meus 42 anos de vida”, disse Flávio Bolsonaro. “Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro. Minha vida foi virada do avesso por quase cinco anos e nada foi encontrado, sendo a investigação arquivada pelos tribunais superiores com teses tão somente jurídicas, conforme amplamente divulgado pela grande mídia”, assinalou o senador.
4) Monitoramento da promotora do caso Marielle
A Polícia Federal também encontrou documentos que indicam que o sistema de inteligência da Abin foi usado indevidamente para monitorar uma promotora de Justiça do Rio de Janeiro que investigou o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Os documentos sobre a promotora teriam a mesma identidade visual de relatórios apócrifos produzidos pela “estrutura paralela” que, segundo a PF, teria sido montada na Abin.
“A CGU identificou no servidor de impressão resumo do currículo da Promotora de Justiça do Rio de Janeiro coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados”, aponta trecho da decisão de Alexandre de Moraes. “O documento tem a mesma ausência de identidade visual nos moldes dos relatórios apócrifos da estrutura paralela.”
5) Federal pediu afastamento de Ramagem
Em relatório enviado ao Supremo, a Polícia Federal pediu que Alexandre Ramagem fosse afastado do mandato enquanto investiga se o ex-diretor da Abin usou a estrutura da instituição para atender a interesses pessoais e políticos de Bolsonaro. O pedido foi negado por Alexandre de Moraes, relator do caso.
Ao defender o afastamento do deputado, a PF afirmou que a agência, sob a gestão de Ramagem, “estava a serviço, em verdade, do extrato político nacional”. Para os investigadores, a instituição foi loteada com aliados do governo, que formariam uma “estrutura paralela”. O deputado teria “incentivado e acobertado” o suposto esquema de arapongagem.
6) Valdemar Costa Neto: operação é “perseguição de Moraes”
O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, afirmou que a operação é um “absurdo” e representa “uma perseguição do Alexandre de Moraes com o PL e Bolsonaro”. Valdemar culpou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por não ter tomado “providências” contra as operações e disse acreditar que a investigação vai ajudar Ramagem na disputa pela prefeitura do Rio este ano.
“É uma perseguição aberta do Alexandre de Moraes contra o PL e o Bolsonaro”, afirmou Valdemar, lembrando que o ex-presidente foi considerado inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Já tinha que ter feito um impeachment dele (de Alexandre), para investigar essas decisões. Tem que ser questionadas essas decisões”.
7) Abin, já no governo Lula, teria tentado interferir na investigação
A investigação da PF pode respingar na atual gestão do órgão. Os investigadores afirmam que integrantes da cúpula da agência, nomeados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tentaram dificultar a apuração e sugere que eles podem ter agido em “conluio” com servidores investigados.
Segundo a PF, a pretexto de proteger informações “sensíveis”, a Abin estaria dificultando acesso a dados necessários ao avanço da investigação. Para a Polícia Federal, a cúpula da agência estaria preocupada, na verdade, com a exposição da espionagem clandestina de autoridades.
(Com informações também do Estadão, Agência Brasil e Portal do STF)