Golpistas que participaram dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, tinham plano de prender e depois matar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A revelação foi feita pelo próprio ministro em entrevista ao jornal O Globo nesta quinta-feira (04/01). Alexandre de Moraes é o relator de todos os 1.345 processos criminais instaurados pela Polícia Federal na Operação Lesa Pátria para investigar radicais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que marcharam sobre a Esplanada dos Ministérios até o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo, deixando para trás um rastro de destruição e vandalismo. A intenção do grupo, insatisfeito com a vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições de 2022 – que está governando o Brasil pela terceira vez –, era pressionar as Forças Armadas a darem um golpe e entregar o poder de novo a Bolsonaro, instalando, assim, uma ditadura no País. O ministro Alexandre de Moraes, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já vinha antes mesmo das eleições sendo alvo dos bolsonaristas por aplicar a lei sempre que o ex-presidente a desrespeitava.
Na entrevista concedida ao O Globo, o ministro conta que a investigação da Polícia Federal desvendou três planos contra ele, que envolviam até homicídio: “O primeiro plano previa que as Forças Especiais (do Exército) me prenderiam em um domingo e me levariam para Goiânia. No segundo, se livrariam do corpo no meio do caminho para Goiânia. Aí, não seria propriamente uma prisão, mas um homicídio. E o terceiro [plano], de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes [em Brasília]. Para sentir o nível de agressividade e ódio dessas pessoas, que não sabem diferenciar a pessoa física da instituição”, disse Alexandre de Moraes.
Segundo ele, agentes da Agência Brasília de Inteligência (Abin) estariam por trás do plano de sua prisão e assassinato. “Houve uma tentativa de planejamento. Inclusive, e há outro inquérito que investiga isso, com participação da Abin, que monitorava os meus passos para quando houvesse necessidade de realizar essa prisão. Tirando um exagero ou outro, era algo que eu já esperava. Não poderia esperar de golpistas criminosos que não tivessem pretendendo algo nesse sentido. Mantive a tranquilidade. Tenho muito processo para perder tempo com isso. E nada disso ocorreu, então está tudo bem”, pontuou Alexandre de Moraes.
Ao ser questionado por O Globo sobre o que poderia ter acontecido com o episódio 8 de Janeiro, o ministro disse que, “se tivéssemos deixado mais pessoas em frente a quartéis (no dia seguinte), poderia gerar mais violência, com mortes e distúrbios civis no País todo. Se não houvesse a demonstração clara e inequívoca de que o Supremo Tribunal Federal não iria admitir nenhum tipo de golpe, afastaria qualquer governador que aderisse e prenderia os comandantes de eventuais forças públicas que aderissem, poderíamos ter um efeito dominó que geraria caos no País”.
Ainda de acordo com Alexandre de Moraes, a investigação já delineou, por meio das apurações da Polícia Federal e dos interrogatórios de vários dos golpistas, “que os discursos nos quartéis onde estavam acampados diziam que deveriam vir para Brasília. De vários financiadores, (a ordem era que) deveriam vir, invadir o Congresso e ficar até que houvesse uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem] para que o Exército fosse retirá-los. E, então, eles tentariam convencer o Exército a aderir ao golpe. O que mostra o acerto em não se decretar a GLO, porque isso poderia gerar uma confusão maior, e sim a intervenção federal. Não que o Exército fosse aderir, pois em nenhum momento a instituição flertou (com a ideia). Em que pese alguns dos seus integrantes terem atuado, e todos eles estão sendo investigados.”
O ministro do STF garantiu ainda que não há limites sobre até onde a investigação vai chegar, uma vez que os executores já foram condenados, os financiadores estão sendo denunciados e há outras linhas da apuração da participação de militares e dos autores intelectuais. “Todos aqueles que tiverem a responsabilidade comprovada, após o devido processo legal, serão responsabilizados. Obviamente, é possível chegar aos organizadores, inclusive intelectuais. Em menos de um ano, já temos mais de 30 condenados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Não poderíamos deixar que aqueles que tentaram romper com a democracia no Brasil continuassem achando que uma eventual impunidade pudesse encorajá-los a atentar novamente”, destacou Alexandre de Moraes.
Como presidente do TSE, o ministro foi um implacável fiscalizador das fake news, sobretudo, divulgadas pelo então presidente Jair Bolsonaro, que, durante sua gestão – 2019/2022 –, fez uma série de ataques às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral. No entanto, sobre a responsabilidade de Bolsonaro nos atos golpistas do dia 8 de janeiro, Alexandre de Moraes ponderou: “Todas as pessoas sobre as quais a Polícia Federal encontrar indícios serão investigadas, desde os executores até eventuais políticos. Mas isso a investigação é que vai demonstrar.”
O ministro falou ainda sobre a influência das plataformas no 8 de Janeiro: “A regulamentação das redes sociais vai ser uma bandeira importante do Tribunal Superior Eleitoral no primeiro semestre de 2024. Elas falharam e foram instrumentalizadas no 8 de Janeiro. Proliferaram o discurso de ódio, antidemocrático, permitindo que as pessoas se organizassem para a “festa da Selma”, que era o nome utilizado (para o 8 de Janeiro).”
Alexandre de Moraes informou também que sua segurança continua a mesma desde o momento em que assumiu o cargo de secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, em 2014: “Eu já recebia ameaças da criminalidade organizada. O esquema é o mesmo há quase nove anos. Em relação à minha família, aumentei a segurança. Esses golpistas são extremamente corajosos virtualmente e muito covardes pessoalmente. Então, chegam muitas ameaças, principalmente contra minhas filhas, porque até nisso eles são misóginos. Preferem ameaçar as meninas e sempre com mensagens de cunho sexual. É um povo doente.”
Sobre as críticas em relação às prisões feitas no dia 8 de janeiro, o ministro disse: “Nunca vi alguém preso achar que a sua prisão é justa. Analiso as críticas construtivas, mas ignoro as destrutivas. Nenhum desses golpistas defende que alguém que furtou um notebook não possa ser preso. E eles, que atentaram contra a democracia, não podem? Os presos são de classe média, principalmente do interior, e acham que a prisão é só para os pobres. A Justiça tem que ser igual para todos.”
A respeito de políticos da extrema direita, afirmarem que as penas aos primeiros condenados terem sido altas, Alexandre de Moraes respondeu: “Quem faz a pena não é o Supremo Tribunal Federal, é o legislador. O Congresso aprovou uma legislação substituindo a Lei de Segurança Nacional exatamente para impedir qualquer tentativa de golpe. Se as penas máximas fossem aplicadas em todos os cinco crimes, pegariam mais de 50 anos, mas pegaram 17 (no máximo). Se não quisessem ser condenados, não praticassem nenhum crime.”
O ministro do STF falou também sobre qual a lição que fica do 8 de Janeiro: “A primeira é impedir a continuidade dessa terra sem lei das redes sociais. Sem elas, dificilmente (os atos golpistas) teriam ocorrido de forma tão massiva. Na parte criminal eleitoral, todos os políticos, quando houver comprovação de participação, devem ser alijados da vida política, além da responsabilidade penal. Quem não acredita na democracia não deve participar da vida política do País.”
Já ao jornal Estadão, Alexandre de Moraes faz um alerta àqueles que, eventualmente, ainda queiram escolher a trilha dos intolerantes do 8 de Janeiro. “A democracia é intocável e o STF não permitirá qualquer tipo de impunidade. As Instituições mostraram sua maturidade e fortaleza, defendendo a Constituição, a democracia e o Estado de Direito.”
De acordo com o Estadão, em 2023 a Polícia Federal executou 22 fases da Operação Lesa Pátria, que mira golpistas que não aceitaram o resultado das urnas em 2022. O Plenário do STF recebeu, até o momento, 1.345 denúncias criminais da Procuradoria-Geral da República. Ao todo, foram 1.413 pessoas denunciadas.